O Doador Tomou Minha Vida
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Capítulo 2

Eu estava do outro lado da rua, encolhida nas sombras, e olhei para a cobertura. Meu lar.

As luzes estavam acesas no quarto principal. Eu podia ver suas silhuetas contra a janela. Ele a estava abraçando, o braço em volta da cintura dela enquanto olhavam para a cidade.

Uma onda de náusea me atingiu. Em um impulso desesperado e autodestrutivo, peguei meu celular e disquei o número dele.

Tocou uma, duas vezes, e então a chamada foi encerrada. Ele tinha desligado na minha cara.

Minha mão tremia tanto que mal conseguia tocar na tela. Liguei de novo.

Ele desligou de novo. Instantaneamente.

Uma dor aguda e lancinante atravessou meu peito, e eu me curvei, ofegante. Senti como se estivesse sufocando.

Pelo canto do olho, eu o vi levar Clara para longe da janela, de volta para o quarto. Um momento depois, ele reapareceu na varanda sozinho, com o celular no ouvido.

Meu telefone tocou. Era ele.

Deslizei para atender, minha garganta tão apertada que não conseguia falar.

"Ariela? Amor, é você?" Sua voz era uma carícia suave e preocupada. A mesma voz que ele estava usando com ela agora mesmo. "Desculpe, eu estava em uma reunião do conselho. Acabei de ver suas chamadas perdidas. Está tudo bem?"

Uma reunião do conselho. Ele estava parado na nossa varanda, o ar frio da noite chicoteando ao seu redor, e me dizendo que estava em uma reunião do conselho.

Eu queria gritar. Queria dizer a ele que eu estava bem ali, que podia vê-lo, que sabia que ele era um mentiroso. Mas as palavras não saíam. Minha garganta era um deserto.

"Ariela? Você está aí?", ele perguntou, um pingo de preocupação real em sua voz agora. "Aconteceu alguma coisa? Alguma das enfermeiras te tratou mal de novo?"

Soltei uma risada amarga e silenciosa. Alguém me tratou mal?

Finalmente encontrei minha voz, mas saiu como um sussurro quebrado. "Dante, você sabe que dia é hoje?"

Houve uma pausa. Eu quase podia ouvir as engrenagens girando em sua cabeça enquanto ele tentava se lembrar.

"Claro que sei", disse ele, sua voz um pouco suave demais. "É... é quinta-feira." Ele soltou uma risada forçada. "Desculpe, amor. Foi uma semana louca. Me perdoa?"

Ele tinha esquecido. Era nosso aniversário de casamento.

"Assim que você voltar, eu vou compensar", ele prometeu. "Vamos viajar, só nós dois. Para onde você quiser."

Enquanto ele falava, vi a porta da varanda se abrir. Clara saiu, envolvendo os braços em volta do pescoço dele por trás. Ela ficou na ponta dos pés e o beijou, um beijo longo e profundo.

Eu podia ouvir o som úmido e pegajoso pelo telefone. Foi o som mais nojento que eu já tinha ouvido.

Um arrepio percorreu minha espinha, tão frio que parecia gelo em minhas veias.

"Tudo bem", consegui engasgar, minha voz rouca. "Você está ocupado. Eu entendo."

"Essa é a minha garota", disse ele, a voz tingida de alívio. "Sempre tão compreensiva."

Eu encerrei a chamada.

Eu os observei na varanda, abraçados. Pareciam qualquer outro casal apaixonado, compartilhando um momento tranquilo sob as estrelas.

As lágrimas que ameaçavam cair finalmente se libertaram, escorrendo pelo meu rosto em rastros quentes e silenciosos. Então era assim que a traição se sentia. Não era um tiro limpo. Era um veneno lento e corrosivo.

Lembrei-me dele de joelhos, um garoto nervoso de vinte e poucos anos com mais ambição do que dinheiro, segurando um anel de prata simples.

"Ariela Monteiro", ele disse, a voz trêmula. "Não tenho muito a te oferecer agora, mas juro pela minha vida, vou te amar para sempre. Eu nunca, jamais vou te trair."

Chamei um táxi, as luzes da cidade um borrão doloroso. Dei ao motorista o endereço de um prédio de apartamentos pequeno e discreto no centro. Um lugar que Caio havia comprado para mim anos atrás, um santuário tranquilo para quando as pressões do trabalho se tornavam demais.

Minha mão tremeu ao colocar a chave na fechadura. O ar lá dentro estava viciado, denso com o cheiro de poeira e desuso. Nada havia mudado. Estava exatamente como eu deixei há três anos.

Na escrivaninha, havia uma foto emoldurada minha e de Caio, tirada logo depois de fecharmos nosso primeiro grande negócio. Estávamos sorrindo, ele com o braço casualmente em volta dos meus ombros. Ele parecia tão orgulhoso. Tão confiável.

Eu tinha acabado de me sentar no sofá empoeirado quando meu celular vibrou com um alerta do sistema de segurança da cobertura. Dante e Caio haviam chegado. Eles sabiam que eu estava de volta.

Alguns minutos depois, houve uma batida frenética na porta. Abri e encontrei os dois parados ali, seus rostos uma confusão de surpresa e alívio fingidos.

"Ariela!", Dante suspirou, estendendo a mão para mim. "Você voltou! Por que não nos avisou? Você está bem? A recuperação está completa?"

Puxei minha mão antes que ele pudesse me tocar, um movimento pequeno, quase imperceptível.

Os olhos de Caio estavam úmidos, sua voz embargada de emoção. "Ah, pequena. Você não tem ideia de como é bom te ver."

A mão de Dante congelou no ar. Ele pareceu atordoado por um segundo, então sua expressão se suavizou em uma de preocupação gentil.

"Você deve estar exausta do voo", disse ele suavemente.

Caio deu um passo à frente, colocando as costas da mão na minha testa. "Você não está com febre, está?"

Eu me encolhi com o toque dele, meu corpo inteiro ficando rígido.

Ele puxou a mão de volta, parecendo aliviado. "Sem febre. Isso é bom."

Forcei um sorriso tenso e frágil. "Estou apenas um pouco cansada."

Dante aproveitou a oportunidade. "Então você deveria ficar aqui por enquanto. É mais perto do hospital para suas consultas de acompanhamento. É mais conveniente."

Conveniente. Então era isso que eu era agora. Um inconveniente a ser administrado, escondido em um apartamento secreto enquanto a vida real dele continuava ininterrupta. Uma amante na minha própria vida.

"Ok", eu disse, minha voz monótona.

Eu não ficaria por muito tempo.

Os ombros de Dante relaxaram, uma onda de alívio percorrendo seu rosto. "Boa menina", disse ele, a palavra pingando condescendência. "Virei aqui sempre que puder."

Caio parecia igualmente aliviado. "Vou providenciar uma governanta e um chef particular. Você não terá que levantar um dedo."

"Obrigada", eu disse, desempenhando meu papel. Eu os observei atuarem em seus papéis, o marido preocupado, o irmão amoroso. E eu desempenhei o meu. A paciente grata e desavisada.

            
            

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