"Ele só está com ciúmes, Alice", Heitor dizia, a voz cheia de falsa simpatia. "Ele não suporta te ver feliz com outra pessoa."
Eu tentei diminuir a distância, fazer as pazes entre os dois homens mais importantes da minha vida. Mas toda tentativa era sabotada. Planos eram misteriosamente cancelados. Mensagens não eram respondidas. Eu pensei que Daniel estava com raiva de mim. Nunca imaginei que fosse Heitor, me isolando sistematicamente, me cortando da única pessoa que poderia ver através de suas mentiras.
Agora, olhando para o celular antigo, rolei pelas mensagens. Havia dezenas de Daniel, cada vez mais frenéticas. "Alice, por favor, me ligue. O que eu fiz?" "Você está ignorando minhas ligações?" "Heitor te disse para fazer isso?"
E então, a resposta final e devastadora, enviada do meu número: "Eu tenho uma nova família agora. Não preciso mais de você. Perca meu número."
O telefone caiu no chão. O ar foi sugado dos meus pulmões. Heitor não apenas mentiu para mim. Ele se passou por mim. Ele destruiu deliberada e maliciosamente meu relacionamento com meu irmão.
Uma raiva incandescente, mais pura e intensa do que qualquer coisa que eu já senti, surgiu em mim. Peguei minhas chaves e saí de casa furiosa. Eu ia encontrá-lo. Ia confrontá-lo.
Seu escritório disse que ele estava no hospital. Visitando Bárbara. Claro.
Eu os encontrei na maternidade. Bárbara estava radiante, a mão repousando em sua barriga levemente arredondada. Heitor estava sorrindo, olhando para ela com uma expressão de pura adoração.
"O médico disse que é um menino", Heitor anunciou a um grupo de colegas visitantes. "Eu vou ser pai."
O mundo ficou em silêncio. Os sons do hospital se transformaram em um rugido surdo. Tudo o que eu via era o rosto sorridente de Heitor, sua mão na barriga de Bárbara. O bebê dela. O bebê deles.
"Vamos dar o nome do meu pai a ele", disse Heitor, a voz embargada de emoção. "Ele vai ser forte e corajoso, como o pai."
Fiz as contas na minha cabeça. O tempo era uma confirmação brutal e inegável. Ele a engravidou enquanto ainda estávamos "casados". Enquanto eu carregava o filho que ele havia descartado tão cruelmente.
Meu próprio filho perdido. Aquele que ele disse que "ainda não era bem uma pessoa". Lágrimas arderam em meus olhos, mas as forcei a voltar. Eu não iria desmoronar. Não aqui. Não na frente deles.
Lembrei-me do dia em que lhe disse que estava grávida. Ele sorriu, um sorriso perfeito e praticado. "Isso é maravilhoso, Alice. Uma criança é exatamente o que precisamos para completar nossa família." Outra mentira. Outra fala de seu roteiro.
A hipocrisia de tudo aquilo era tão impressionante que era quase engraçada. Eu queria rir. Queria gritar.
Virei-me e fui embora. Não havia sentido em um confronto. Ele apenas mentiria. Ele era um mestre das mentiras. E eu estava farta de ouvi-las.
Passei os dias seguintes atordoada, tentando fazer arranjos para partir, para desaparecer. Consegui um novo número e enviei uma mensagem hesitante para meu irmão, explicando tudo. A resposta foi instantânea. "Estou a caminho. Não saia daí."
Heitor estava ocupado, constantemente correndo para o lado de Bárbara, fazendo o papel do futuro pai dedicado. Usei sua ausência para planejar minha fuga.
No dia em que meu irmão deveria chegar, Bárbara apareceu na minha porta. Ela segurava uma pequena caixa de madeira primorosamente esculpida.
"Heitor disse que você talvez gostasse disso", disse ela, um sorriso presunçoso no rosto. "Ele disse que não significava mais nada para ele."
Reconheci a caixa instantaneamente. Meu pai, um médico de combate, a esculpiu para minha mãe em uma missão de paz no Haiti. Era uma das poucas coisas que me restavam deles. Eu a mostrei a Heitor uma vez, disse a ele o quanto significava para mim.
"Ele te deu isso?", perguntei, minha voz tremendo com uma raiva que eu não conseguia conter.
"Ele me dá tudo o que eu quero", disse Bárbara, seus olhos brilhando com malícia. "Ele até me deu o colar da sua mãe. Aquele do atentado. Disse que era apenas uma porcaria ocupando espaço."
Foi isso. A crueldade final e insuportável.
Eu avancei sobre ela. Arranquei a caixa de sua mão, meus dedos se fechando em torno da madeira gasta. A memória da minha mãe. O amor do meu pai. Ela ousou tocá-la, profaná-la com sua presença.
"Saia da minha casa!", gritei, meu corpo tremendo.
Ela recuou, um olhar de choque em seu rosto. Então sua expressão endureceu. Ela balançou a bolsa, me atingindo com força no rosto. O mundo explodiu em um clarão de dor.
Ela viu minha reação e seus olhos se arregalaram em terror fingido. Ela agarrou o estômago e soltou um grito agudo. "Meu bebê! Você está tentando machucar meu bebê!"
Nesse exato momento, a porta da frente se abriu. Heitor estava lá, o rosto uma nuvem de tempestade. Ele viu Bárbara no chão, agarrando o estômago, e eu de pé sobre ela, a caixa de madeira na mão. Ele não hesitou. Correu para o lado dela.
"Bárbara! Você está bem?" Ele me fuzilou com os olhos, cheios de ódio. "O que você fez, Alice?"
A dor na minha bochecha não era nada comparada à dor de sua crença instantânea e inabalável na mentira dela.
Peguei meu telefone. Minhas mãos tremiam, mas meu dedo estava firme quando disquei 190.
"Gostaria de registrar uma agressão", eu disse, minha voz fria e clara.
O rosto de Heitor se contorceu em uma máscara de fúria. "Como você ousa?", ele sibilou. "Você é quem atacou uma mulher grávida!"