Adeus, Meu Passado Amargo
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Capítulo 4

Memórias da minha infância começaram a borbulhar na minha mente, como cenas de um filme antigo e triste. Lembrei-me de um acampamento de verão quando eu tinha dez anos. Eu estava doente, com febre alta. Liguei para casa, chorando, pedindo para meus pais me buscarem.

"Não podemos, querida", disse minha mãe ao telefone, com uma voz apressada. "Clara tem uma apresentação de ginástica olímpica muito importante. É o sonho dela. Você é forte, vai ficar bem."

Passei uma semana na enfermaria do acampamento, delirando de febre, cuidada por estranhos. Quando eles finalmente me buscaram, trouxeram um troféu de participação que Clara tinha ganhado. Foi a primeira coisa que me mostraram.

Voltei ao presente, olhando ao redor do meu quarto. A casa era grande, confortável, em um bairro nobre. Tínhamos tudo do bom e do melhor. Mas era uma casa emocionalmente estéril para mim. As paredes eram cheias de fotos de Clara: Clara no balé, Clara na natação, Clara sorrindo com um diploma. Havia poucas fotos minhas. E nas que eu aparecia, eu estava sempre no canto, um pouco desfocada, como se minha presença fosse acidental.

Eu sempre soube que era a segunda opção. A filha "menos brilhante", "menos carismática". Mas eu achava que, no fundo, eles me amavam. Que o amor deles era apenas... desajeitado.

Naquele dia, olhando a marca no meu braço e sentindo o eco das suas risadas no andar de baixo, eu entendi a verdade. Não era desajeitado. Era uma escolha consciente. Eu não era uma prioridade. Eu sequer estava na lista.

Meu celular tocou, me tirando dos meus pensamentos. Era Lucas.

Meu coração deu um salto estúpido de esperança. Talvez ele estivesse ligando para se desculpar. Para perguntar se eu estava bem.

"Alô?", atendi, a voz ainda um pouco trêmula.

"Sofia, o que diabos foi aquilo na mesa?", a voz dele não era de preocupação. Era de raiva.

Fiquei em silêncio, a esperança murchando instantaneamente.

"Você não pode simplesmente aceitar um pedido de desculpas? A Clara se sentiu péssima! Você fez todo mundo se sentir desconfortável com a sua atitude."

"Ela jogou suco em mim de propósito, Lucas", eu disse, a voz baixa.

Ele riu. Uma risada curta e incrédula.

"Ah, pelo amor de Deus, Sofia. Você está ouvindo o que está dizendo? Por que a Clara faria isso? Você sempre foi tão ciumenta com ela. É uma pena, porque ela te adora."

Ciumenta. Era essa a palavra que eles sempre usavam para invalidar meus sentimentos. Qualquer reclamação minha era "ciúmes". Qualquer dor era "drama".

"Você está me culpando?", perguntei, incrédula.

"Eu não estou culpando ninguém! Estou dizendo que você precisa relaxar! Você é a irmã mais velha. Deveria ser mais madura. Clara acabou de chegar, ela está sensível. E você cria essa cena toda por causa de um copo de suco?"

Ele continuou falando, sua voz se tornando um zumbido nos meus ouvidos. Ele me acusou de ser egoísta, de querer estragar o momento da família, de não pensar nos sentimentos dos outros. Cada palavra era uma pá de terra jogada sobre mim.

"Você precisa pedir desculpas para a Clara", ele concluiu, o tom autoritário. "E para os seus pais também. Pelo constrangimento que você causou."

"Eu não vou pedir desculpas por algo que eu não fiz", respondi, a calma voltando a mim. Era a calma do desespero final.

Houve uma pausa do outro lado da linha. Então, ouvi a voz de Clara ao fundo, perto dele. "Lucas, está tudo bem? Ela está sendo difícil de novo?"

Meu sangue gelou. Eles estavam juntos. Ele estava me ligando para me repreender, com ela ao seu lado.

"Olha, Sofia, eu não tenho tempo pra isso", disse Lucas, a voz mudando, tornando-se fria e distante. "Eu pensei que você fosse diferente. Pensei que você fosse me apoiar. Mas você só pensa em si mesma. Talvez eu precise reavaliar... tudo isso."

"Tudo isso" significava nosso noivado. Nosso futuro. Ele estava me ameaçando. Usando nosso relacionamento como uma arma para me forçar a me submeter.

E, naquele momento, olhando para a aliança de noivado no meu dedo, eu percebi que ela não era um símbolo de amor. Era uma coleira.

E eu não queria mais usá-la.

"Você tem razão, Lucas", eu disse, minha voz surpreendentemente firme. "Você deveria reavaliar."

E desliguei o telefone.

                         

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