Eu estava sentada em silêncio, tomando meu café preto. Eu era como um fantasma na minha própria casa.
Minha mãe, percebendo meu silêncio, decidiu que era hora de "resolver" as coisas.
"Sofia, querida, eu sei que você ficou chateada ontem", ela começou, com um tom que pretendia ser conciliador. "Mas você tem que entender. A volta da Clara foi algo muito especial. Não é todo dia que a família se reúne assim."
Eu continuei olhando para a minha xícara. Dentro da minha cabeça, uma voz sarcástica gritava: E a final de uma competição nacional, que eu preparei por um ano, acontece todo dia?
Mas por fora, eu não disse nada. O silêncio era minha nova armadura.
"Sua irmã sentiu tanto a nossa falta", continuou minha mãe. "Ela precisava de nós."
Clara, percebendo que a atenção havia se desviado dela por um segundo, fez um beicinho e olhou para nossa mãe.
"Ai, mãe, não fala assim. Parece que a culpa foi minha", disse ela, com a voz manhosa de uma criança de cinco anos. "Eu não sabia do concurso da Sofia. Se eu soubesse, eu teria dito pra vocês irem. Juro."
Era uma mentira deslavada. Eu tinha falado sobre a competição por meses. O calendário na cozinha tinha um grande círculo vermelho em volta da data.
Lucas imediatamente saiu em sua defesa.
"Não foi sua culpa, Clarinha. A Sofia que é muito sensível. Ela precisa aprender a não fazer tempestade em copo d'água."
Ele disse isso sem sequer olhar para mim. Ele estava falando sobre mim como se eu não estivesse ali.
A raiva que eu senti foi tão intensa que minhas mãos começaram a tremer. Para disfarçar, peguei um pão e comecei a passar manteiga nele.
Clara então olhou para mim, com seus grandes olhos castanhos fingindo preocupação.
"Você está brava comigo, Sofia? Por favor, não fique. Eu me sentiria péssima."
Ela estava me pintando como a vilã. A irmã mais velha, amarga e invejosa. E todos na mesa caíram na armadilha.
"Claro que ela não está brava, filha", disse meu pai, com um tom de aviso na voz, dirigido a mim. "Sofia entende o que é família."
Eu levantei o olhar e encarei Clara. Pela primeira vez, não vi minha irmãzinha. Vi uma manipuladora habilidosa.
Continuei em silêncio. Meu silêncio estava começando a incomodar a todos. A performance deles exigia uma reação da minha parte. Minha recusa em participar estava estragando o roteiro.
Clara, frustrada, tentou uma nova tática. Ela se levantou para pegar um copo de suco e, "acidentalmente", tropeçou perto da minha cadeira. O copo cheio de suco de laranja voou da sua mão e caiu todo em cima de mim. O líquido gelado e pegajoso encharcou minha blusa e minha calça.
"AI, MEU DEUS! SOFIA, ME DESCULPA!", ela gritou, com uma atuação digna de um Oscar. "Eu sou tão desastrada!"
Mas eu vi. Eu vi o pequeno brilho de malícia em seus olhos antes de ela "tropeçar". Foi de propósito.
Minha mãe saltou da cadeira, mas não para me ajudar. Ela foi socorrer Clara.
"Você se machucou, meu amor? Cuidado!"
"Eu estou bem, mãe. Mas olhe a Sofia! Eu estraguei a roupa dela", disse Clara, com a voz embargada.
Lucas me olhou com irritação.
"Nossa, Sofia, você não podia ter desviado?", ele disse, como se a culpa fosse minha.
Foi a gota d'água.
Eu me levantei devagar. O suco escorria pela minha roupa, pingando no chão. Mas a humilhação queimava mais do que o frio do líquido. Olhei para cada um deles. Para minha mãe, que se preocupava com a filha que tinha me atacado. Para meu pai, que me olhava com desaprovação. E para Lucas, meu noivo, que tinha tomado o lado dela sem hesitar.
"Eu vou me trocar", eu disse, a voz perigosamente calma.
No momento em que me virei para sair, minha mãe agarrou meu braço. Com força.
"Aonde você pensa que vai com essa cara amarrada? Sua irmã pediu desculpas! Diga que está tudo bem!"
A unha dela cravou na minha pele. Eu olhei para a mão dela no meu braço, e depois para o rosto dela.
"Me solta", eu disse, em voz baixa.
"Não até você parar com esse drama e aceitar o pedido de desculpas da sua irmã! Você está estragando a volta dela!", ela rosnou, apertando ainda mais.
Naquele momento, algo estalou. Puxei meu braço com um movimento brusco.
"Eu disse... pra me soltar."
Minha mãe recuou, chocada com a minha reação. Havia um arranhão vermelho no meu braço onde sua unha tinha estado.
Todos na mesa ficaram em silêncio, me olhando como se eu fosse um animal selvagem.
Eu não disse mais nada. Apenas me virei e subi as escadas, deixando-os para trás com seus rostos perplexos.
No meu quarto, tirei a roupa molhada e a joguei no chão. Olhei para a marca vermelha no meu braço. Não doía. Era apenas um lembrete visível da ferida invisível que eles vinham abrindo em mim por anos.
Eles não me viram como uma filha, ou uma irmã, ou uma noiva. Eles me viam como um acessório, um empecilho para a felicidade da pessoa que realmente importava: Clara.
Eles rapidamente esqueceram o incidente. Ouvi as risadas recomeçando lá embaixo. Eles já tinham seguido em frente, me deixando para trás, sozinha, para lidar com mais uma camada de dor e abandono. Mas desta vez, era diferente. Eu não estava mais apenas ferida. Eu estava acordando.