Uma manhã, recebi uma ligação. Era o mordomo de Arthur. "Srta. Mendes, o Sr. Monteiro solicita sua presença na propriedade principal da família."
Uma sensação de mau presságio me invadiu. Eu não o via há semanas.
No momento em que entrei no grande hall da mansão Monteiro, uma ardência aguda explodiu na minha bochecha.
Isabela tinha me esbofeteado. Forte.
A força do golpe me fez cambalear para trás. Minha bochecha queimava, mas a dor era distante, ofuscada pelo pavor gelado em meu coração.
"Para que foi isso?", perguntei, minha voz firme apesar do choque.
"Sua ladra!", ela gritou, o rosto uma máscara de fúria. "Você roubou o colar de esmeraldas da minha mãe! Aquele que o Arthur me deu!"
Eu a encarei, confusa. Eu nunca tinha visto aquele colar na minha vida, exceto nas fotos em sua caixa secreta. "Eu não sei do que você está falando."
"Mentirosa!" Ela me esbofeteou de novo, na outra bochecha. Desta vez, eu vi chegando, mas não me movi.
Sangue escorreu do canto do meu lábio. Senti o gosto de cobre.
"Arthur! Olhe para ela! Ela nem está negando!" Isabela correu para Arthur, que estava de pé perto da lareira, observando a cena se desenrolar com um distanciamento frio. Ela se jogou em seus braços, soluçando dramaticamente. "Aquela foi a última coisa que minha mãe me deu antes de falecer! Como ela pôde fazer isso?"
Ele acariciou o cabelo dela, murmurando palavras de conforto que eu nunca ouviria. Seus olhos, no entanto, estavam fixos em mim. Eram duros e implacáveis como granito.
"Isabela quer que você seja punida", disse ele, sua voz monótona. "Ela quer que você se ajoelhe no caminho de cascalho lá fora, na chuva, até que ela te perdoe."
Era um dia frio e chuvoso. A temperatura estava caindo. Minha ferida da bala não havia cicatrizado completamente.
Olhei para ele, procurando por um sinal, qualquer sinal, de que ele não acreditava nela. Mas não havia nada. Apenas indiferença vazia. Ele era um juiz que já havia proferido a sentença.
"Tudo bem", eu disse. Minha voz era baixa, mas firme.
Saí da casa, para a chuva torrencial. Ajoelhei-me no cascalho afiado, as pequenas pedras cravando em meus joelhos.
Antes de me acomodar completamente, virei a cabeça e olhei para eles através da grande janela de vidro.
"Sabe, Isabela", eu disse, minha voz se sobrepondo ao som da chuva. "A antiga Laura teria implorado por misericórdia. Ela teria chorado e jurado sua inocência."
Os soluços falsos de Isabela pararam. Ela olhou para mim, seus olhos cheios de ódio.
"A antiga Laura era fraca", continuei. "Ela era uma garota que chorava quando se machucava. Uma garota que implorava por um pingo de afeto."
Lembrei-me de uma vez, no início, quando falhei em um exercício de treinamento. Eu chorei de dor e exaustão. Arthur me encontrou.
"Lágrimas são para os fracos", ele disse, sua voz tingida de desprezo. "Se você quer ficar ao meu lado, você se torna forte. Você se torna inquebrável."
Então eu fiz. Parei de chorar. Aprendi a engolir minha dor. Aprendi a ser a arma que ele queria que eu fosse.
"Eu implorei para que você me visse", sussurrei para o homem atrás do vidro, embora ele não pudesse ouvir. "Eu implorei para que você olhasse para mim, apenas uma vez, como uma pessoa."
A chuva me encharcou até os ossos. O frio se infiltrou no meu corpo, uma dor profunda e arrepiante. Meus joelhos estavam em chamas.
Através da janela, eu podia ver Arthur levando Isabela para a sala de jantar. Ele estava com o braço em volta dela. Eles estavam rindo. Ele puxou uma cadeira para ela, seus movimentos cheios de uma ternura que ele nunca me mostrou.
Lembrei-me de todas as vezes que treinei na chuva congelante, levando meu corpo ao limite, apenas para ser digna de estar atrás dele. Lembrei-me da dor, da exaustão, da crença de que meu sofrimento um dia seria reconhecido.
Ele nunca notou. Sua gentileza era reservada para apenas uma pessoa. E não era eu.
Um sorriso amargo tocou meus lábios. Como eu fui tola.
Eu não fui feita para ser querida. Fui feita para ser quebrada.
Mas algo dentro de mim havia mudado. A dor ainda estava lá, mas era diferente. Não era mais a dor de uma garota de coração partido. Era a raiva fria e dura de uma mulher que não tinha mais nada a perder.
Eu vou me ajoelhar. Vou suportar este castigo.
Mas esta é a última vez.
A partir deste dia, viverei para mim mesma.