Aquele vestido era a representação exata da vida que Olivia não escolheu. Um símbolo do vínculo forçado, das noites silenciosas e do vazio que a envolvia sempre que olhava para Damon e não via resposta. Era o uniforme da morte da mulher que ela poderia ter sido.
Ela levantou-se da cama, os músculos ainda fracos após o longo repouso, e caminhou lentamente até a mesa onde havia deixado a carta. A carta da universidade.
A saída.
Damon a entregara alguns dias antes, quase sem expressão. Apenas disse: "Você foi aceita". Foi a primeira vez que ele dissera algo que não soava como uma ordem ou uma irritação velada. Foi também a única vez em que ela sentiu, mesmo que por um segundo, que ainda havia alguma humanidade ali.
Ela segurou a carta com força. Não precisava pensar muito, já tinha feito isso por noites seguidas, sempre olhando para a carta e o vestido. Era um ou outro. Ela não podia ter os dois.
Essa havia sido a única vez que ele dissera algo remotamente agradável.
"Estou orgulhoso de você. Sei o quanto trabalhou por isso. Valeu a pena."
Mas mesmo naquela noite em que ouviu aquelas palavras, os olhos dela estavam fixos do outro lado do quarto. Olivia não o encarava há três meses, não por orgulho ou mágoa. Simplesmente porque não sentia mais nada. Nem raiva, nem tristeza. Apenas um imenso e silencioso nada.
Agora, ali, sozinha com o vestido, aquele símbolo de tudo que odiava, o vazio finalmente explodiu em algo mais quente: repulsa.
Foi até o closet. Vestiu-se pela primeira vez em semanas com algo que não fosse pijamas de hospital. Calça jeans, um moletom velho, botas gastas, roupas com cheiro de verdade, de fuga.
Abriu a mala. A única que tinha. A mesma com que chegara naquela casa meses antes, cheia de esperança. Agora, cheia de silêncio.
Nunca quis nada dele. Exceto talvez... o coração. Mas esse nunca lhe foi dado. Nem migalhas de afeto. Nem a chance de ser vista.
Pendurado ali, feito sentença, o vestido. Ela o arrancou do cabide com força. Desceu até a lareira, acendeu o fogo e o atirou dentro. Ficou ali, em pé, assistindo os cristais queimarem, derreterem como se derretessem cada expectativa que um dia ousou ter.
Quando o vestido virou cinza, ela virou as costas.
Pegou a mala, colocou no carro, e dirigiu para longe da casa da matilha. O portão estava fechado.
Parou diante dele. O guarda demorou a reagir. O choque em seu rosto era evidente, ninguém via Olivia há meses. Estava magra. Pálida. Mas seus olhos... seus olhos queimavam com um brilho que ele não sabia descrever.
- Abra o portão. - disse apenas.
Ele hesitou. Mas ela ainda era a companheira do futuro Alfa. Ainda era a futura Luna - ao menos até amanhã. E ele não tinha escolha.
Com as mãos trêmulas, o guarda abriu.
Olivia observou o movimento dos portões, a liberdade se escancarando a poucos metros. Viu o olhar dele deslizar para o banco de trás, franzindo a testa ao notar apenas uma única mala.
Ela não explicou. Só pressionou o acelerador.
Dois quilômetros.
Foi o máximo que conseguiu.
Então, dois guardas surgiram, correndo, e se jogaram na frente do carro.
Olivia freou com força, o coração pulsando pela primeira vez em semanas.
Ela sabia que isso aconteceria.
Não saía daquele quarto havia dois meses, não via ninguém, não falava com ninguém. A matilha inteira a havia esquecido. Mas bastou colocar uma mala no banco de trás e cruzar os portões, e todos pareciam lembrar que ela existia.
Eles ligaram para Damon. Avisaram que Olivia estava deixando o território.
E ele, claro, mandou impedi-la.
- Pare o carro! - gritou um dos guardas, com as mãos no capô. O outro o imitava, ofegante.
Ela parou. Não queria machucá-los.
Deixou o carro em ponto morto, puxou o freio de mão, mas o motor permaneceu ligado. Saiu e se apoiou na lateral. Esperou.
Não demorou muito.
O som do carro vindo atrás foi o bastante para fazer os dois guardas se afastarem, instintivamente. Damon desceu antes mesmo do veículo parar por completo.
Vinha furioso.
Não era novidade. Ele sempre estava assim perto dela. Ela não conseguia se lembrar de uma única vez em que ele a olhara com gentileza. Talvez ele fosse bonito. Talvez. Mas ela nunca teve a chance de enxergar isso de verdade.
- Pra onde você está indo?! - ele exigiu, a voz firme, o maxilar travado.
Ela se virou devagar para encará-lo. Era a primeira vez, em três meses, que olhava diretamente nos olhos dele.
Verde-escuros. Intensos.
Mas frios. Vazios.
E ela não sentiu nada.
Nenhum arrependimento. Nenhum amor. Nenhuma tristeza. Nem mesmo raiva.
- Estou te deixando, Damon - disse, com uma calma que o desarmou.
Ele deu um passo à frente.
- Você está partindo seis horas antes de se tornar oficialmente Luna.
- Sim. Estou.
- Olivia...
- Eu estou acabada, Damon. Não tenho mais forças.
A voz dela não tremia. Não acusava. Não implorava. Só dizia a verdade.
- Você não me ama - continuou. - Não importa o quanto eu tente... você nem sequer consegue gostar de mim. Nunca vai.
Ele pareceu querer dizer algo, mas apenas suspirou. A raiva em seus olhos deu lugar a algo mais... humano. E pela primeira vez, ele parecia não zangado. Parecia cansado. Confuso. Quase... triste?
- Olivia...
- Eu não quero te machucar - ela interrompeu. - Eu só quero ir embora. Não posso continuar implorando por algo que você nunca vai me dar. Nem seu coração. Nem um sorriso. Nem uma conversa que não pareça um castigo.
Ela se virou para entrar no carro, mas ele falou de novo:
- Você... não sabe de tudo.
Ela parou, com a mão na maçaneta. Mas não virou o rosto.
- É verdade - respondeu. - Eu não sei de nada. Porque você nunca me deixa saber.
Silêncio.
Ele não a impediu de abrir a porta. Nem disse para ela ficar. Mas também não saiu da frente.
Por fim, ela suspirou.
- Por favor, Damon. Só... me deixa ir.
Damon respirou fundo, os punhos fechados ao lado do corpo como se lutasse contra algo dentro de si.
- Damon, você sabe que agora é a hora - ela repetiu, a voz firme, porém gentil. - Você sempre fez questão de me lembrar, durante o nosso companheirismo, que eu era culpada. Sempre. Desde o início.
Não havia acusação em seu tom. Era só constatação. Memória. Verdade.
- Olivia, por favor... - ele começou, e por um segundo, apenas um segundo, parecia estar... implorando?
Ela arqueou uma sobrancelha. E com um gesto que nunca teve coragem de fazer antes, levantou a mão e o interrompeu com um simples aceno, cortando suas palavras no ar.
- Não se preocupe, Damon - ela disse, o tom triste, mas controlado. - É apenas uma mentira.
Isso o feriu. Ela pôde ver.
Ele pareceu engolir seco antes de falar novamente, a voz agora carregada de indignação:
- Sua festa está toda pronta. Amanhã, você será oficialmente anunciada como a futura Luna dessa matilha. E você está escolhendo sair agora?
- Sim - ela assentiu, sem hesitar.
A raiva voltou aos olhos dele como uma onda que transborda a represa.
- Eu não vou deixar você ir.
Olivia inclinou a cabeça levemente para o lado, estudando-o. Ele realmente estava tentando impedi-la? Depois de tudo?
Um sorriso pequeno, melancólico, tocou seus lábios. Um sorriso de quem, enfim, entendeu que não havia mais nada ali. Nenhum resquício de esperança.
Ele não a queria.
Nunca quis.
Durante dois anos, ela foi o erro que ele nunca deixou de castigar. A lembrança viva de algo que arruinou a sua vida. A presença que ele nunca conseguiu aceitar.
Então ela respirou fundo e, olhando diretamente em seus olhos, com a alma finalmente em paz, disse:
- Eu, Olivia Vandergood, formalmente rejeito você, Damon Blackthorn.
As palavras saíram limpas. Claras. Quase suaves.
Supostamente, deveria doer. A rejeição costumava machucar - era o que diziam. Mas para ela... nada. Nenhuma fisgada. Nenhuma ânsia. Só o silêncio.
Mas ele...
Os olhos verdes dele se incendiaram.
Raiva.
Pura. Quente. Selvagem.
Ela podia sentir a energia furiosa ondulando dele como calor em uma fogueira.
- Eu não vou aceitar isso - ele rosnou, os dentes trincados.
Ela não recuou.
- Você não precisa aceitar. Só precisa sentir. Estou partindo para obter meu diploma e viver uma vida normal. Se você escolher viver com dor ao não aceitar, é com você - Olivia declarou com calma, mas firmeza.
A marca em seu pescoço começou a arder como se sentisse a separação prestes a acontecer. Ela não hesitou. Já havia tomado sua decisão, quer ele aceitasse ou não. Sua rejeição a ele era, no fundo, o que ambos queriam.
Damon nunca teve coragem de dizer as palavras, preso à vontade do pai e ao peso do título que carregava. Mas agora, quando ela finalmente estava fazendo isso por ambos, ele parecia desesperado.
- Olivia, por favor... não vai embora - ele pediu, pela primeira vez com vulnerabilidade na voz.
Ela sentiu o coração apertar, mas não por ele. Era a dor de quem finalmente se despede de algo que nunca teve.
- Esse é o presente de aniversário que estou dando a você - disse com uma doçura melancólica. - Sua liberdade. Encontre alguém que possa te fazer feliz. Alguém que você realmente queira. Use a minha festa para celebrar isso. A sua liberdade.
Damon se aproximou, como se pudesse detê-la com as mãos, com a súplica, com o olhar. Mas Olivia já estava longe, mesmo ali, diante dele.
- Por favor... não vá - ele repetiu, quase em um sussurro.
Ela encarou seus olhos uma última vez.
- Aceite isso. Ou viva preso a mim, com dor, para sempre. Eu não me importo mais.
A última frase foi um sussurro, mas mais pesada do que qualquer grito.
E foi aí que ele gritou. A raiva, a mágoa, a impotência explodiram.
- Eu aceito! - vociferou, como se cuspisse as palavras.
Por um instante, o tempo pareceu parar. A marca queimou mais forte, depois começou a desaparecer.
Era o fim.
Olivia soltou um suspiro, longo e aliviado. Um que vinha se acumulando há dois anos.
Sem mais palavras, entrou em seu carro, fechou a porta e girou a chave na ignição. Não olhou para trás enquanto dirigia para longe daquele território, daquele homem, daquela história.
Ela o havia libertado. E, ao fazer isso, libertou a si mesma também.