Eu fiquei em um canto do quarto, uma sombra invisível, observando a farsa. Minha raiva inicial havia se solidificado em uma espécie de desprezo gelado. Como ele podia ser tão cego? Como ele podia ignorar completamente a minha existência?
De vez em quando, ele pegava o celular e olhava para a tela, franzindo a testa para a falta de chamadas ou mensagens minhas.
"Nada ainda", ele murmurou uma vez, mais para si mesmo do que para Bianca. "Sofia nem se deu ao trabalho de ligar."
Eu flutuei até o lado dele e fiz uma careta para o seu rosto, um gesto infantil e inútil que me deu uma pequena e sombria satisfação.
"Eu estou bem aqui, seu idiota!", eu gritei em silêncio. "Estou mais perto do que você imagina."
Bianca, que fingia dormir, abriu um olho.
"Talvez ela esteja com raiva por causa do carro, Leo. Você sabe como ela era apegada àquele carro."
Ele suspirou.
"Provavelmente. Mas ela precisa entender que a sua segurança era a prioridade. Um carro pode ser substituído. Você não."
As palavras dele foram como sal em uma ferida aberta. Ele estava certo, uma vida não pode ser substituída. Mas era a minha vida que tinha sido perdida, não a dela. E ele nem sequer sabia disso.
Pela manhã, uma médica entrou no quarto para dar alta a Bianca. Ela sorriu para Leonardo.
"Ela teve sorte. O braço não está quebrado, apenas uma contusão forte. Algumas semanas de repouso e ela estará como nova."
Leonardo pareceu imensamente aliviado.
"Graças a Deus."
Ele se virou para a médica.
"Doutora, e a minha namorada, Sofia? Ela estava comigo no acidente. Ela foi liberada ontem? Ela não atende o telefone."
Meu coração fantasma deu um salto. Finalmente. Ele estava perguntando. Ele estava se preocupando.
A médica franziu a testa, consultando uma prancheta.
"Sofia... Sofia... qual o sobrenome dela?"
"Almeida. Sofia Almeida."
A expressão da médica mudou. O sorriso profissional desapareceu, substituído por uma máscara de compaixão e desconforto. Ela olhou de Leonardo para Bianca, e então de volta para Leonardo.
"Senhor... acho melhor conversarmos lá fora."
O pânico começou a aparecer nos olhos de Leonardo.
"Por quê? O que aconteceu? Ela se machucou mais do que parecia?"
"Por favor, senhor. Vamos conversar no corredor."
Mas Leonardo não se moveu. Ele estava congelado no lugar, uma estátua de compreensão lenta e aterrorizante.
"Não... ela estava bem", ele gaguejou. "Ela só tinha arranhões. Eu vi. Ela me disse que estava bem."
Eu nunca disse isso. Eu não consegui falar. Ele inventou essa memória para se tranquilizar.
A médica suspirou, percebendo que não adiantaria tentar adiar o inevitável. Sua voz era suave, mas as palavras eram brutais.
"Senhor, a Srta. Almeida sofreu uma grave hemorragia interna devido ao impacto. Ela teve uma parada cardíaca enquanto aguardava atendimento. Fizemos tudo o que foi possível, mas... eu sinto muito. Ela não resistiu."
O mundo de Leonardo, o mundo que ele havia construído naquela noite em torno da segurança de Bianca e da minha suposta indiferença, desabou em um instante. O sangue sumiu de seu rosto. Ele balançou a cabeça, uma negação lenta e infantil.
"Não. Não, isso é um erro. Vocês devem estar me confundindo com outra pessoa. A Sofia... ela é forte. Ela não... ela não morre."
Eu flutuei perto dele, observando cada músculo de seu rosto se contrair em choque e negação. Parte de mim, a parte que ainda o amava, sentiu uma pontada de pena. Mas a outra parte, a parte que morreu sozinha em um corredor de hospital, sentiu uma satisfação sombria e vingativa.
"Sim, Leonardo", eu sussurrei para o ar vazio. "Eu morri. E você me ajudou a morrer."
Enquanto a realidade o atingia como um trem de carga, eu me virei. Eu não precisava mais assistir à sua dor inicial. Eu já tinha visto a minha. Eu me tornei um fantasma por um motivo. A verdade havia sido revelada a ele. Agora começaria a verdadeira assombração.
Eu me afastei do seu choque e da sua negação, deixando-o para trás com a consequência de suas escolhas. Eu olhei para Bianca, que estava na cama com os olhos arregalados, uma expressão calculada de choque e tristeza no rosto. Mas eu vi através dela. Eu vi o brilho fugaz de algo mais em seus olhos, algo que parecia triunfo.
E eu sabia que minha jornada como espírito estava apenas começando. Havia mais verdades a serem desenterradas, e eu estaria lá para cada uma delas. Eu me aceitei como um fantasma. Eu aceitei meu destino. E, de uma forma estranha e triste, eu estava em paz com isso. Pela primeira vez desde o acidente, eu me senti no controle.
Eu flutuei para fora do quarto, passando pela médica que tentava consolar um Leonardo em colapso. Eu não olhei para trás. Eu tinha outros lugares para ir, outras pessoas para observar. Minha família precisava de mim, mesmo que não pudessem me ver. E a justiça precisava ser feita.
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