Grávida do Mafioso
img img Grávida do Mafioso img Capítulo 1 Três dias
1
Capítulo 6 Entre Fantasmas e Vestidos img
Capítulo 7 À Mesa com o Don img
Capítulo 8 O Reencontro img
Capítulo 9 O Orgulho dos Zaitsev img
Capítulo 10 A Ponte Dourada img
Capítulo 11 Pétalas e Pólvora img
Capítulo 12 A Casa Que Não Tem Endereço img
Capítulo 13 O preço do sangue img
Capítulo 14 Entre paredes que respiram img
Capítulo 15 Vigília img
Capítulo 16 Café em casa sem endereço img
Capítulo 17 O que cabe num sim sussurrado img
Capítulo 18 A força que não cabe em lençol img
img
  /  1
img
img

Grávida do Mafioso

Noyam
img img

Capítulo 1 Três dias

Narrado por Luísa Andrade

Eu jurava que nunca mais ia sorrir.

Depois que o mundo arrebentou as costuras da minha vida, depois do assalto, dos tiros, das sirenes e do zíper fechando o corpo do meu marido... e, pior, o lençol pequeno demais cobrindo a minha filha, eu tinha certeza de que todos os sorrisos tinham ficado enterrados com eles.

Mas eu estava ali, na poltrona branca de uma clínica silenciosa, com as mãos espalmadas no ventre, e o coração batendo como se quisesse me sacudir de volta para a vida.

**Dra. Tatiana:** Parabéns, Luísa. O beta HCG deu positivo. Você está grávida.

A voz dela veio macia, limpa, quase um fio de luz entrando por uma janela esquecida. Eu só conseguia olhar para o papel com os números, como se aqueles dígitos pudessem saltar e me abraçar.

**Luísa:** Eu... é real?

**Dra. Tatiana:** É real. A partir de hoje, começamos suplementos, o pré-natal, e em duas semanas o ultrassom. Vai dar tudo certo.

Eu balancei a cabeça e não respondi, porque a lágrima já tinha escapado. Não chorei alto. Só deixei que ela caísse, quente, lavando por dentro um lugar que eu achava que tinha virado pedra.

A médica continuou explicando horários, vitaminas, sinais de alerta. Metade eu ouvi. A outra metade ficou presa no mesmo pensamento: *segunda chance*. Eu abracei esse pensamento como quem abraça a última bóia em alto-mar.

Saí da clínica com o envelope contra o peito. Do lado de fora, uma garoa fina. Parecia que a cidade sussurrava: *calma, respira*. Entrei no ônibus apertado, sentei na janela e fiquei sorrindo sozinha, com medo de espantar o milagre se eu fizesse barulho demais.

Em casa, encostei as costas na porta e deslizei até o chão, rindo e chorando ao mesmo tempo.

**Luísa:** Vai dar certo, meu amor. Agora vai.

Acariciei o ventre. Eu não sabia de onde tirar forças, mas sabia por quem eu ia tirar.

---

Na outra metade da cidade, em um prédio sem placa, um homem nascido para mandar apertava os dedos na borda da mesa até os nós ficarem brancos.

Mikhail Orlov - o nome que fazia criminosos mudarem de calçada e políticos falarem baixo,ouviu, sem mover um músculo do rosto, o diretor da clínica privada gaguejar sobre uma falha no banco de material genético.

**Diretor:** Houve uma troca... é... um erro no lacre. A amostra destinada à sua noiva não foi a que usamos. A sua amostra... foi implantada em outra paciente.

Kira Zaitseva, a noiva de vitrine, gelou ao lado. O salão de mármore, o buquê de flores caras, as joias - tudo ficou pequeno.

**Kira:** Isso é absurdo! Misha, diga alguma coisa!

Ele não respondeu. Só virou a cabeça milímetros, como um lobo que fareja o vento antes de morder.

**Mikhail:** Nome.

**Diretor:** Eu... não posso. Sigilo.

O silêncio durou o tempo de um suspiro. Depois veio o estampido. Não teve grito, só o corpo desabando, o sangue espalhando em pétalas no mármore claro.

**Mikhail:** Nome.

O assistente trouxe uma pasta com mãos que tremiam. Mikhail leu. E as letras simples de um nome desconhecido se gravaram na pedra do destino dele.

**Mikhail:** Luísa Andrade.

Kira tentou segurar o braço dele. Ele se soltou com um gesto breve.

**Kira:** E o nosso casamento?

**Mikhail:** Cancelado.

**Kira:** Você não pode!

**Mikhail:** Posso tudo. E vou fazer o necessário.

Ele saiu do salão como quem fecha uma guerra no bolso. Quem viu, fez o sinal da cruz.

---

No dia seguinte, eu estava passando café quando a campainha tocou. O som cortou o ar. Não era hora de entrega. Nem de vizinho.

Abri. O corredor do prédio pequeno parecia menor com ele parado ali.

Alto. Terno escuro impecável. Olhos de um cinza que eu nunca tinha visto. Dois homens atrás, do tipo que não pisca.

**Mikhail:** Luísa Andrade?

**Luísa:** Quem quer saber?

Ele ergueu uma pasta. Eu reconheci o timbre do papel, o carimbo da clínica, a assinatura da Dra. Tatiana. Senti o estômago virar.

**Mikhail:** Precisamos conversar.

**Luísa:** Você não pode entrar- Ei!

Ele entrou. Não pediu licença. Caminhou pela minha sala simples como se ela já fosse dele. Eu fechei a porta num reflexo, me colocando entre ele e a cozinha, entre ele e minhas fotos na estante.

**Mikhail:** Parabéns pela gestação.

**Luísa:** Quem é você?

**Mikhail:** Mikhail Orlov.

O nome bateu. Não porque eu conhecesse o rosto, mas porque todo mundo conhece um rumor. Eu, que moro num bairro onde a vida dobra a esquina de noite, sabia o peso daquele sobrenome.

**Luísa:** O que você quer?

**Mikhail:** O que é meu.

Eu ri pelo nariz, derrubando a máscara do medo com a cara de quem já não tem nada a perder.

**Luísa:** Nada nessa casa é seu.

Ele pousou a pasta sobre a mesa de madeira. Abriu. Fotos, documentos, uma cadeia de rastros que eu nem sabia que existia. A assinatura do banco de material, o lacre, o relatório. Minha ficha, meu nome, meus números. A palavra *erro* repetida como um soco.

**Mikhail:** O material genético usado no seu procedimento é meu. Fui traído por quem deveria resguardar isso. Corrigi a falha. Agora corrijo o destino.

**Luísa:** Corrigir? Como? Arrancando um bebê de dentro de mim?

Mikhail me encarou, e pela primeira vez algo que não era gelo passou por aquele olhar.

**Mikhail:** Não sou um ladrão de crianças, Luísa.

**Luísa:** Não? Então por que você está aqui invadindo minha casa?

**Mikhail:** Porque minha herança está no seu ventre. E porque eu não deixo o meu sangue ao acaso.

**Luísa:** Eu perdi tudo no dia em que dois moleques armados decidiram matar por um celular. Meu marido e a minha filha viraram estatística. Eu fiquei. E resolvi que ia tentar outra vez. Com meu dinheiro, meu corpo, meu luto. Esse bebê é o que me resta. Você não vai levar.

Fiquei de frente para ele, a mão no ventre, gesto automático, instintivo, feroz.

**Mikhail:** Não vim levar. Vim definir.

**Luísa:** Definir o quê?

**Mikhail:** Seu sobrenome.

Eu ri de novo, sem humor.

**Luísa:** Isso é algum tipo de piada?

**Mikhail:** Em três dias, você será minha esposa.

A palavra *esposa* ficou vibrando no ar da minha sala simples como uma blasfêmia.

**Luísa:** Eu nem te conheço.

**Mikhail:** Vai conhecer.

**Luísa:** Eu não-

Mikhail ergueu a mão, apenas um centímetro, e os dois homens atrás dele se endireitaram com um sincronismo que dava medo. Ele não precisou ameaçar para eu entender que não era um pedido.

**Luísa:** Você não pode me obrigar.

**Mikhail:** Posso te apresentar alternativas piores.

Eu respirei fundo, batendo de frente.

**Luísa:** Eu já vi o pior. E ainda estou aqui.

**Mikhail:** Então vamos falar de termos. Você fica sob a minha proteção. Segurança total. Acompanhamento médico do melhor que existe. Nada te toca. Em troca, você assina o casamento civil e o acordo pré-nupcial. Nome, filiação, herança. O filho nasce com tudo que lhe é devido.

**Luísa:** Você acha mesmo que pode comprar tudo?

**Mikhail:** Eu não compro você, Luísa. Eu estabeleço.

Ele disse do jeito que quem vive cercado de cercas elétricas e homens armados diz *bom dia*. Eu engoli a vontade de mandar ele para o inferno. Não por medo. Por estratégia. A cabeça latejava, e eu sabia que qualquer passo errado podia custar mais do que orgulho.

**Mikhail:** Três dias. Meu advogado virá amanhã com os papéis. À tarde, uma equipe avaliará a segurança do prédio. À noite, você se muda.

**Luísa:** Eu não vou a lugar nenhum.

**Mikhail:** Vai. Porque eu não confio a minha herança a portas de MDF.

**Luísa:** Não é "sua herança". É meu filho.

**Mikhail:** É nosso. E eu pretendo estar presente desde o primeiro ultrassom.

Houve uma coisa estranha naquele "nosso". Não era carinho. Não era consolo. Era compromisso - e o compromisso dele vinha com armas.

Eu dei um passo. Ele deu outro, encurtando o espaço. O perfume dele era frio. O olhar, mais frio ainda.

**Mikhail:** Você perdeu gente que amava. Eu não subestimo sua dor. Mas você vai usar a sua dor para o quê? Para lutar contra mim... ou para garantir que nada nunca mais toque o seu filho?

Eu odiei a forma como a palavra *garantir* acendeu uma parte minha que andava apagada.

**Luísa:** Você matou alguém por causa disso?

**Mikhail:** Corrigi uma falha.

**Luísa:** Isso é um "sim".

**Mikhail:** É um aviso.

Eu respirei, longa, pesadamente, e olhei para a foto da minha filha pequena na estante. Um sorriso de dente de leite e cabelo preso torto.

**Luísa:** Você disse três dias.

**Mikhail:** Três.

**Luísa:** E se eu disser não?

**Mikhail:** Você é livre para dizer não a mim. Não é livre das consequências do mundo. E ele é menos piedoso do que eu.

A raiva subiu, queimando, pedindo briga. Mas eu aprendi a guardar a briga para quando ela vence. O que eu precisava agora era informação.

**Luísa:** Amanhã. O advogado. Eu escuto.

Mikhail assentiu uma vez. Quase imperceptível. E foi até a porta.

**Mikhail:** Hoje à noite, uma equipe vem retirar você. Traga documentos. O resto, mandamos buscar.

**Luísa:** Eu não vou sair daqui à noite com homens estranhos.

**Mikhail:** Eu mesmo venho.

Ele abriu a porta. Parou com a mão na maçaneta e me olhou por cima do ombro.

**Mikhail:** Compre um vestido. Vermelho. Eu gosto de anúncios que o mundo entende.

**Luísa:** Eu não sou um anúncio.

**Mikhail:** Ainda não.

A porta se fechou. O silêncio pesou. Eu fiquei em pé, de frente para nada, as mãos tremendo sem tremer, o coração feito tambor.

Sentei no sofá. Peguei o celular. Abri o contato da Dra. Tatiana. Fechei. Liguei para ninguém. Desliguei. Me vi no reflexo do vidro da estante: olheiras antigas, um brilho novo que me irritou por existir.

**Luísa:** Três dias...

Fui até o quarto e puxei a caixa onde guardo o pouco que sobrou deles: a pulseirinha do hospital da minha filha, a aliança amarrotada do meu marido, as fotos que eu não consigo olhar sem querer gritar. Segurei as três coisas ao mesmo tempo. Fiquei ali, em pé, entendendo que "lutar até o fim" talvez tivesse mudado de forma.

O interfone tocou. Eu quase pulei.

**Porteiro:** Dona Luísa, chegou uma entrega.

**Luísa:** Eu não pedi nada.

**Porteiro:** É uma... caixa. Grande.

Desci para buscar. A caixa tinha meu nome escrito à mão. Levei para a sala e abri com cuidado. Dentro, papel de seda, e sob o papel... um vestido. Vermelho. Caimento perfeito. E um cartão, seco como quem assina um decreto:

**"Para o anúncio. – M.O."**

Eu segurei o tecido entre os dedos, com raiva por ele ser lindo. E jurei, com toda a força que sobrou em mim, que, se eu fosse subir naquele altar, iria com o que é meu: a minha voz.

**Luísa:** Três dias, Mikhail Orlov. Vamos ver quem define quem.

Acariciei o ventre. O bebê não respondeu, claro. Mas por dentro, algum lugar disse *estou ouvindo*. E isso bastou para eu me manter de pé.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022