A porta do meu lado, o do motorista, estava amassada, presa contra a barreira de proteção. Do lado do passageiro, a porta se abriu com um rangido de protesto. Leonardo. Seu rosto apareceu na abertura, pálido e com os olhos arregalados.
Mas ele não olhou para mim.
Seus olhos passaram direto por mim e focaram em Bianca, no banco de trás.
"Bianca! Meu Deus, você está bem?"
A voz dele era um ruído de pânico puro. Bianca choramingava, segurando a testa, de onde um fio de sangue escorria dramaticamente por sua bochecha.
"Leo... meu braço. Acho que quebrou. E minha cabeça..."
Ele não hesitou. Com uma força que eu raramente via nele fora da cozinha, ele puxou a porta do passageiro para abri-la mais e se esticou para dentro do carro, passando por cima de mim, para soltar o cinto de Bianca. Ele a ajudou a sair com um cuidado infinito, como se ela fosse feita de vidro.
Só então, com Bianca segura em seus braços do lado de fora, ele se virou para mim. Seu olhar foi rápido, quase superficial.
"Sofia, você está bem, né?"
Não era uma pergunta de verdade. Era uma afirmação.
"Parece que foram só uns arranhões. Você sempre foi a mais forte."
Ele disse isso e se virou de volta para Bianca, que agora soluçava em seu peito. Eu tentei falar, dizer a ele sobre a dor na minha barriga, que parecia se espalhar como uma mancha de óleo quente por dentro de mim, mas minha voz não saiu. A sirene da ambulância começou a soar ao longe, uma promessa de ajuda que, para mim, chegaria tarde demais.
Os paramédicos chegaram. Leonardo explicou a situação, sempre apontando para Bianca.
"Ela bateu a cabeça, o braço dela dói muito. Acho que está quebrado."
Um dos paramédicos olhou para mim.
"E você, moça?"
Eu tentei falar de novo. "Minha barriga..."
Mas Leonardo interrompeu.
"Ela está bem. Só assustada. Ela é forte. A Bianca é a que precisa de atenção urgente."
Eles acreditaram nele. Afinal, ele era o renomado Chef Leonardo, um homem de presença, de credibilidade. Bianca foi colocada na maca primeiro. Eu fui ajudada a sair do carro e me sentei no meio-fio, esperando. A dor na minha barriga era uma faca agora, torcendo e revirando.
No hospital, o caos continuou. Fui deixada em uma cadeira de rodas em um corredor movimentado enquanto Leonardo acompanhava Bianca para a radiografia, segurando sua mão, sussurrando palavras de conforto. Uma enfermeira veio até mim, sorrindo de forma apressada.
"Como se sente?"
"Minha barriga... dói muito", eu consegui sussurrar.
"É normal sentir dores depois de um acidente, querida. O choque faz isso. O médico já vai te ver, só precisamos cuidar dos casos mais graves primeiro."
Ela olhou na direção que Leonardo e Bianca tinham ido. A "grave" era Bianca. Eu era a "outra".
O tempo se arrastou. A dor se tornou insuportável. Eu me encolhi na cadeira, o suor frio escorrendo pela minha testa. O corredor do hospital começou a girar. As luzes brancas do teto se tornaram borrões ofuscantes. Eu sabia que algo estava terrivelmente errado.
Fechei os olhos por um instante, e quando os abri, a dor tinha sumido. Tudo tinha sumido. Eu me senti leve, flutuando. Olhei para baixo e vi uma cena estranha. Eu estava ali, caída da cadeira de rodas no chão do corredor. Uma poça escura começava a se formar sob mim. Enfermeiras e médicos agora corriam na minha direção, seus rostos uma máscara de pânico tardio.
Mas eu não sentia mais nada. Eu estava flutuando perto do teto, uma espectadora silenciosa da minha própria tragédia. Eu os vi me colocarem em uma maca, corrirem para uma sala de cirurgia, gritarem sobre hemorragia interna, sobre perda de pressão.
Eu vi meu corpo na mesa de operação. Pálido, sem vida. E vi o monitor cardíaco, que antes apitava freneticamente, se transformar em uma linha reta e contínua. Um som agudo e longo que significava o fim.
Eu estava morta.
Eles não conseguiram me salvar porque nem tentaram a tempo. Porque Leonardo, o homem que eu amava, decidiu que meus ferimentos eram apenas "arranhões".
Como um fantasma recém-criado, flutuei para fora da sala de cirurgia. Eu precisava vê-lo. Precisava entender. Encontrei-o no quarto de Bianca. Ela estava deitada na cama, com o braço em uma tipoia e um curativo na testa. Parecia pálida e frágil.
Leonardo estava sentado ao lado dela, segurando sua mão. Ele estava no telefone.
"Sim, cancele as reservas para esta noite... um acidente. Não, eu estou bem. A Bianca... ela quebrou o braço. Sim, a Sofia estava junto. Não, não, ela está ótima, nem um arranhão. Ela é dura na queda."
Um riso frio e sem som borbulhou dentro de mim, uma emoção fantasmagórica que não tinha para onde ir. Morta. Eu estava morta por causa de uma mentira que ele contou a si mesmo para justificar sua negligência.
Eu me aproximei dele, meu novo corpo etéreo tremendo de uma raiva que eu não podia expressar. Eu gritei seu nome, mas nenhum som saiu. Tentei tocar seu ombro, mas minha mão o atravessou como fumaça.
Ele estremeceu, como se sentisse um calafrio repentino.
"Que estranho", ele murmurou. "Senti um arrepio."
Bianca apertou sua mão.
"Você deve estar cansado, Leo. Foi um dia horrível."
Horrível. Ele não fazia ideia.
Eu fiquei ali, invisível, observando os dois. O namorado que me deixou morrer e a amiga que nunca foi minha amiga de verdade. Eu vi a dinâmica que sempre ignorei. A forma como o olhar dele se demorava nela, a intimidade fácil que eles compartilhavam, uma intimidade de infância que eu sempre senti que me excluía.
Eu era a namorada, mas era a estranha no ninho.
Então, vozes familiares ecoaram pelo corredor. Minha mãe e minha irmã. Elas chegaram, os rostos contorcidos de preocupação, perguntando por mim na recepção. Uma enfermeira com o rosto triste as levou para uma sala privada.
Eu as segui. Eu vi o médico entrar, a cabeça baixa. Eu ouvi as palavras que ele disse. "Fizemos tudo o que podíamos... hemorragia interna massiva... sinto muito."
O grito da minha mãe foi uma onda de dor pura que me atingiu mesmo no meu estado fantasmagórico. Minha irmã desabou, o corpo sacudido por soluços.
Naquele momento, observando a dor da minha família, uma nova determinação se formou em minha alma. Eu não podia mais falar, não podia mais tocar. Mas eu podia observar. Eu podia esperar. A verdade sobre o que aconteceu naquele carro, sobre por que eu morri, não ficaria enterrada comigo.
Eu me tornei um espírito persistente. E minha primeira missão era assombrar a consciência culpada de Leonardo.
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