Helena fechou os olhos, uma onda de escuridão a invadindo. Arthur. Era sempre Arthur. A crueldade não era apenas de Karina; era dele. Ele a sancionara. Ele ordenara o assassinato do único ser vivo que já lhe mostrara amor incondicional nesta casa.
Ela se lembrou de trazer Sketch para casa, uma bolinha de pelos. Arthur parecera divertido, até mesmo acariciando seu pelo macio uma vez. Ele a observara brincar com o gatinho, um sorriso pequeno e indecifrável no rosto. Era tudo mentira. Cada momento era uma mentira.
Ela se arrastou para fora da cama, sua mente gritando. Ela tinha que ver. Tinha que ter certeza. Tropeçou em direção à porta, uma necessidade desesperada e visceral de encontrar a caminha de Sketch, sua tigela de comida, qualquer coisa.
Ao passar por Karina, a outra mulher esticou o pé. Helena, fraca e desorientada, caiu de cara no chão. Os restos da tigela de sopa se estilhaçaram ao seu redor, seu conteúdo espirrando no caro tapete branco.
Naquele exato momento, Arthur entrou no quarto. Ele avaliou a cena de relance: Helena no chão em meio à bagunça, e Karina parada por perto, uma única gota de líquido quente em seu vestido impecável.
"Arthur!", gritou Karina, correndo para o seu lado. "Eu estava apenas tentando dar a sopa para a Helena, mas ela a jogou em mim! Ela disse... ela disse que desejava que fosse o meu sangue."
Helena se levantou, seus olhos selvagens de dor e raiva. "Você matou meu gato", ela gritou para ele, sua voz rouca. "Você disse a ela para matar o Sketch!"
O rosto de Arthur era uma nuvem de tempestade. "Não tenho ideia do que você está falando", disse ele, sua voz pingando impaciência. Ele voltou sua atenção para Karina, limpando a mancha em seu vestido com seu lenço. "Outro chilique. Está ficando tedioso."
Ele então olhou de volta para Helena, seus olhos tão frios quanto um mar de inverno. "Limpe isso", ordenou ele às empregadas. "E faça-a beber até a última gota."
Ele então envolveu um braço nos ombros de Karina e a levou para fora do quarto, murmurando confortos apenas para os ouvidos dela.
As empregadas arrastaram Helena para seus pés e a forçaram a se ajoelhar em frente ao derramamento. Elas pegaram a mistura nojenta e morna do tapete e a forçaram em sua boca. Ela engasgou, teve ânsias e vomitou, seu corpo se rebelando contra o horror. As empregadas a seguraram até o chão ficar limpo, seus rostos impassíveis.
Ela passou a hora seguinte vomitando no vaso sanitário, seu corpo abalado por espasmos, até que não restasse nada dentro dela além de uma dor oca e ardente.
Quando o vômito finalmente cessou, ela deitou no chão frio do banheiro, mole e quebrada. Seu celular escondido, enfiado na cintura de seus jeans, vibrou. Ela o procurou com as mãos trêmulas. Era Breno.
"Está na hora", sua voz era calma e firme, uma tábua de salvação no caos. "Você está pronta para pegar o que eu preciso?"
"Sim", sussurrou Helena, sua voz um arranhão seco. A última gota de esperança se fora. Não havia mais nada a perder.
"A transação ainda é válida?", ela perguntou, precisando ouvir mais uma vez.
"Minha palavra é minha garantia, Helena", disse ele. "Me dê o arquivo, e você nunca mais terá que vê-lo."
Ela se levantou, usando a pia como apoio. Cada músculo doía. Ela olhou para seu reflexo no espelho. Seu rosto estava pálido e manchado de lágrimas, seus olhos encovados. Mas sob a dor, uma nova expressão se formava. Uma determinação fria e dura.
Ela saiu do quarto e desceu o corredor até o escritório de Arthur. A porta estava ligeiramente entreaberta. Ela espiou para dentro. Arthur estava sentado no sofá, e Karina estava aninhada ao seu lado, a cabeça em seu ombro. Ele estava limpando um arranhão minúsculo, quase invisível, em seu braço com um lenço antisséptico, seu toque impossivelmente gentil.
"Ainda dói?", ele murmurou, sua voz tingida de uma ternura que fez o estômago de Helena se contrair.
"Um pouco", gemeu Karina. "As unhas da Helena são tão afiadas."
A mão de Helena se fechou em um punho. Aquela gentileza amorosa... ele a mostrara a ela uma vez. Após o acidente de carro, quando a encontrara no hospital, ele segurara sua mão daquele jeito, seu rosto uma máscara de preocupação. Ela pensara que ele a amava.
Ela não era apenas uma substituta. Era um boneco de ensaio. Ele ensaiara seu amor nela, aperfeiçoara seus toques gentis e olhares preocupados, tudo para Karina.
Karina deve ter sentido sua presença. Ela olhou para cima, seus olhos encontrando os de Helena pela fresta da porta. Um sorriso lento e cruel se espalhou por seu rosto.
"Arthur", disse ela suavemente, "a Helena está aqui. Acho que ela quer se desculpar."
Arthur olhou para cima, sua expressão imediatamente endurecendo para uma de frio desprezo. "O que você quer?"
"Você não passa de um animal de estimação que eu mantenho", disse ele, sua voz cortando-a. "E um desobediente, ainda por cima. Não esqueça seu lugar de novo, ou da próxima vez, não será apenas o seu gato."
A ameaça pairou no ar, pesada e sufocante. Helena sentiu seu corpo balançar.
Karina riu e puxou Arthur em direção a uma pequena sala de estar privativa conectada ao escritório. "Vamos, Arthur. Não deixe que ela estrague nossa noite."
A porta da sala de estar se fechou com um clique. Helena ficou congelada por um momento, o insulto ecoando em seus ouvidos. Então, ela se moveu.
Ela sabia exatamente o que procurar. Breno descrevera uma pasta azul, escondida em um compartimento secreto atrás de uma fileira de livros de direito. Enquanto procurava, ouviu sons abafados da sala de estar. Uma risadinha suave de Karina, um murmúrio baixo de Arthur.
Suas mãos tremiam enquanto ela puxava os livros. Seus dedos se atrapalharam para encontrar o trinco escondido. Os sons do outro cômodo se tornaram mais distintos, mais íntimos.
Helena apertou os olhos, tentando bloqueá-los. Sua mente parecia estar se partindo em duas. Uma metade gritava em agonia, enquanto a outra era uma máquina fria e focada, concentrada em sua tarefa. Ela não conseguia se concentrar. Os sons eram um lembrete constante e atormentador de seu lugar nesta casa.