Passei a noite em claro, escondido em um hotel barato no outro lado da cidade. O quarto fedia a cigarro e desinfetante, mas era um refúgio.
Com o celular conectado ao Wi-Fi precário do hotel, mergulhei de cabeça na internet, tentando entender a loucura que havia se instalado na minha vida.
A publicação com a foto do talismã tinha explodido. Milhares de comentários, mas eles eram estranhamente parecidos.
"Destrua isso agora! É um objeto do mal!"
"Quem postou isso é um demônio. Não interajam."
"Cuidado, isso atrai espíritos malignos. Conheço um caso..."
"Isso pertence a um culto de magia negra. Fique longe."
Era como se um exército de bots tivesse sido ativado para espalhar o pânico e associar o talismã a algo nefasto. Mas a mensagem que recebi era diferente. Era a única que oferecia uma resposta, não um aviso.
Respondi imediatamente. "Quem é você? O que você sabe?"
A resposta demorou, mas veio. "Não posso falar por aqui. Mas se você quer a verdade, precisa investigar por conta própria. Veja de onde vêm esses comentários."
Como campeão estadual de olimpíadas de informática, rastrear IPs era como um passatempo para mim. Usei as ferramentas que conhecia para analisar a origem dos comentários alarmistas.
O resultado foi chocante. Quase 90% dos perfis que comentavam vinham da mesma pequena região da cidade, e a análise demográfica indicava que eram todos jovens, entre 18 e 22 anos. Um exército de jovens, todos espalhando a mesma mentira. Por quê?
A pessoa anônima me enviou um endereço. "Eles se encontram aqui."
Era um antigo centro comunitário em um bairro afastado.
Não consegui dormir. A adrenalina e o medo me mantinham acordado. A imagem do rosto furioso do meu pai, do olhar frio da minha mãe, se repetia em minha mente. E por trás de tudo, a sombra da minha irmã, Ana.
Assim que o dia amanheceu, peguei um ônibus e fui para o endereço indicado. O lugar estava estranhamente movimentado para uma manhã de dia de semana.
Quando me aproximei, senti um arrepio percorrer minha espinha. Vi o carro do meu pai. O do meu tio. O da minha tia. A família inteira estava lá.
Eles estavam todos vestidos de preto. Alguns usavam uma faixa de luto no braço. Meu coração afundou.
Além da minha família, havia um grupo de jovens. Eram os mesmos rostos das fotos de perfil que eu tinha visto online. Eles também estavam de preto, com expressões sombrias.
Uma atmosfera pesada, de luto e solenidade, pairava sobre o local.
Me escondi atrás de um muro, observando. O que estava acontecendo? Por que estavam todos reunidos ali, vestidos de luto?
Um homem mais velho, que parecia morar na vizinhança, passou por mim e balançou a cabeça com tristeza.
"Que tragédia, não é? Um homem tão importante..."
Me aproximei dele, cauteloso. "Com licença, senhor. O que está acontecendo aqui?"
O homem me olhou. "Você não é daqui, né? É o velório do velho Almeida. O patriarca daquela família rica. Dizem que o neto desnaturado deu um susto tão grande nele que o coitado não aguentou. Teve um ataque cardíaco fulminante."
As palavras me atingiram como um soco no estômago.
Velório.
Meu avô.
Morto.
Eles não estavam mentindo. Eu realmente... eu o matei? A culpa e o horror me sufocaram. Minhas pernas fraquejaram. Olhei para a minha família de luto, para os jovens sombrios, e a dor da perda se misturou a um medo profundo e a uma confusão avassaladora.