Prometida ao Ódio
img img Prometida ao Ódio img Capítulo 3 Silêncio entre nós
3
Capítulo 6 O retorno img
Capítulo 7 O reencontro img
Capítulo 8 A presença que nunca se foi img
Capítulo 9 O peso do reencontro img
Capítulo 10 Entre risos e rosnados img
Capítulo 11 Cerimônia img
Capítulo 12 O peso da noite img
Capítulo 13 Desafiando o alfa img
img
  /  1
img

Capítulo 3 Silêncio entre nós

Aquele tinha sido o dia.

O último.

A última vez que Olivia havia falado com Damon. A última vez que o olhara nos olhos. Desde então, ele simplesmente... desapareceu. Não fisicamente, claro, continuava na casa, na alcatéia, liderando como sempre. Mas, para ela, era como se ele não existisse.

Ou como se ela tivesse se tornado invisível.

Ele não pediu desculpas.

Nem naquela noite.

Nem no dia seguinte.

Nem nunca.

Mas ela também não esperava mais isso dele.

Damon queria respostas. Exigia uma verdade que ela não tinha. Algo que nem mesmo Sam, sua loba, conseguia alcançar dentro da mente em branco de Olivia. Era um vazio cruel, uma noite apagada por completo, como se alguém tivesse arrancado aquele pedaço da alma dela com garras afiadas.

Então ela fez o que sempre fazia: recuou.

Inscreveu-se na universidade, longe da alcatéia, longe de tudo que a lembrasse dele - e esperava. A cada notificação no celular, seu coração acelerava, torcendo para ver aquela resposta. A liberdade estava a poucos passos.

Sempre que podia, se afastava de Damon. O evitava nos corredores. Nos jantares. Nos encontros obrigatórios da matilha. Passavam um pelo outro como estranhos. Mas nem o silêncio era leve, carregava um peso, uma ausência que machucava mais do que qualquer grito.

Ela não conseguia odiá-lo.

E isso era o mais difícil.

Damon nunca havia encostado nela fisicamente. Nunca a machucou com as mãos, mas sim com a ausência, com o desprezo, com a brutalidade do que fazia usando sua aura. Era um prisioneiro da mesma situação que ela. Ambos marcados por algo que não escolheram. Mas, enquanto ele odiava o laço, Olivia... só queria entender.

Queria lembrar.

Queria se libertar.

Um mês depois daquela noite em que pensou que ia morrer, Olivia acordou sentindo algo diferente.

Frio... e quente.

Estava deitada em seu canto habitual da cama, o mais distante possível, na beirada, como sempre fazia. Tinha virado isso: um hábito. Um escudo.

Mas quando abriu os olhos naquela manhã, ele estava lá. Damon.

Perto demais.

De costas, mas perto. Dormindo. No mesmo colchão, dividido apenas pelo silêncio e por um abismo.

Era estranho.

Ele nunca dormia ao lado dela. Desde o início, deixava o quarto depois que o sol se punha, voltava tarde, ou nem voltava. Quando voltava, o cheiro de outras lobas o acompanhava. E Olivia fingia que não sentia.

Mas agora... ele estava ali.

A respiração dele era ritmada. Tranquila. O peito subia e descia devagar. Por um instante, ela se perguntou se era real. Se não estava sonhando.

Ficou imóvel.

Não queria acordá-lo. Não queria que ele visse o susto em seu rosto. Muito menos as perguntas nos olhos.

Ela virou o rosto para a janela, puxou o cobertor devagar, sem fazer barulho, e fechou os olhos de novo, fingindo dormir.

Mas seu peito doía.

Não de medo.

Dessa vez... era outra coisa.

Faltavam três meses para seu aniversário de dezoito anos.

Mas Olivia não se importava.

Não tinha participado de nenhum planejamento. Nenhuma escolha de tema, lista de convidados ou ideia para o vestido. A festa parecia pertencer a outra pessoa, alguém que ela não era mais. Talvez alguém que nunca tinha sido.

Nos últimos vinte e oito dias, Olivia não falou com ninguém.

Não com Taylor.

Não com a professora de etiqueta lunar.

Muito menos com Damon.

Sabia que estavam começando a cochichar. A observá-la como quem observa um animal ferido. Como se esperassem que ela explodisse. Ou sumisse.

Mas ela não tinha mais forças para se importar.

Estava deitada na cama, não por preguiça, mas por exaustão silenciosa. Tinha levantado apenas para olhar pela janela e observar os pássaros do outro lado do vidro. Eles dançavam no céu com uma liberdade que doía nos olhos. Como seria voar para longe de tudo aquilo?

O barulho da porta se abrindo não a fez virar.

Ela já sabia quem era.

Damon entrou com seus passos decididos e irritadiços, como se sempre estivesse prestes a explodir. Estava mais uma vez impaciente. Com ela. Com a situação. Com o silêncio que preenchia o quarto há meses.

- O que há de errado com você agora? - ele soltou, a voz carregada de frustração.

Olivia não respondeu.

Nem olhou para ele.

A pergunta pairou no ar, seca, sem esperança de resposta. Ele provavelmente já sabia que ela não diria nada. Não diziam nada um ao outro desde o que aconteceu. E se antes o silêncio era uma escolha... agora era a única coisa que restava.

Damon bufou. Afastou uma cadeira. Mexeu em alguns papéis.

E então, um cartão caiu na cama.

Era o cartão de identidade da matilha dele. O brasão prateado reluzia no canto, e o nome "Damon Blackthorn" vinha logo abaixo, frio e imponente. O cartão caiu ao lado do rosto de Olivia, que sequer se mexeu, apenas moveu os olhos, brevemente. E voltou a olhar os pássaros.

Eles pareciam felizes.

Ela não.

- Vai comprar um vestido - ele disse, seco. - A minha mãe tá enchendo o saco com isso.

A ordem foi lançada como quem joga uma pedra num lago calmo, sem se importar com os círculos que ela gera. Damon não olhou para ela.

Por que ele tinha deixado o cartão dele ali?

Achava que ela pegaria e gastaria o dinheiro dele?

Olivia desviou o olhar da janela para o retângulo prateado ao seu lado, como se fosse algo sujo. Um presente irônico, vindo de quem nunca a enxergou de verdade.

Ele parecia esquecer que ela já tinha um cartão. Um da própria matilha. Um que ele mesmo lhe deu uma semana depois de tê-la forçado a mudar para ali.

Ela nunca o usou.

Assim como nunca usou nenhuma das roupas que a mãe dele comprou. Estavam todas penduradas no closet, alinhadas, intocadas, ainda com as etiquetas.

Ela não queria o dinheiro dele.

Nunca quis.

Ela só queria... sair dali.

Seus olhos voltaram para o céu, para os pássaros que voavam soltos.

Tão livres.

Um pensamento deslizou em sua mente como seda cortando carne. Suave, perigoso, definitivo.

Sem pensar, levantou-se da cama. A mesma cama onde dormia todos os dias ao lado de um estranho que o destino havia lhe jogado. Caminhou até a varanda. O vento tocava sua pele com gentileza, o único toque que não a fazia encolher.

Lá embaixo, o mundo seguia. Longe do controle. Longe das regras.

Damon, lá de dentro, ouviu o barulho da porta de vidro. A voz dele ecoou abafada, vindo do banheiro:

- O que você está fazendo?

Ela não respondeu.

Sabia o que ele queria dizer. Não era preocupação com ela. Era medo de que estivesse nua na varanda, para todos verem. Porque ele não gostava disso. Porque ele mandava.

Mas Olivia não se importava.

Ela já não se importava com nada.

Colocou a mão na grade.

Sentiu o metal frio.

Subiu.

E então... pulou.

Sem pensar. Sem hesitar.

Apenas... voou.

Ouviu seu nome ser gritado.

- OLIVIA!!!

Era Damon. Ele parecia horrorizado.

Mas era tarde demais.

No ar, sentiu o vento açoitando seu rosto.

O coração acelerado.

A dor de estar viva e presa desaparecendo.

"Livre."

Ela sussurrou, com os olhos fechados, como uma prece.

Por um instante, pensou que poderia mesmo voar.

Mas sua loba, Sam, entrou em pânico. Sentiu o instinto animal lutar por ela. A dor da transformação tentando vir antes do impacto, uma última tentativa de sobreviver.

Um uivo de dor ecoou dentro de si.

Depois... escuridão.

A abençoada inconsciência a tomou.

Olivia acordou devagar.

O teto branco. O zumbido das máquinas. O lençol áspero demais.

Estava no hospital da matilha.

Sentia o corpo pesado, como se todos os ossos tivessem virado pedra. Mas o pior era o vazio.

Sam.

Ela chamou sua loba.

Nada respondeu.

Era como se tivesse sido arrancada de si mesma. Um eco oco onde antes existia algo quente e feroz. Agora, restava só... ela.

Sozinha.

Não precisava abrir os olhos para saber.

Ele estava ali.

Damon.

Seu cheiro preenchia o quarto, mais do que o cheiro de desinfetante ou o ranger da cadeira de couro onde ele se sentava. Ele estava próximo, quieto. Sentado ao lado da cama, como fazia todos os dias.

Ela nunca olhava para ele.

E ele nunca tocava nela.

O silêncio entre eles era espesso, sufocante, cheio de palavras que nunca seriam ditas.

Durante um mês inteiro, Olivia permaneceu naquela cama.

Em paz.

Dormia sozinha todas as noites. Ninguém obrigava nada. Ninguém esperava nada. Só respirava.

Jereh vinha sempre.

Sentava-se à beira da cama, pegava sua mão, falava com ela como se ela fosse de vidro. Dizia que tudo seria diferente, melhor. Às vezes, implorava para ela falar com ele.

Mas ela não falava com ninguém.

Nem mesmo com ela mesma.

Quando o médico finalmente permitiu, ela foi levada de volta.

De volta para o quarto que não era seu.

O quarto de Damon.

Ela não queria estar ali. Não queria nem lembrar como chegou, se foi carregada, se andou, se se arrastou.

Mas... não tinha escolha.

Ainda era a companheira dele.

E agora, a varanda estava pregada. As janelas, trancadas. Havia pregos onde antes havia vento.

Nenhuma fresta. Nenhuma escapatória.

Como se estivessem com medo de que ela tentasse voar de novo.

Como se ela fosse um animal ferido. Uma coisa perigosa que precisava ser mantida em cativeiro.

Enjaulada.

A liberdade nunca pareceu tão distante.

Ela se viu ali.

Na cama dele.

Não apenas deitada ao lado.

Mas com o corpo dele pressionado contra o dela, os braços dele a envolvendo como se ela fosse algo precioso que pudesse escapar a qualquer momento.

Todas as noites.

No começo, pensou que era só o calor do quarto, ou um pesadelo em que seu corpo se movia por conta própria. Mas não - era real. No hospital, ela estava sozinha.

Mas de volta ao quarto dele... não mais.

Damon nunca a tocaria assim.

Não ele.

Mas Condor... o lobo dele...

Ele sim.

O lobo dele sentia falta dela. De Sam. Da presença quente de sua companheira, mesmo que ferida, mesmo que calada, mesmo que distante. E agora que Sam estava ausente, talvez em silêncio dentro dela, era como se Condor tentasse protegê-la até que ela voltasse.

Talvez fosse isso.

Ou talvez fosse só mais uma cela invisível.

Olivia não tinha certeza de qual resposta doía mais.

Ela não o afastava.

Mas também não se permitia ceder.

Fechava os olhos, virada de costas, e fingia que o mundo lá fora não existia.

Fingia que era Sam quem sentia tudo aquilo.

Que ela não estava ali.

Porque naquele quarto onde a janela estava trancada com pregos, o único lugar para onde ainda podia fugir...

Era para dentro de si.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022