No dia seguinte, a casa dos Mendes era um palco. Laura, a escolhida pela "sorte", deveria começar os preparativos. Mas, em vez disso, ela estava deitada no sofá da sala, com um pano úmido na testa, gemendo dramaticamente.
"Ai, minha cabeça... acho que vou desmaiar. A simples ideia de uma viagem tão longa... meu coração não aguenta."
Ela falava com a voz fraca, mas seus olhos estavam atentos, medindo a reação de todos.
Minha mãe, Dona Beatriz, correu para o lado dela, a personificação da preocupação.
"Oh, minha pobre menina! Não se esforce! Carlos, traga um copo de água com açúcar para sua prima! Rápido!"
Carlos, sempre o servo leal de Laura, praticamente voou para a cozinha.
Minha mãe afagava os cabelos de Laura.
"Está vendo? Eu sabia. Você é delicada demais para isso. Uma flor de estufa. Não podemos arriscar sua saúde."
Ela então se virou para mim, que observava a cena em silêncio, perto da porta. A expressão dela endureceu.
"Sofia, venha aqui. Veja o estado da sua prima. É por isso que você, que é mais forte, precisa assumir essa responsabilidade."
Antes que eu pudesse responder, minha fiel empregada, Júlia, que estava espanando um vaso no canto, não se conteve.
"Com todo respeito, Dona Beatriz, mas a Srta. Sofia também não anda bem. Ela mal tocou na comida hoje."
Júlia me conhecia desde criança. Ela era a única que via além das aparências nesta casa. A única que enxugou minhas lágrimas e cuidou dos meus machucados quando ninguém mais se importava.
A fúria de Beatriz se voltou para a empregada.
"Cale a boca, Júlia! Quem lhe deu permissão para opinar nos assuntos da família? Volte para o seu trabalho!"
Júlia baixou a cabeça, mas não sem antes me lançar um olhar preocupado. Eu lhe dei um sorriso discreto. Um sorriso que dizia: "Está tudo bem. Eu tenho um plano."
Meu coração estava firme. A raiva e a dor do passado haviam se transformado em um gelo cortante. A peça teatral deles não me atingia mais. Eu era uma espectadora esperando o momento certo para entrar em cena e mudar o roteiro.
Laura, percebendo que a atenção havia se desviado dela por um instante, soltou um gemido mais alto e seus olhos se reviraram.
"Acho que... que minha visão está escurecendo... Tia, eu não consigo respirar..."
Ela levou a mão ao peito, ofegante, em uma performance digna de um Oscar.
Imediatamente, o caos se reinstalou.
"Meu Deus! Laura! Carlos, chame o Dr. Matos! Agora!", gritou minha mãe, o pânico em sua voz. "Ela está tendo um ataque! É o coração frágil dela!"
Carlos largou o copo d'água, que se espatifou no chão, e correu para o telefone.
Minha mãe se ajoelhou ao lado de Laura, abanando-a com as próprias mãos.
"Respire, meu amor, respire! A tia está aqui! Ninguém vai te forçar a nada!"
Em meio a toda aquela confusão, ela olhou para mim. Não havia preocupação em seu olhar, apenas acusação. Como se a falsa doença de Laura fosse minha culpa. Como se minha simples presença fosse um fardo que causava todo aquele sofrimento.
Eu permaneci imóvel. Por dentro, uma calma assustadora tomava conta de mim. Eles não sabiam com quem estavam lidando. Não mais. A Sofia que eles conheciam estava morta e enterrada. A que estava ali agora não ia mais ser a vítima da história deles.