A família Navarro era poderosa. Eles haviam limpado o passado de Isadora. Os registros de seu colapso em Ribeirão Preto, os investigadores particulares que enviaram, o tempo que ela passou morando em seu pequeno apartamento - tudo se fora, enterrado sob uma montanha de dinheiro e influência. Para o mundo, ela simplesmente tirara um curto período sabático antes de retornar aos negócios da família, revigorada e pronta. Elias Almeida era um ninguém, uma nota de rodapé com a qual ninguém se importava.
"Olhe a caligrafia", disse Elias agora, a voz cansada. Ele ergueu uma das cartas. "Nem você pode negar que essa é a assinatura dela."
Os olhos de Ricardo se voltaram para a carta, um lampejo de incerteza neles. Mas desapareceu em um instante, substituído por um sorriso de escárnio.
"Fácil de forjar. Você teve muito tempo para praticar, não é? Olhando para as fotos dela, tentando copiar a caligrafia. É patético." Ele deu um passo mais perto, a voz baixando para um sussurro venenoso. "Você está tentando usar isso para chegar até ela, para seduzi-la. Não vai funcionar."
Foi a presença de Isadora na porta que deu a Ricardo a abertura de que precisava, e agora lhe dava sua plateia. Ele sabia que ela estava observando, ouvindo.
Ricardo congelou, os olhos arregalados de pânico. Ele olhou para as cartas em sua mão, depois para a lixeira cheia delas. Ele não podia deixá-la ver aquilo. Mesmo com a memória dela apagada, a caligrafia, o volume de cartas, poderia plantar uma semente de dúvida que ele não podia se permitir.
Em um movimento rápido e desesperado, ele se lançou em direção à lareira e enfiou as cartas que segurava na lixeira. Ele pegou o Zippo da mão de Elias e o jogou dentro. As cartas pegaram fogo instantaneamente.
Então, ele fez algo que Elias jamais esperaria. Ricardo soltou um grito e se jogou para trás, batendo em uma pequena mesa e derrubando um abajur. Ele caiu no chão em um amontoado.
A lixeira de metal tombou, derramando cartas em chamas e brasas incandescentes no tapete felpudo.
A porta se abriu ainda mais.
Isadora entrou correndo, os olhos arregalados de alarme. Ela viu o pequeno incêndio, o abajur derrubado e Ricardo no chão. Então ela viu Elias, de pé sobre ele.
Sem um momento de hesitação, ela empurrou Elias para o lado, o rosto uma máscara de fúria.
"Fique longe dele!", ela gritou.
Ela se ajoelhou ao lado de Ricardo, as mãos pairando sobre ele. "Ricardo, você está ferido? O que ele fez com você?"
Ricardo tossiu, encenando uma performance magistral de vítima. Ele apontou um dedo trêmulo para Elias.
"Isa... ele... ele me escreveu essas cartas de amor nojentas", ele engasgou, a voz cheia de repulsa fingida. "Ele tentou forçá-las em mim. Quando eu recusei, ele... ele ficou violento. Ele me empurrou e ateou fogo nelas para destruir as provas."
A cabeça de Isadora se virou bruscamente, seus olhos ardendo com um ódio tão puro que roubou o fôlego de Elias.
"Seu... monstro", ela cuspiu.
"Não foi isso que aconteceu", disse Elias, a voz rouca. "Ele está mentindo."
"Mentindo?" Isadora se levantou, o corpo inteiro tremendo de raiva. "Eu vi com meus próprios olhos! Você estava de pé sobre ele enquanto ele estava no chão!"
"Ele mesmo ateou o fogo!", insistiu Elias. "Ele estava tentando destruir as cartas que você me escreveu!"
Ricardo soltou um gemido de dor. "Isa, meu tornozelo... acho que quebrou. Ele me empurrou com tanta força."
"Está vendo?" A voz de Isadora estava cheia de uma certeza arrepiante. "Você é um ser humano violento e desprezível." Ela olhou para Elias como se ele fosse algo que ela tivesse raspado do sapato. "Primeiro você me persegue, e agora ataca meu noivo? Você é obcecado e perigoso."
Elias apenas a encarou, o coração se partindo em um milhão de pedaços. A mulher que ele amava, a mulher que ele protegera e cuidara, estava olhando para ele com os olhos de uma estranha, convencida de que ele era um vilão.
Sua própria dor, seu próprio sofrimento, não significavam nada para ela. A história fabricada de Ricardo era sua verdade absoluta.
Uma rajada de vento da porta aberta do terraço soprou pela sala. Agitou as cinzas na lareira, enviando um único pedaço de papel meio queimado flutuando pelo ar.
Pousou aos pés de Isadora.
Ela olhou para baixo, irritada. Por um segundo, seus olhos registraram a escrita familiar e floreada no papel carbonizado. Sua própria caligrafia. Um lampejo de confusão cruzou seu rosto, uma rachadura momentânea em sua armadura de certeza.
Ela escreveu aquilo? Parecia... familiar.
"Isa", Ricardo choramingou do chão, agarrando o tornozelo. "Está doendo."
A rachadura se fechou instantaneamente. Sua dúvida passageira foi esquecida. Ela a afastou, seu foco voltando para Ricardo, sua prioridade.
"Estou aqui", disse ela suavemente, virando as costas para Elias completamente. Ela ajudou Ricardo a se levantar, o braço envolvendo-o protetoramente. "Vamos levar você a um médico."
Ela o guiou para fora do quarto sem um único olhar para trás.
Elias foi deixado sozinho no meio da bagunça. O cheiro de fumaça, as cinzas espalhadas de suas memórias, o frio persistente do ódio dela.
Tinha acabado. Qualquer esperança a que ele se agarrara se fora, transformada em cinzas e pisoteada no tapete.
Ele tinha que sair. Tinha que aceitar o acordo da mulher estranha e poderosa que aparecera como um fantasma. Era sua única saída.
Ele saiu do quarto, deixando os últimos resquícios de seu passado para queimar.
No dia seguinte, uma equipe da empresa de Beatriz Lobo chegou. Eles trouxeram caixas. Dezenas delas. Estavam cheias de presentes para ele, disseram. Ternos feitos sob medida, sapatos italianos feitos à mão, uma coleção de relógios que provavelmente custava mais que sua cidade natal inteira.
Um homem educado e impecavelmente vestido, que se apresentou como o assistente de Beatriz, Sr. Monteiro, supervisionou a entrega. Atrás dele, dois consultores de segurança de rosto sério instalaram uma nova fechadura de alta tecnologia na porta de Elias.
"A Sra. Lobo insistiu que você tivesse isso", disse o Sr. Monteiro com uma reverência respeitosa. "Ela acredita que seu futuro marido não deve querer nada. Ela também envia suas profundas desculpas pela falha de segurança da noite passada. Não acontecerá novamente. Na verdade, ela nos instruiu a fornecer-lhe isto." Ele ofereceu a Elias um relógio de pulso elegante e pesado. "Ele contém um rastreador GPS discreto e um botão de pânico. Uma precaução necessária, dadas as circunstâncias."
Elias olhou para a montanha de artigos de luxo, sentindo-se completamente sobrecarregado. Ele era um homem que possuía dois pares de jeans e uma coleção de camisas de trabalho manchadas de graxa. Aquilo era uma língua estrangeira.
"Ela também queria que eu transmitisse suas desculpas por sua ausência", continuou o Sr. Monteiro. "Uma tentativa de aquisição hostil exige sua total atenção. No entanto, ela liberou sua agenda para o seu casamento."
Elias apenas assentiu, entorpecido, colocando o relógio no pulso.
Ele sabia que deveria estar grato. Aquela era sua salvação. Mas parecia que estava trocando uma jaula por outra, embora muito mais dourada.
Ele sentiu uma necessidade súbita de fazer algo, qualquer coisa, para sentir que ainda tinha algum controle sobre sua própria vida. Ele tinha que dar a ela um presente em troca. Era uma questão de princípio. Ele não podia ser apenas um homem sustentado.
"Sr. Monteiro", disse Elias, encontrando sua voz. "Preciso sair. Preciso comprar um presente para a Sra. Lobo."
O Sr. Monteiro pareceu momentaneamente surpreso, mas se recuperou rapidamente. "Claro, Sr. Almeida. O carro está à sua disposição."
Elias se viu em uma limusine, sendo levado pela Avenida Faria Lima. Ele pediu ao motorista para parar em frente a uma famosa e ridiculamente cara joalheria na Rua Oscar Freire. Ele saiu, suas roupas simples parecendo completamente deslocadas entre os casacos de pele e bolsas de grife.
Os vendedores lá dentro deram uma olhada em sua jaqueta e jeans gastos e imediatamente o descartaram. Eles cumprimentavam outros clientes com sorrisos servis, mas o ignoravam completamente, seus rostos frios de desdém.
Elias não se importou. Ele não estava lá por eles. Ele caminhou lentamente pelas vitrines de vidro, procurando por algo que parecesse certo para uma mulher como Beatriz Lobo. Algo poderoso, elegante, mas não chamativo.
Ele estava tão focado que não notou o grupo de jovens entrando na loja até que o cercaram. Ele os reconheceu instantaneamente. Eram os amigos de Ricardo, os mesmos que o haviam provocado do lado de fora do prédio de Isadora semanas atrás.
"Ora, ora, ora", um deles zombou. Seu nome era Rodrigo, um mauricinho com uma boca cruel. "Olha o que o lixo trouxe. Batendo perna na Oscar Freire, Almeida?"
"Deixem-me em paz", disse Elias, virando-se para ir embora.
Eles bloquearam seu caminho.
"Não tão rápido", disse outro, Gustavo, empurrando-o levemente. "Ouvimos dizer que você encostou no Ricardo. Não gostamos disso. Estamos aqui para te ensinar uma lição."