A noite foi um borrão de pesadelos.
Não os meus sonhos antigos, aqueles fragmentos de uma vida passada.
Eram piores.
Eu sonhava que estava em um palco, sob um holofote ofuscante.
Uma multidão sem rosto me vaiava, apontava para mim, gritava "Vilã! Monstro!" .
Eu tentava gritar que eles estavam errados, que era um engano, mas nenhum som saía da minha boca.
Então, Lucas aparecia no palco.
Ele sorria para a multidão e me abraçava.
Mas seu abraço era frio, e ele sussurrava no meu ouvido: "Continue atuando. É para o bem de todos."
Em outro sonho, eu me via no espelho, mas o reflexo não era o meu.
Era uma mulher com o meu rosto, mas seus olhos queimavam com uma maldade que me aterrorizava.
Ela sorria para mim, um sorriso distorcido e cruel, e dizia: "Você não pode fugir de mim. Eu sou você."
Acordei com um grito preso na garganta, o corpo encharcado de suor frio.
Lucas se mexeu ao meu lado, resmungando.
"O que foi? Teve um pesadelo?" ele perguntou, a voz sonolenta.
A luz fraca da manhã entrava pela janela, iluminando seu rosto.
Por um instante, ele pareceu o meu Lucas, o homem que me consolaria e me abraçaria até o medo passar.
Mas então a lembrança da noite anterior, das palavras dele, do diário, voltou com a força de um soco.
O homem ao meu lado era um estranho. Um ator. Meu carcereiro.
O medo do pesadelo se misturou com o medo real, e eu me encolhi, afastando-me dele.
"Não foi nada. Só um sonho ruim," murmurei, virando-me de costas para ele.
Ele suspirou, um som de irritação.
"Você tem tido muitos pesadelos ultimamente. Isso está me atrapalhando a dormir."
Fiquei em silêncio, mordendo o lábio para não gritar.
Atrapalhando ele a dormir?
Eu estava vivendo um inferno, e a preocupação dele era o seu sono.
A exaustão me dominava, uma exaustão física e emocional tão profunda que eu mal conseguia me mover.
Fiquei na cama, ouvindo-o se levantar, tomar banho, se vestir.
Ele voltou para o quarto, já de terno, com o cheiro do seu perfume caro preenchendo o ar.
"Você não vai levantar? Eu tenho uma reunião importante hoje, preciso que você passe minhas camisas."
A frase me atingiu como um tapa.
Por anos, eu cuidei dele com prazer.
Passava suas camisas, preparava seu café da manhã, arrumava sua agenda.
Eu fazia tudo isso porque o amava, porque achava que éramos um time.
Agora, eu via a verdade.
Eu não era uma parceira. Eu era uma funcionária.
Uma governanta cuja função era manter a vida do "protetor" funcionando perfeitamente para que ele pudesse se dedicar à sua verdadeira missão: vigiar a mim e adorar a Sofia.
Lembrei-me de todas as vezes que ele elogiou meu cuidado.
"Você é incrível, Ana. Não sei o que faria sem você."
Não era amor. Era satisfação com os meus serviços.
Ele não estava se esforçando para construir um casamento, ele estava se esforçando para manter sua farsa intacta.
O esforço dele não era para me fazer feliz, era para me manter dócil.
Controlada.
A náusea voltou com força total.
Aquele homem, que eu pensei ser meu porto seguro, era a tempestade.
Aquele amor, que eu pensei ser minha salvação, era a minha prisão.
A verdade era muito mais cruel do que eu poderia imaginar.
Ele não apenas me enganou, ele me moldou para ser a esposa perfeita e servil, a figura domesticada que nunca sonharia em desafiar seu papel ou ameaçar sua amada Sofia.
Ele não tinha medo que eu me tornasse a vilã, ele estava ativamente trabalhando para garantir que eu nunca tivesse a força ou a independência para ser qualquer coisa além da sua coadjuvante.
O desespero dentro de mim começou a se transformar em uma raiva fria e silenciosa.