Naquela tarde, Olivia foi transferida para o quarto dele. Uma mudança simbólica e cruel. Damon não estava presente, o que de certa forma, era um alívio. O cômodo era amplo, frio e impessoal, como o próprio alfa. Ela passou a noite inteira acordada, os olhos fixos no teto, sem conseguir dormir no espaço que agora deveria chamar de lar.
Meses haviam se passado, Olivia estava sentada na varanda, com uma xícara entre as mãos. O chá esfriava lentamente, ignorado. Como ela.
Estava sozinha. Como sempre.
Não iria para a aula de Luna hoje. Não fazia mais sentido. Por que aprender a ser a companheira de um alfa que a desprezava? Que sequer fingia respeito?
Na noite anterior, havia pedido mais uma vez para que ele a rejeitasse. Era a terceira vez naquele ano. E, mais uma vez, Damon recusou.
Não por medo de feri-la.
Não por arrependimento.
Mas por puro instinto de autopreservação.
Naquele exato momento, ele conversava com seu pai, Alfa Richard, tentando argumentar, novamente, sobre como aquela união era absurda. Mas o mais velho já havia deixado claro:
- Luiz está à espreita. Se você rejeitá-la agora, ele vai ao Conselho. E você será punido. Expulso. Talvez até destituído da liderança.
Damon havia voltado da conversa com o semblante tenso. Passou por Olivia sem sequer olhá-la. Apenas jogou as palavras no ar como se cuspisse pedras:
- Não vou te rejeitar. Não agora. Mas exijo que fale o que aconteceu naquela noite.
Ela apenas abaixou os olhos, engolindo o choro que ameaçava subir.
- Eu não sei - respondeu pela milésima vez. - Juro que não sei.
A ausência de memória era um fardo pesado demais. Damon a considerava culpada por algo que ela mal compreendia. Acreditava que ela o manipulou, ou que planejou tudo para prendê-lo. Mas Olivia mal conseguia se prender em si mesma.
Durante o último ano, ela se afundou nos estudos. Era sua única escapatória. Passava os dias em livros, nas aulas com a mãe de Damon, que a tratava com educação cortante. Sonhava com o dia em que receberia a permissão de se mudar para o campus. Lá, talvez pudesse respirar.
Mas nem isso era simples.
Ela sabia que Damon encontraria alguma loba para aquecer sua cama no segundo em que deixasse a casa. Mas Olivia nutria, lá no fundo, uma esperança amarga: se ele se deitasse com outra, marcasse ou unisse a alma a alguém além dela, ela teria o direito de rejeitá-lo. Seria sua única saída.
Mesmo que doesse.
Mesmo que a rasgasse por dentro.
Ela queria ser livre. E essa era a única brecha.
Seis meses se passaram. Seis longos meses em que ela se manteve quieta, submissa, estudando, suportando o peso de um nome que não pediu e o olhar indiferente de um homem que a odiava.
Naquela noite, Damon entrou em seu quarto como uma tempestade. A porta bateu contra a parede com tanta força que fez Olivia derrubar a xícara de chá. A porcelana se partiu no chão, mas ela nem teve tempo de reagir.
A aura dele preencheu o ambiente como um manto sufocante.
Forte. Fria. Impiedosa.
Seu lobo, seu instinto, a fez reagir antes mesmo que ela pudesse pensar. Olivia expôs o pescoço, abaixando a cabeça em sinal de submissão. Mas aquilo não foi suficiente.
- Por que você fez isso comigo?! - ele gritou, a voz reverberando como um trovão.
A pressão sobre ela aumentou. Sua loba, Sam, choramingou dentro de si, encolhida em dor. O corpo de Olivia cedeu, os joelhos bateram no chão com um impacto seco, e a dor se espalhou por cada músculo como uma lâmina.
- Eu... eu não fiz! - ela soluçou, mal conseguindo respirar.
- Você fez! - Damon rugiu, a fúria irradiando dele como calor de incêndio.
Ele empurrou mais de sua aura sobre ela. O comando alfa invadiu seus ossos, suas veias e sua mente. O chão parecia sugar sua alma.
- Eu ordeno que me diga por que fez isso comigo!
Era como ondas sucessivas de dor. Cada ordem era um choque. Cada palavra, uma punição. Olivia estava completamente prostrada, o rosto colado ao chão, as mãos tremendo. As lágrimas escorriam incontrolavelmente. Seu nariz sangrava, sua boca também. O gosto do sangue era amargo, metálico. A cabeça latejava como se fosse explodir. Sam uivava dentro dela, desfeita em sofrimento, apertada numa bola de medo e impotência.
- Damon, eu não fiz isso com você... eu juro...
Ela nunca havia mentido. E ele sabia disso. A ordem alfa impedia que ela mentisse. E mesmo assim ele insistia, como se a tortura fosse uma forma de vingança por algo que nem ele compreendia.
Não foi a primeira vez.
Mas foi a pior.
Dessa vez, ela sentiu que ele poderia matá-la.
A porta se abriu com um estrondo.
- Damon, pare! - gritou Jereh, o Beta da alcatéia.
Ele entrou no quarto como uma flecha, atravessando o espaço entre eles num segundo. Seus olhos estavam arregalados, cheios de urgência e medo.
- Ela é sua companheira, porra! Você vai matá-la!
E só então Damon recuou. Sua aura foi puxada de volta num rompante. Ele parou, respirando com raiva, olhando para o chão como se fosse o inimigo.
Sem dizer mais nada, saiu, batendo a porta atrás de si.
Olivia permaneceu onde estava. O corpo todo tremia. Não conseguia mover um músculo sequer.
Jereh correu até ela e a pegou no colo com todo o cuidado do mundo, como quem recolhe os cacos de algo frágil. O toque dele era quente, seguro. Ela se encolheu em seus braços, soluçando baixinho.
- Shh... eu tô aqui. - ele sussurrou. - Ele não queria fazer isso. Ele tá confuso, Olivia. Você sabe.
Ela fechou os olhos com força, sentindo o gosto do sangue ainda fresco na garganta.
Confuso?
Quantas vezes ele precisava quase matá-la para "entender"?
Confuso não era.
Era cruel.
E Jereh, por mais que tentasse protegê-la, não podia consertar o que já estava destruído.