Das Cinzas ao Seu Abraço
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Das Cinzas ao Seu Abraço

Gavin
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Capítulo 1

O cano frio de uma arma pressionado contra a minha cabeça. Eu tinha uma última ligação para salvar a minha vida, e escolhi ela: a minha Isa.

Mas a mulher que atendeu era uma estranha. Quando eu disse que iam me matar, que o primo dela, Ricardo, tinha armado para mim, ela foi impaciente.

"Não tenho tempo para isso", disse ela, a voz como gelo. "Ricardo e eu estamos finalizando os convites da nossa festa de noivado."

Noivos. Com o mesmo homem que me queria morto. Implorei, lembrando-a da nossa vida juntos, da perda de memória causada pelo tratamento que a família dela a forçou a fazer.

"Eu não tenho amnésia", ela retrucou. "Lembro de tudo que importa. Você é um mecânico de Ribeirão Preto. Eu sou uma herdeira. Vivemos em mundos diferentes."

Ela me disse que amava Ricardo, que ele era seu igual e eu não era nada. O clique do telefone desligando foi mais alto que a arma engatilhando atrás de mim. Eu não tinha mais medo de morrer. A mulher que eu amava já tinha me matado.

Assim que fechei os olhos, as portas do galpão se escancararam. Uma dúzia de figuras em ternos pretos desarmou meus captores em segundos. Uma mulher alta, em um terninho poderoso, saiu da luz.

Ela me ofereceu uma proposta de negócios: um contrato de casamento. Em troca da minha assinatura, ela me daria proteção, recursos e uma fuga completa.

Era a minha única saída.

Capítulo 1

O cano frio de uma arma pressionava a nuca de Elias Almeida.

Dois homens enormes seguravam seus braços, com força suficiente para deixar marcas. Ele sentia o cheiro de cerveja barata e cigarro neles. Do lado de fora do galpão imundo, a chuva batia forte no telhado de zinco.

Ele tinha direito a um telefonema. Uma última chance. Seu polegar pairou sobre o nome do contato: Isa.

Ele apertou o botão de chamada.

O telefone tocou duas vezes antes de ela atender. A voz dela era fria, distante, nada parecida com o calor que ele se lembrava.

"O que você quer, Elias?"

"Isa, estou com problemas", disse ele, a voz tensa. "Eles vão me matar. Você tem que acreditar em mim. Foi o Ricardo que armou tudo isso."

Houve um silêncio do outro lado, preenchido apenas pelo som fraco de música clássica.

"Elias, você bebeu de novo? Estou cansada desses seus joguinhos."

"Não é um jogo", ele implorou, o coração afundando. "Por favor, só escuta-"

"Não tenho tempo para isso", Isadora Navarro o cortou. O tom dela era afiado, impaciente. "Estou ocupada. Ricardo e eu acabamos de finalizar os convites da nossa festa de noivado."

As palavras o atingiram com mais força que qualquer golpe físico. Noivos. Com o primo dela, Ricardo. O homem que havia destruído sistematicamente sua vida.

"Isa, não. Você não pode. Você me ama. Você me disse que amava."

"Amar você?" Uma risada seca e sem humor ecoou pelo telefone. "Elias, olhe para si mesmo. Você é um mecânico de uma cidade esquecida no interior de São Paulo. Eu sou uma herdeira. Vivemos em mundos diferentes. Pare com essas ilusões patéticas."

"Não é uma ilusão! Sua memória... o tratamento... você não se lembra de nós. Tínhamos uma vida juntos. Você prometeu que enfrentaríamos sua família juntos."

Ele se lembrou dela, encolhida em seu pequeno apartamento, apavorada com o julgamento da família, as mãos tremendo enquanto segurava as dele. "Você é minha âncora, Elias", ela sussurrara. "Com você, eu posso tudo."

"Eu não tenho amnésia", ela retrucou, a voz pingando desprezo. "Lembro de tudo que importa. E você não faz parte disso."

"Você está mentindo", ele sussurrou, uma lágrima finalmente escapando, traçando um caminho pela graxa em sua bochecha.

"Eu não sou mentirosa", disse ela, a voz se tornando venenosa. "Você é quem tem me perseguido, me assediado, usando essas histórias patéticas para tentar se aproximar de mim. Ricardo me avisou que você era instável."

Ele podia ouvir a convicção na voz dela. Ricardo tinha envenenado completamente sua mente.

"Eu amo o Ricardo", ela declarou, e cada palavra era um prego em seu caixão. "Ele é meu igual, meu parceiro. Ele me entende. Você não é nada."

Uma voz abafada falou ao fundo do lado dela. Uma secretária, talvez.

"Sra. Navarro, o buffet está na linha um."

"Diga para esperarem", ordenou Isadora. Então, sua voz voltou ao telefone, ainda mais fria do que antes. "Preciso ir. Estou escolhendo os arranjos de flores para a minha festa de noivado. Não me ligue mais. Se ligar, vou conseguir uma ordem de restrição."

A linha ficou muda.

O clique surdo ecoou no galpão silencioso.

Elias abaixou o telefone, a mão tremendo. Os homens que o seguravam riram.

Lágrimas escorriam por seu rosto agora, quentes e silenciosas. Ele não estava chorando porque ia morrer. Estava chorando porque a mulher que amava acabara de matá-lo.

Ele se lembrava dela antes de tudo isso. Antes de sua família forçá-la à terapia eletroconvulsiva experimental para sua ansiedade severa. Ela nem sempre fora esse monstro frio.

A Isadora que ele conhecia, sua Isa, era gentil. Ela o encontrara em sua pequena cidade no interior de São Paulo durante uma viagem pelo país, quando seu carro antigo quebrou. Ela estava se escondendo de sua vida sufocante na capital, de seus pais elitistas que a viam como um ativo de negócios.

Ele consertara o carro dela, e ela ficara. Ela amava a simplicidade da vida dele, a graxa sob suas unhas, a força silenciosa em suas mãos. Ele amava a vulnerabilidade dela, o jeito como ela se aninhava contra ele depois de um ataque de pânico, sentindo-se segura pela primeira vez.

Ela é que era a corajosa. Quando os investigadores particulares de sua família a encontraram, ela se postou na frente de Elias, protegendo-o com seu corpo pequeno.

"Ele é a minha vida", ela dissera a eles, a voz trêmula, mas firme. "Se vocês o machucarem, me matam."

Foi esse amor feroz que a fez concordar com a TEC. Seus pais prometeram que curaria sua ansiedade, que a tornaria forte o suficiente para enfrentá-los. Prometeram que não afetaria sua memória.

Todos eles mentiram.

Ela voltou do tratamento uma pessoa diferente. Uma lousa em branco. Seus olhos lindos e expressivos agora estavam vazios, frios. E Ricardo, seu primo ciumento, estava lá para escrever sua própria história naquela lousa.

Ele pintou Elias como um perseguidor de classe baixa, um predador que se aproveitara dela durante um momento de fraqueza. E ela acreditou nele. Toda a família Navarro acreditou nele.

Eles usaram seu dinheiro e poder para esmagá-lo. Fizeram com que fosse demitido de seu emprego, espalharam boatos que arruinaram sua reputação e garantiram que todas as portas se fechassem em sua cara. Amigos que ele tinha há anos viraram as costas para ele.

Agora, isso. Ricardo contratara esses bandidos para terminar o serviço.

Elias fechou os olhos, um sentimento de derrota o invadindo. Ele lutara por tanto tempo, agarrando-se à esperança de que a verdadeira Isa ainda estivesse lá em algum lugar.

Ele estava errado.

"Acabem logo com isso", disse ele, a voz um sussurro oco.

O homem atrás dele engatilhou a arma.

Elias não se mexeu. Apenas esperou. Tinha acabado.

De repente, as portas do galpão se escancararam, inundando o espaço escuro com faróis ofuscantes.

Uma dúzia de figuras em ternos pretos impecáveis invadiu o local, movendo-se com precisão disciplinada. Os dois bandidos que seguravam Elias foram desarmados e jogados no chão antes que pudessem reagir.

Elias piscou, desorientado.

Uma mulher saiu da luz. Ela era alta, vestida com um terninho poderoso que parecia mais caro que sua oficina inteira. Seu cabelo era cortado em um chanel severo e prático, e seus olhos eram aguçados, inteligentes e totalmente desprovidos de emoção.

"Elias Almeida?", ela perguntou. Sua voz era calma e imponente.

Elias assentiu, ainda tentando processar o que estava acontecendo.

"Meu nome é Beatriz Lobo", disse ela, estendendo a mão não para um aperto de mão, mas para exibir um documento. "Tenho uma proposta de negócios para você. Envolve um contrato de casamento."

Ela não esperou por uma resposta.

"O testamento do meu pai estipula que devo estar casada até o meu próximo aniversário para herdar o controle acionário de sua empresa. Você se encaixa nos critérios que ele delineou. Em troca de sua assinatura, fornecerei proteção, recursos financeiros e uma extração completa de suas circunstâncias atuais."

Elias a encarou, boquiaberto.

"Por que eu?", ele conseguiu perguntar.

"Você está vivo, é solteiro e não tem laços familiares poderosos que complicariam o arranjo. Para os meus propósitos, você é perfeito." O olhar dela era penetrante. "E, a julgar pela sua situação, você não tem ofertas melhores. Esta é sua única fuga."

Ela estava certa.

Sua vida estava em ruínas. Seu amor se fora. Sua esperança estava morta. Essa estranha, essa mulher poderosa e pragmática, estava lhe oferecendo uma tábua de salvação. Uma tábua de salvação fria e transacional, mas ainda assim uma tábua de salvação.

Ele olhou para os bandidos choramingando no chão, depois para o rosto impassível de Beatriz Lobo.

Não havia mais nada para ele aqui. Isa deixara isso claro.

Ele respirou fundo, trêmulo.

"Eu aceito."

Beatriz Lobo deu um leve, quase imperceptível, aceno de cabeça. "Bom. Minha equipe jurídica cuidará dos detalhes. Você estará em um jato particular para São Paulo dentro de uma hora."

Ela se virou para sair, seu trabalho ali terminado.

Enquanto era escoltado para fora, na chuva, em direção a um carro preto elegante, Elias se permitiu um último olhar para o galpão, para os destroços de sua antiga vida.

Ele pensou em Isadora, escolhendo flores para sua festa com Ricardo. Uma última e amarga lágrima se misturou com a chuva em seu rosto.

Seja feliz, Isa, ele pensou, as palavras uma prece silenciosa de despedida. Seja feliz com a vida que você escolheu.

Então ele entrou no carro e não olhou para trás.

            
            

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