Eu havia planejado usar esta noite para ter uma conversa real, para expor os pedaços quebrados de nossa vida e perguntar a ele se havia algo a ser salvo. Agora, isso parecia uma fantasia ingênua.
Heitor tentou fazer o papel do marido atencioso. "Lembra da nossa primeira viagem na água?", ele perguntou, servindo-me uma taça de champanhe. "Você tinha tanto medo das ondas."
Dei um sorriso fraco, entrando em sua farsa. A memória estava manchada agora, outra cena em sua longa peça.
"Você prometeu que nunca deixaria nada acontecer comigo", eu disse, minha voz suave. As palavras pairaram no ar entre nós, um lembrete de uma promessa que ele havia quebrado.
Ele não pareceu notar a acusação em meu tom. Estava muito envolvido em sua própria performance.
Tentei falar, contar a ele sobre a certidão fraudulenta, sobre as mentiras intermináveis. "Heitor, precisamos conversar sobre-"
Uma onda de tontura me invadiu. O convés do barco pareceu inclinar, as luzes de fada se transformando em um borrão vertiginoso. Minha cabeça parecia pesada, meus membros como chumbo.
"Você está bem, Alice?", Heitor perguntou, sua preocupação soando oca. "Você parece pálida. Talvez esteja apenas enjoada."
Eu sabia que não era enjoo. Olhei para a taça de champanhe em minha mão. Ele me drogou. A percepção foi um choque frio e agudo.
Minha consciência se esvaiu, o som de sua risada e da de Bárbara ecoando à distância enquanto o mundo escurecia.
Acordei em uma cabine pequena e abafada abaixo do convés. Minha cabeça latejava e minha boca estava seca. Uma raiva profunda e fria queimava através da névoa das drogas. Ele me drogou para me tirar do caminho.
Tropecei para fora da cabine, minhas pernas instáveis. Podia ouvir vivas e aplausos do convés superior. Subi as escadas estreitas, meus nós dos dedos brancos enquanto agarrava o corrimão.
Toda a equipe do COT estava no convés. Uma faixa pendia do mastro: "PARABÉNS PELA PROMOÇÃO, BÁRBARA!"
Heitor estava ao lado dela, o braço em volta de sua cintura, um sorriso orgulhoso e radiante no rosto. Isso não era um jantar romântico para nós. Era uma festa surpresa para ela. Ele havia fretado o iate, montado o cenário romântico, tudo para Bárbara.
A frieza que senti não era mais apenas emocional. Era um calafrio físico que parecia se infiltrar em meus ossos. Ele estava presenteando-a com um colar de diamantes, o mesmo que eu havia admirado na vitrine de uma joalheria semanas atrás. Ele me disse que era extravagante demais.
"À analista mais brilhante que a PF já viu", ele brindou, erguendo sua taça. "E à mulher com quem prometo passar o resto da minha vida."
O mundo inclinou novamente. Tropecei para trás, agarrando-me ao corrimão antes de cair. Eu vi tudo agora. Ele não me drogou apenas para evitar uma conversa difícil. Ele me drogou para poder pedir outra mulher em casamento.
O barulho da festa desapareceu enquanto eu voltava para a cabine. O barco, a festa, o homem que eu pensava conhecer - era tudo uma mentira. Ele drogou sua "esposa" para que ela não fosse um inconveniente em sua festa de noivado com outra mulher. A crueldade disso era monstruosa.
Mais tarde, os sons da festa diminuíram. A porta da cabine se abriu. Era Bárbara. Ela deslizou para dentro do quarto, o colar de diamantes brilhando em sua garganta.
"Ainda acordada?", ela perguntou, a voz escorrendo falsa simpatia. "Pensei que Heitor tivesse te dado o suficiente para te apagar a noite toda."
Ela me olhou, esperando ver lágrimas, me ver quebrada. Eu não lhe dei nada. Meu rosto era uma máscara em branco.
"Saia", eu disse, minha voz vazia.
"Oh, não seja assim", ela ronronou, circulando a pequena cabine. "Só vim ver como você estava. Deve ser difícil, ver o homem que você ama finalmente escolher a mulher que ele realmente quer."
Eu apenas a encarei, meu silêncio a deixando nervosa.
"O que foi, o gato comeu sua língua?", ela provocou. "Você não quer lutar por ele? Não quer me dizer que ele é seu?"
"Não me interesso pelo seu resto", eu disse, minha voz fria como gelo.
Seu rosto se contraiu, sua vitória azedando. "Você é apenas uma substituta amarga e acabada. Ele nunca te amou."
"Saia do meu quarto", eu disse, levantando-me. Abri a porta e gesticulei para que ela saísse.
Ela jogou o cabelo, tentando recuperar a compostura. "Tudo bem. Fique aí de mau humor. Ele é meu agora."
Ela saiu da cabine. Fechei a porta e deitei-me no beliche estreito. Estava cansada demais para sentir qualquer coisa além de um esgotamento profundo, até os ossos.
Sonhei com nossos votos de casamento. "Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença." Sua voz, tão sincera, tão cheia de promessas. Era tudo uma performance. Os votos eram apenas falas em um roteiro.
Lágrimas escorreram dos cantos dos meus olhos, traçando um caminho pela sujeira em meu rosto. Quão frágil é uma promessa. Quão facilmente se quebra um coração.
Acordei com Heitor sacudindo meu ombro gentilmente. "Acorda, dorminhoca", disse ele, a voz alegre.
Sentei-me, meu corpo doendo. Não conseguia nem olhar para ele.
Eu tinha que fugir. Fui ao cartório e preenchi a papelada para uma declaração de estado civil de solteira. Foi um processo frio e burocrático, mas pareceu a primeira coisa real que fiz em anos.
De volta à casa, fiz uma pequena mala. Não havia muito o que levar. A maioria das coisas na casa parecia pertencer a um estranho. Em uma gaveta, encontrei um celular antigo que não usava há anos. Eu o guardei para emergências.
Liguei-o. Uma única mensagem de texto não lida de dois anos atrás apareceu na tela. Era do meu irmão, Daniel.
"Alice, você está bem? Por que você disse que nunca mais quer me ver?"
Encarei a tela, um nó frio de pavor se apertando em meu estômago. Eu nunca enviei aquela mensagem.