A própria Beatriz era um fantasma. Ele sabia que ela estava na cobertura, em seu escritório no segundo andar, mas nunca a via. Ela era uma presença que ele sentia, mas não podia ver, uma força silenciosa reorganizando sua vida à distância.
Uma noite, incapaz de dormir, ele saiu para o terraço. A cidade brilhava abaixo, uma galáxia de luzes. Ele sentiu uma profunda sensação de deslocamento, como se fosse um astronauta à deriva no espaço.
Ele os viu então. Do outro lado do parque, em outro imponente prédio de vidro, ficava a sede do Grupo Navarro. Uma luz estava acesa no escritório do último andar. O escritório de Isadora.
Ele mal conseguia distinguir duas figuras lá dentro, silhuetas contra a luz brilhante. Uma mulher e um homem. Eles estavam próximos, o braço do homem envolvendo a cintura da mulher. Ele viu o homem se inclinar e beijá-la.
Mesmo àquela distância, ele sabia. Eram Isadora e Ricardo.
A cena foi um golpe físico. Ele cambaleou para trás, a mão agarrando o peito como se para manter o coração unido. A dor foi aguda, imediata.
Ele fugiu de volta para dentro, a respiração saindo em arquejos irregulares.
Ele viu o rosto dela em sua mente, não a máscara fria e cruel que ela usava agora, mas o rosto de sua Isa. O sorriso dela, o jeito como seus olhos se iluminavam quando o viam, o jeito como ela se agarrava a ele como se ele fosse sua única âncora em uma tempestade.
"Você é a minha luz, Elias", ela sussurrara uma vez, o hálito quente em seu pescoço. "Sem você, estou perdida no escuro."
Agora ela estava com Ricardo, o mesmo homem que havia arquitetado sua escuridão.
"Eu morreria por você, Elias", ela jurara a ele, os olhos ferozes com um amor que ele acreditava ser inquebrável.
E, de certa forma, ela morrera. A Isa que ele amava estava morta. Beatriz Lobo lhe oferecera uma fuga, mas não havia como escapar das memórias. Elas eram parte dele, um membro fantasma que doía com uma dor que ninguém mais podia ver.
Ele cambaleou pela enorme cobertura até encontrar seu quarto. Sua velha mala de lona, a única coisa que ele tinha de sua vida anterior, estava no canto. Ele se ajoelhou e abriu o zíper. Dentro, sob algumas camisetas gastas, havia uma pequena caixa de madeira.
Ele a abriu. Estava cheia de cartas. Cartas que Isadora escrevera para ele durante o tempo que passaram juntos. A caligrafia dela era uma escrita delicada e floreada, cheia de vida e amor.
Ele pegou uma ao acaso.
Meu querido Elias,
Estou te observando trabalhar na oficina pela janela. Você não tem ideia de como é lindo quando está concentrado, com aquela pequena mancha de graxa no nariz. Eu te amo mais do que as palavras podem dizer. Você é o meu lar.
Para sempre sua,
Isa
Sua visão ficou turva. Ele não conseguia mais ler.
Isso era uma mentira. Tudo isso. A mulher que escreveu essas palavras se fora, substituída por uma estranha que o desprezava.
Ele tinha que deixá-la ir. Tinha que matar o fantasma que o assombrava.
Ele encontrou uma lixeira de metal pesada no canto do quarto. Levou-a para a pequena lareira ecológica. Uma por uma, ele pegou as cartas da caixa e as jogou na lixeira. Suas mãos tremiam. Cada carta era uma memória, um pedaço de seu coração.
Ele pegou um isqueiro, um Zippo simples que ela lhe dera de aniversário. Ele o abriu. A chama dançou na luz fraca.
Ele estava prestes a jogá-lo na lixeira quando o interfone na parede tocou.
Uma voz nítida e formal falou. "Sr. Almeida, minhas desculpas pela hora tardia. Há uma Sra. Isadora Navarro no saguão exigindo vê-lo. Ela está acompanhada pelo Sr. Ricardo Navarro. Eles estão causando um tumulto. As instruções da Sra. Lobo são para negar a entrada, mas a Sra. Navarro está ameaçando chamar a imprensa."
O sangue de Elias gelou. Ele caminhou até o interfone. "Não os deixe subir."
"Entendido, senhor. Nós vamos resolver... um momento." Houve uma pausa, um som abafado de comoção. A voz voltou, agitada. "Senhor, eles forçaram a passagem pela segurança do saguão. Estão no elevador. Repito, estão a caminho."
Um momento depois, a porta de seu apartamento foi escancarada. Não arrombada à força, mas destrancada por um cartão-chave que Ricardo segurava descaradamente no ar - uma chave mestra provavelmente roubada da mesa da segurança no caos. Ricardo Navarro estava lá, um sorriso presunçoso e triunfante no rosto. Isadora estava logo atrás dele, de braços cruzados, a expressão impaciente.
"O que temos aqui?", Ricardo arrastou as palavras, seus olhos fixos nas cartas na lixeira.
"Saiam", disse Elias, a voz baixa e perigosa.
Ricardo entrou no quarto, ignorando-o. "Queimando cartas de amor antigas? Que patético. Tentando destruir as provas da sua pequena e triste obsessão?"
Ele enfiou a mão na lixeira e pegou um punhado de cartas antes que Elias pudesse reagir.
"Vamos ver que tipo de baboseira você andou escrevendo para si mesmo." Os olhos de Ricardo percorreram a página, e seu sorriso se alargou. "Ah, isso é impagável. Tão sentimental. 'Meu querido Elias...' Você é mesmo um nojento."
Então seus olhos caíram no final da página. A assinatura. "Para sempre sua, Isa."
O rosto de Ricardo empalideceu. O sorriso desapareceu, substituído por uma expressão de puro choque e fúria.
"Onde você conseguiu isso?", ele sibilou, a voz tensa.
"Ela as escreveu para mim", disse Elias, a voz vazia. "Antes de você e os pais dela a destruírem."
O choque de Ricardo rapidamente se transformou em raiva. Ele amassou a carta na mão.
"Você é um mentiroso! Você forjou isso! Seu perseguidor doente e pervertido!" Ele se lançou sobre Elias, tentando pegar o resto das cartas.
Elias o empurrou para trás. "Saia da minha vida, Ricardo."
"Esta é a minha vida! A Isa é minha!", Ricardo gritou, seu verniz polido de playboy rachando para revelar o ciúme frenético por baixo. "Você não é nada! Um lixo da sarjeta!"
Ele insistia que as cartas eram falsificações, sua voz ficando mais alta, mais histérica. Ele era um animal encurralado, atacando em uma tentativa desesperada de proteger suas mentiras.