Capítulo 4 Nonna Cecília e a varanda do tempo

A tarde caiu como quem pousa, devagar, com cuidado de não acordar o que está dormindo. Helena caminhava sem pressa pelas ruelas de pedra, absorvendo a melodia viva que só as cidades pequenas sabem compor: o ranger das janelas, o som do varal dançando ao vento, e as vozes das senhoras conversando sem medo do tempo.

Foi numa dessas esquinas que ela a viu:

Uma senhora sentada numa cadeira de palha, na varanda alta de uma casa cor de mostarda. Usava um vestido floral e um lenço nos cabelos brancos como farinha. Bordava algo que Helena não conseguiu identificar, mas parecia feito com a mesma paciência que o céu usava para pintar o fim do dia.

- Buona sera - Helena arriscou, sorrindo.

- Buona sera, figlia - respondeu a voz rouca, mas doce.

E antes que Helena se afastasse, a senhora disse:

- Você é a brasileira que gosta de livros, não é?

Helena parou. Como ela sabia?

- Sim... Sou.

- Luca me falou de você. - E sorriu, com olhos que sabiam mais do que diziam.

- Ele falou de mim?

- Com o silêncio dele, sim. Ele não fala de muitas coisas. Mas quando alguém entra no mundo dele, até o silêncio muda de tom.

Helena sentou-se no degrau da varanda, como se o convite estivesse no ar, não nas palavras. E por um instante, parecia estar diante de uma árvore antiga: aquelas que não se movem com o vento, mas que abrigam os passarinhos cansados.

- Chamo-me Cecilia. Mas todos por aqui me chamam de Nonna. Sou avó dele, sim. E também um pouco da cidade. - Riu, com o riso de quem já chorou muito e sobreviveu.

- É um bom neto?

- É um bom homem. Mas tem uma dor que não soube ainda dobrar e guardar na gaveta. Uma perda... E perdas, minha filha, ou a gente aprende a acolher, ou elas nos engolem com os dias.

Helena escutava em silêncio.

Era como ouvir a varanda falar - e de certo modo, falava mesmo: falava do tempo, do amor, da vida vivida sem pressa.

- Você tem olhos de quem também perdeu alguma coisa, não tem?

Helena não respondeu com palavras. Apenas assentiu.

Nonna Cecilia apenas disse:

- Então talvez seja por isso que o vento trouxe você.

E voltou a bordar, como se soubesse que aquela conversa continuaria sozinha dentro de Helena.

            
            

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