"Eu não a quero! Quero que ela suma! Fora! Fora!", Evelyn gritou, apontando um dedo trêmulo para mim. Ela era como uma criança mimada fazendo birra.
Bernardo me lançou um olhar de puro gelo. "Você a ouviu", ele me disse, sua voz seca. Ele então se virou para os dois seguranças enormes parados perto da porta. "Tirem-na da minha casa."
Não tive tempo de reagir antes que os guardas agarrassem meus braços. Eles foram rudes, seus dedos cravando na minha pele enquanto me arrastavam para fora do quarto, pela grande escadaria e para fora da porta da frente.
Eles me empurraram para a entrada de cascalho e bateram a porta atrás de mim.
O ar frio da noite me atingiu como um tapa. Eu estava em uma colina remota, a quilômetros da cidade, sem carro e sem sinal de celular. O vento açoitava meu vestido fino, e comecei a tremer.
Não havia nada a fazer a não ser andar.
Comecei a descer a longa e sinuosa estrada, meus sapatos de festa apertando meus pés. Cada passo era uma nova onda de agonia, tanto física quanto emocional.
Uma memória surgiu, sem ser convidada. Um ano atrás, Bento e eu tínhamos feito uma trilha não muito longe daqui. Eu tropecei e torci o tornozelo. Sem uma palavra, ele se agachou, insistindo em me carregar de volta até a caminhonete. Suas costas eram quentes e fortes.
"Eu sempre estarei aqui para te segurar, Lice", ele sussurrou, seu hálito quente contra minha orelha. "Sempre."
Tropecei em uma pedra solta, meus joelhos batendo com força no asfalto. A dor aguda me trouxe de volta ao presente.
Aquele homem, Bento, se foi. Talvez ele nunca tenha realmente existido. O amor que ele me mostrou, as promessas que fez - pertenciam a um fantasma, um homem sem memória. Bernardo Lacerda se lembrava de tudo, e ele escolheu me esquecer.
A percepção foi uma pedra fria e dura no meu estômago. Acabou. Completa e totalmente acabado.
Levantei-me, minhas mãos arranhadas e sangrando, e continuei minha longa e solitária caminhada montanha abaixo. Lágrimas escorriam pelo meu rosto, congelando no ar frio.
Quando cheguei à estrada principal e consegui parar um táxi, o sol estava começando a nascer.
Entrei no meu apartamento, o lugar que tinha sido nosso lar, e parecia uma tumba.
A primeira coisa que fiz foi ligar meu notebook. Preenchi os formulários de imigração para a Europa, meus dedos voando pelo teclado. Eu precisava sair. Precisava escapar desta cidade, desta vida, desta dor.
Então liguei para minha clínica e pedi demissão, com efeito imediato. Disse a eles que era uma emergência familiar.
Meu telefone tocou enquanto eu fazia uma mala. Era um número desconhecido. Quase ignorei, mas algo me fez atender.
"Alice."
A voz de Bernardo. Fria e imperiosa.
"Preciso que você vá ao Hotel Palácio Tangará. Pegue um vestido para a Evelyn. É para a gala da família Lacerda hoje à noite."
Não era um pedido. Era uma ordem. Ele estava me tratando como uma garota de recados.
"Bernardo", eu disse, minha voz perigosamente baixa. "Você e eu acabamos. O contrato está sendo redigido. Não tenho nenhuma obrigação com você ou sua noiva."
Ele riu, um som baixo e ameaçador. "Você se esqueceu da caixinha de música do seu pai? É uma coisinha frágil. Seria uma pena se algo... acontecesse com ela."
A ameaça pairava no ar, densa e sufocante.
"E já que está nisso", ele acrescentou, "você vai pedir desculpas à Evelyn por tê-la aborrecido ontem à noite."
Meu sangue gelou. "Pedir desculpas? Pelo quê?"
"Por existir", disse ele, sua voz pingando desprezo. "Esteja lá em uma hora." Ele desligou antes que eu pudesse dizer outra palavra.
Fiquei ali, tremendo com uma raiva tão profunda que me deixou sem fôlego. Mas a ideia da caixinha de música do meu pai, a última peça dele, sendo destruída por este monstro... eu não podia suportar.
Vesti um casaco e fui para o hotel.
A suíte ficava no último andar. A porta estava entreaberta. Empurrei-a e entrei, minha mão agarrando a alça da minha bolsa.
E então ouvi suas vozes do quarto.
Congelei, escondendo-me atrás de uma grande planta decorativa na entrada.
"Foi apenas um acidente, meu amor", Bernardo dizia, sua voz tingida de uma doçura melosa que me enjoava. "Meus dois anos de amnésia... encontrá-la, casar com ela... foi tudo um erro. Um desvio infeliz no meu caminho de volta para você."
"Mas você esteve com ela!", a voz de Evelyn era um gemido agudo. "Você a tocou!"
"Apenas uma vez, depois que minha memória voltou", ele disse rapidamente. "E eu juro, pensei que era você. Fui drogado em uma reunião de negócios, estava desorientado. Quando acordei ao lado dela, saí imediatamente. Ela não significa nada para mim, Evelyn. Absolutamente nada. Já a paguei para desaparecer. Você nunca mais terá que vê-la, eu prometo."
Uma mentira. Uma mentira cruel e calculada para se proteger. Naquela noite, ele tinha voltado para casa e feito amor comigo com uma paixão desesperada que eu confundi com amor.
"Sério?", Evelyn perguntou, sua voz suavizando.
"Sério", ele confirmou. "Agora, venha aqui. Senti tanto a sua falta."
Ouvi o farfalhar de lençóis, um gemido suave de Evelyn.
"Bernardo, pare... a prova do vestido...", ela riu.
"A prova pode esperar", ele murmurou, sua voz grossa de desejo. "Eu quero você. Agora."
"Você é tão mau", ela ronronou. "O que você vai fazer com aquela mulher? Aquela que você chamou? Como devemos puni-la?"
Houve uma pausa, então a voz de Bernardo, sombria e indulgente. "O que você quiser, meu amor. O que te fizer feliz."