"Eu estava aqui", eu disse, minha voz vazia. O homem na minha frente era um estranho. O homem gentil e amoroso que eu pensei conhecer tinha sido uma ilusão cuidadosamente construída. Em seu lugar estava este tirano.
"Não minta para mim, Aurora!", ele agarrou meu braço, seus dedos cravando na minha pele. "Você deveria estar no evento de caridade comigo. Você me envergonhou. Você envergonhou a Kiara."
Seu aperto se intensificou, e eu recuei. Ele nunca tinha sido rude comigo antes. Zangado, sim. Desdenhoso, muitas vezes. Mas nunca assim.
Ele pareceu perceber que havia cruzado uma linha, soltando meu braço como se tivesse se queimado.
"Olha, eu sei que isso é difícil para você", disse ele, seu tom mudando para um de paciência forçada. "Mas a Kiara está frágil agora. Sua cena de ontem à noite a deixou com um ataque de pânico."
"Minha cena?", perguntei, minha voz se elevando. "Eu não fiz nada. Eu estava na minha própria casa."
"Exatamente!", ele retrucou. "Você deveria estar ao meu lado, mostrando a todos que somos uma frente unida. Que você me apoia nisso."
"Apoiá-lo em namorar sua ex-namorada na frente do mundo inteiro?", eu ri, um som oco e sem humor. "Você está delirando."
Seu rosto escureceu novamente, mas antes que ele pudesse responder, uma voz suave e chorosa veio do corredor.
"Caio? Está tudo bem? Ouvi gritos."
Kiara apareceu, envolta em um dos roupões de seda de Caio, o rosto pálido e os olhos vermelhos. Ela parecia uma boneca assustada.
"Me desculpe, Aurora", ela sussurrou, agarrando o roupão com mais força. "Eu não queria causar problemas. Eu só... fico com tanto medo quando ele não está comigo."
Todo o comportamento de Caio se suavizou em um instante. Ele correu para o lado dela, envolvendo-a em seus braços.
"Está tudo bem, meu bem. Não é sua culpa", ele murmurou, acariciando seu cabelo. "Não é sua culpa."
Ele me lançou um olhar venenoso por cima do ombro dela.
"Olha o que você fez", ele articulou silenciosamente.
Ele prometeu a ela que resolveria, que faria com que eu entendesse o meu lugar. Suas palavras eram uma ameaça envolta em uma promessa de proteção para ela.
"Ela precisa aprender uma lição", ele sussurrou para Kiara, alto o suficiente para eu ouvir.
Ele se virou para os dois seguranças enormes que haviam aparecido silenciosamente no corredor atrás de Kiara.
"Levem-na para baixo. Para a adega. Ela pode ficar lá até estar pronta para se desculpar."
Meu sangue gelou. A adega.
"Não", eu sussurrei, recuando contra a cabeceira da cama. "Caio, você não pode."
Ele sabia. Ele sabia sobre a adega. Sobre minha claustrofobia.
Meus guardas, inexpressivos e eficientes, moveram-se em minha direção. Eu lutei, chutando e arranhando, um animal selvagem e encurralado.
"Caio, por favor!", eu gritei, meus olhos fixos nos dele.
Mas ele não olhou para mim. Ele já estava se virando, seu braço protetoramente em volta de Kiara, levando-a pelo corredor como se a estivesse escoltando para longe de um monstro.
A última coisa que vi foi suas costas desaparecendo na esquina.
Os guardas me arrastaram pela escada em espiral até o porão. A pesada porta de ferro forjado da adega se erguia na minha frente. Eles me empurraram para dentro, o cheiro de terra úmida e vinho velho enchendo minhas narinas.
A porta bateu. A fechadura clicou, um som de finalidade que ecoou no pequeno e escuro espaço.
Escuridão. Escuridão apertada, sufocante.
Minha respiração engasgou. Meu coração martelava contra minhas costelas como um pássaro preso. As paredes estavam se fechando, o ar rareando. Eu era uma criança de novo, trancada em um armário pelo meu irmão adotivo como uma piada cruel.
Tinha sido meu décimo aniversário. Os Almeida deram uma festa luxuosa. O filho deles, Juliano, mais velho e sempre ressentido com a minha presença, decidiu que seria engraçado me trancar no armário de roupas de cama durante uma brincadeira de esconde-esconde. Ele se esqueceu de mim.
Fiquei lá por horas. A escuridão pressionava, o ar ficava viciado. Gritei até minha garganta ficar em carne viva, arranhei a porta até meus dedos sangrarem. Quando me encontraram, eu estava inconsciente, encolhida em uma bola apertada no chão.
A claustrofobia fazia parte de mim desde então. Era um terror físico, visceral - um aperto no peito, falta de ar, um suor frio que encharcava minha pele. Era minha fraqueza secreta.
E Caio sabia.
Anos atrás, em um de nossos primeiros encontros, ficamos presos em um elevador. Tive um ataque de pânico completo. Chorei em seus braços, envergonhada e aterrorizada, e contei a ele a história sobre o armário.
Ele me abraçou, acariciou meu cabelo e sussurrou promessas.
"Eu nunca vou deixar nada parecido acontecer com você de novo. Eu sempre vou te proteger. Serei seu porto seguro."
Agora, era ele quem havia trancado a porta. Ele era o monstro no escuro.
A promessa foi quebrada. O porto seguro era uma jaula.
Deslizei pela parede fria de pedra, envolvendo os braços em volta dos joelhos, tentando me fazer menor enquanto a escuridão me consumia. As lágrimas vieram, quentes e silenciosas, um rio de luto pelo homem que eu pensei que ele era e pelo amor que eu pensei que tínhamos.
Era tudo uma mentira.