Meu sangue gelou. Essa era minha outra vida. Aquela que Heitor não sabia nada. Por anos, eu trabalhei como analista de cibersegurança de alto nível para uma agência governamental clandestina, a mesma que meu pai serviu. Era um segredo que guardei por segurança, uma parte da minha vida que eu havia compartimentalizado do meu casamento "perfeito".
Outra onda de luto me invadiu. Eu mantive meu eu real e poderoso escondido para ser uma esposa solidária a um homem que me via como nada mais que um adereço.
Pensei nas mentiras constantes de Heitor, em suas manipulações. Ele me isolou de Daniel, da minha própria família, para me controlar melhor. Ele pintou meu irmão como ciumento e volátil. Tudo para esconder seu caso sórdido com Bárbara. Ele me queria fraca, dependente e sozinha.
Ele quase conseguiu.
"Preciso te ver primeiro, Daniel", eu disse, minha voz embargada por lágrimas não derramadas. "Antes de eu ir."
"Estou no aeródromo agora, Alice. Um transporte está esperando por você. Conversaremos no caminho."
Arrumei uma mochila de emergência, meus movimentos rápidos e automáticos. Quando estava prestes a sair, Heitor chegou em casa. Ele parecia exausto, mas seus olhos se iluminaram quando me viu.
"Alice", disse ele, a voz suave e gentil. "Vamos conversar. Podemos consertar isso."
"Não há nada para consertar", eu disse, minha voz fria como uma lápide.
"Do que você está falando?", ele perguntou, sua expressão mudando de confusão para raiva. "Você vai simplesmente ir embora? Depois de tudo?"
Eu ri, um som áspero e amargo. "Você está tendo um filho com outra mulher, Heitor. A que matou minha mãe. O que, exatamente, há para conversar?"
Seu rosto ficou pálido. A cor sumiu de suas bochechas. "Como você...?"
"Não importa", eu disse, passando por ele. "Nada disso importa mais."
"Estou terminando com isso, Heitor", eu disse. "Nós. O que quer que isso tenha sido. Acabou."
Ele agarrou meu braço, seus dedos cravando na minha carne. Seu rosto era uma máscara de fúria e desespero. "Não", ele rosnou. "Você não vai me deixar. Eu não vou deixar."
Ele era mais forte que eu. Ele me arrastou de volta para casa, seu aperto como ferro. Vi algo em seu bolso - uma pequena seringa. Antes que eu pudesse reagir, ele a cravou no meu pescoço.
Meu corpo ficou mole. Minhas pernas cederam. O mundo começou a desvanecer nas bordas.
"Você me pertence, Alice", ele sussurrou, sua voz uma carícia venenosa em meu ouvido enquanto carregava meu corpo inerte. "Você nunca vai me deixar."
Através da névoa das drogas, eu o ouvi no telefone com Bárbara. Sua voz era um murmúrio baixo e conspiratório.
"Está feito", disse ele. "Estou mandando ela embora. Para uma clínica particular em uma ilha remota. Ela precisa de... ajuda. Ninguém a encontrará lá."
Ele estava me enquadrando como mentalmente instável, me despachando para uma prisão disfarçada de hospital.
"Ela merece saber como é ficar trancada", a voz de Bárbara ronronou pelo telefone. "Obrigada, Heitor. Você sempre sabe como cuidar de mim."
A última coisa que me lembro foi o cheiro de sal e mar. Eu estava em um barco, o motor roncando sob mim. A costa recuava na escuridão.
"Eu virei te buscar, Alice", a voz de Heitor chamou da costa, uma promessa final e oca. "Quando você estiver melhor."
Minha mente estava enevoada, mas um pensamento queimava através da névoa. Eu tinha que ficar acordada. Cravei as unhas na palma da minha mão, a dor aguda uma âncora para me manter no chão em meio ao caos turbulento.
Você não estará me esperando, Heitor, pensei, uma certeza fria e dura se solidificando em meu coração. Porque eu não vou voltar.
Justo quando o desespero ameaçava me consumir, um helicóptero preto e silencioso desceu do céu noturno. Cordas caíram no convés, e figuras em trajes táticos escuros desceram com eficiência silenciosa e mortal.
Heitor ficou na costa, observando o barco desaparecer no horizonte. Ele agarrou o corrimão, uma única lágrima traçando um caminho pela sujeira em seu rosto. Ele parecia um homem que acabara de perder tudo.
Bárbara se aproximou por trás dele, envolvendo seus braços em sua cintura. "É para o melhor, querido", ela arrulhou.
De repente, a noite explodiu. O barco em que eu estava irrompeu em uma enorme bola de fogo, iluminando o céu. A força da explosão os jogou no chão.
Heitor se levantou cambaleando, o rosto uma máscara de horror. "ALICE!", ele gritou, sua voz um grito cru e animal de pura agonia.
O barco se foi, consumido por uma coluna de fogo e fumaça. Não restava nada além de destroços em chamas na água escura.