Laura, que vivia conosco desde que seus pais morreram, sorriu, um misto de vaidade e triunfo no rosto.
"É claro, tia. Somos a família mais importante. Quem mais eles escolheriam?"
Meu irmão, Carlos, concordou com a cabeça, bajulando Laura como sempre.
"Com a beleza da Laura, o gringo nem vai pensar duas vezes."
Eu, Sofia Mendes, estava sentada um pouco afastada, perto da janela. Ninguém olhou para mim. Ninguém perguntou o que eu achava. Para eles, eu era apenas parte da mobília.
Mas eu ouvi. E um calafrio percorreu minha espinha. Um calafrio que não era do vento que entrava pela janela, mas de uma memória.
Eu já tinha vivido aquele dia.
Na minha vida passada, a notícia também chegou assim. E o que se seguiu foi um pesadelo. Um pesadelo que terminou comigo, morta, no fundo de um rio gelado durante a viagem para o meu próprio casamento arranjado. Ninguém chorou por mim. Declararam como um acidente trágico e seguiram em frente.
Mas eu voltei. Abri os olhos e estava aqui, de volta ao início de tudo. Desta vez, eu não seria a ovelha levada para o abate.
Minha mãe finalmente pareceu se lembrar da minha existência. Ela se virou para mim, mas seu rosto não tinha o mesmo calor que demonstrava para Laura.
"Sofia, você também está aqui. Ótimo."
Ela pigarreou, assumindo um ar de seriedade.
"Como temos duas jovens em idade de casar, para que tudo seja justo aos olhos de Deus e dos homens, vamos tirar a sorte. Um 'Cartão da Fortuna' para o casamento, e um 'Cartão da Sorte' para quem fica. Será o destino a decidir."
Laura sorriu, confiante. Ela sempre teve sorte. Ou melhor, minha mãe sempre garantia que a sorte estivesse do lado dela.
E, como esperado, Laura tirou o "Cartão da Fortuna". Ela o ergueu no ar, radiante.
"Eu sabia! O destino me escolheu!"
Carlos a abraçou.
"Parabéns, minha irmã!"
Minha mãe chorou de felicidade. Mas então, quando a euforia inicial passou, ela veio até mim. Seu rosto estava pálido. Ela me puxou para um canto, longe dos outros.
"Sofia, minha filha..."
A voz dela era um sussurro desesperado.
"Você precisa fazer isso. Você precisa ir no lugar da Laura."
Eu a encarei, sem expressão.
"Mas o destino a escolheu."
Lágrimas brotaram nos olhos dela. Lágrimas de crocodilo, eu sabia.
"Sua prima é fraca! Ela é delicada! Uma viagem longa como essa, um país estranho... ela não sobreviveria! Você é forte, Sofia. Você sempre foi."
A ironia era tão cruel que quase me fez rir. Forte. Eu era forte porque tive que aprender a sobreviver aos maus-tratos e à negligência dela.
"E não se preocupe", ela continuou, segurando minhas mãos com força. "Seu pai... o Dr. Ricardo... ele é um advogado famoso, influente. Assim que ele resolver os casos importantes dele e voltar, eu peço para ele te trazer de volta. É só por um tempo, minha filha. Um pequeno sacrifício pela sua prima."
Pai. A menção dele me causou uma pontada de dor. Ele estava sempre ausente, mergulhado em um trabalho secreto que ninguém entendia. Na minha vida passada, eu morri esperando que ele viesse me salvar.
Eu olhei para o rosto suplicante da minha mãe. O rosto da mulher que me enviou para a morte sem hesitar.
Desta vez, o sacrifício seria deles.
"Tudo bem, mamãe", eu disse, com a voz mais dócil que consegui fingir. "Eu vou."
Ela suspirou de alívio, me abraçando com uma falsidade que me dava náuseas.
"Oh, minha filha boa! Eu sabia que podia contar com você!"
Enquanto ela me abraçava, meus olhos se fixaram em uma fina cicatriz branca no meu pulso. Um lembrete permanente. Na minha vida passada, durante a viagem, os homens do noivo tentaram abusar de mim. Eu lutei. Caí do navio e bati a cabeça em uma pedra antes de afundar. A cicatriz era de onde um deles me agarrou com força, a unha rasgando minha pele.
Não haveria uma segunda vez.