"Vai acabar logo, Alina", ele disse, como se estivesse confortando uma criança assustada. "Prometo, não vai doer."
Um celular no balcão vibrou. Era o meu. Uma notificação do meu banco. Os cinquenta milhões de reais haviam sido depositados. O divórcio era final.
Eu estava livre. E estava presa.
A ironia era uma pílula amarga. Eu tinha os meios para escapar, mas estava prestes a ser sedada, desfigurada e aprisionada em um novo rosto que não escolhi.
Eles empurraram a maca em direção à sala de cirurgia. As luzes brilhantes do corredor se tornaram um borrão acima de mim.
"Caio, por favor", sussurrei uma última vez, a luta se esvaindo de mim.
Ele se inclinou, o rosto perto do meu. "Este é o único jeito", disse ele.
O anestesista se aproximou com uma máscara. Virei a cabeça, um último e fútil ato de desafio. A última coisa que vi antes que a máscara cobrisse meu rosto e o mundo se dissolvesse na escuridão foi a lágrima silenciosa e constante que escapou do meu olho e traçou um caminho através das marcações cirúrgicas que ele havia desenhado na minha bochecha.
Fiquei em um torpor drogado por dias. Quando finalmente acordei, minha cabeça era uma bola latejante de dor. Meu rosto estava completamente envolto em ataduras. Eu estava cega, surda e muda atrás de uma parede de gaze.
Eu havia perdido minha chance. O dinheiro estava na minha conta, mas minha identidade se fora. A foto do meu passaporte não corresponderia a este rosto novo e desconhecido. Eu estava presa nesta cidade, nesta vida, com ele.
Ele veio me ver, claro. Sentou-se ao lado da minha cama, falando sobre nosso "novo começo". Ele descreveu o rosto que me dera. "Simples. Comum. Ninguém nunca mais vai te confundir com ela."
Ele me disse que estava planejando uma coletiva de imprensa para revelar minha cirurgia "restauradora", para mostrar ao mundo como ele havia "curado" minha obsessão.
Eu não respondi. Permaneci em silêncio, uma múmia em uma cama de hospital. Meu silêncio o perturbava, mas ele não se importava. Estava ocupado demais visitando Jade, que estava tendo uma "recuperação milagrosa" agora que sua "algoz" havia sido neutralizada.
No dia em que as ataduras estavam programadas para serem retiradas, eu sabia que era minha única chance. Naquela manhã, uma mensagem de texto confirmou que meu divórcio estava legalmente finalizado. Ele não tinha mais poder sobre mim.
Naquela noite, quando a enfermeira entrou com minha medicação, fingi tomá-la, escondendo os comprimidos debaixo da língua. Assim que ela saiu, cuspi-os. Minha mente estava clara pela primeira vez em dias.
Esperei até o andar ficar quieto. Então, balancei minhas pernas para fora da cama. Meu corpo estava fraco, mas minha vontade era de puro ferro. Arranquei o soro do meu braço, ignorando a picada aguda. Vesti as roupas que havia guardado no meu armário.
Com o rosto ainda envolto em ataduras, eu parecia um monstro. Mas não me importei. Saí sorrateiramente do meu quarto e escapei por uma saída de serviço.
O ar frio da noite atingiu minha pele. Eu estava livre. Chamei um táxi e fui direto para o aeroporto. Eu tinha uma passagem para o primeiro voo, para uma cidade pequena e remota que escolhi ao acaso.
Mas no portão de segurança, meu pesadelo se tornou realidade. O agente da segurança aeroportuária olhou do meu rosto enfaixado para a foto do meu passaporte - o rosto de Jade Sales - e balançou a cabeça.
"Senhora, não posso deixá-la passar. Isso não corresponde."
O pânico arranhou minha garganta. Tentei explicar, mas minha voz era um sussurro rouco. A fila atrás de mim ficou inquieta.
O avião para minha nova vida estava embarcando. Eu podia ouvir a chamada final. Observei a porta do portão de embarque se fechar. Estava acabado. Eu estava presa.
Afastei-me cambaleando do portão, desabando em um banco. Soluços sacudiam meu corpo, cada um enviando uma nova onda de dor pelo meu rosto em cicatrização. As lágrimas encharcaram a gaze. Eu era uma prisioneira na minha própria pele, em uma cidade que tentara me destruir.
"Alina?"
Eu ergui o olhar. Era Heitor Nunes. Ele estava parado na minha frente, o rosto gravado com preocupação.
"O que aconteceu com você?", ele perguntou, a voz gentil.
Eu não conseguia falar. Apenas apontei para o meu rosto, para o portão de embarque se fechando, e chorei.
Ele não fez mais perguntas. Apenas pegou meu braço.
"Venha comigo", ele disse. "Vou te tirar daqui."
Ele me levou pelo terminal de aviação particular até um jato elegante que esperava.
"Para onde vamos?", sussurrei enquanto embarcávamos.
"Para um lugar seguro", ele disse. "Um lugar onde você possa se curar."
Enquanto o jato taxiava pela pista, olhei pela janela para as luzes brilhantes de São Paulo. Era a cidade dos meus sonhos, a cidade que me construiu e depois me reduziu a cinzas.
Eu estava deixando tudo para trás. Meu passado, minha dor, o homem que tentou me apagar.
Eu estava voando em direção a um futuro desconhecido, com um estranho que me salvara duas vezes. Pela primeira vez em muito tempo, senti um lampejo de algo que pensei ter perdido para sempre: esperança.