Uma noite, ele apareceu no meu pequeno quarto nos alojamentos da equipe. Foi a primeira vez que ele veio aqui.
Ele olhou ao redor do quarto vazio, uma carranca no rosto. "O que você tem feito?", ele perguntou, como se minha vida fora de seu serviço fosse um mistério que ele tinha o direito de resolver.
"Meu trabalho", respondi, minha voz monótona.
Ele ignorou minha frieza. Ele estava segurando uma caixa preta e elegante. "Eu tenho um presente para você."
Meu coração, contra meu bom senso, deu um pequeno e estúpido palpitar. Ele nunca me dera um presente antes.
Ele me entregou a caixa. Eu a peguei, meus dedos traçando a superfície lisa. Minha mente piscou para o calendário. Amanhã era o aniversário do dia em que ele me contratou. O dia em que ele me deu o nome "Laura".
Por três anos, eu me apeguei a esta data, uma celebração secreta e patética. Eu comprava um pequeno cupcake para mim e desejava um futuro que nunca viria.
Talvez ele se lembrasse. Talvez isso fosse um sinal.
A esperança é uma coisa teimosa e tola.
Abri a caixa. Dentro, aninhado em veludo preto, não havia uma joia ou um sinal de apreço.
Era um conjunto de equipamentos de corrida de alta tecnologia. Um capacete, luvas e um traje à prova de fogo. Tudo em um tom marcante de vermelho carmesim.
A cor favorita de Isabela.
Eu encarei o equipamento, minha garganta de repente apertada.
"Haverá uma corrida de caridade amanhã", disse Arthur, sua voz casual, como se estivesse discutindo o tempo. "Isabela deveria participar, mas ela não está se sentindo bem. Um pouco de resfriado."
Ele olhou para mim, seus olhos vazios de emoção. "Você vai tomar o lugar dela."
A corrida era notoriamente perigosa. Uma corrida de rua ilegal de alta velocidade por estradas de montanha traiçoeiras. No ano passado, um piloto morreu.
"Ela não pode desistir agora. É para uma grande instituição de caridade, e nossa empresa é a principal patrocinadora", ele continuou. "Você vai usar isso. O capacete vai cobrir seu rosto. Todos vão pensar que é ela."
A voz de Isabela veio da porta. Ela estava encostada no batente, um olhar presunçoso no rosto. Ela não estava doente de forma alguma.
"Não arranhe meu carro, Laura", disse ela com um ronronar. "É uma edição limitada. E tente não morrer. Seria um incômodo ter que limpar a bagunça."
Arthur olhou para ela, um sorriso suave nos lábios. "Não se preocupe, meu amor. O carro ficará bem."
Substituível.
A palavra pairava no ar entre nós.
"A corrida é amanhã, senhor", eu disse, minha voz mal audível. "É o nosso..."
Não consegui terminar a frase. Nosso aniversário. Soava tão patético.
Ele olhou para mim, um brilho de reconhecimento em seus olhos. Por um momento, pensei que ele se lembrava.
"Ah, sim. Amanhã", disse ele lentamente.
Isabela interrompeu, envolvendo os braços em volta do pescoço dele. "Querido, você se lembrou! Amanhã é o aniversário do nosso primeiro beijo!" Ela beijou sua bochecha, deixando uma mancha de batom vermelho.
O breve momento de recordação de Arthur desapareceu. Ele sorriu para ela, completamente cativado. "Claro, meu amor. Como eu poderia esquecer?"
Ele se virou para mim, sua expressão novamente profissional. Ele pegou um talão de cheques.
"Esta é uma tarefa perigosa", disse ele, rabiscando um número. "Aqui está um bônus. Cinco milhões de reais. Pelo seu trabalho."
Ele arrancou o cheque e me entregou.
Dinheiro. Era tudo o que eu valia para ele. Uma transação.
Meu coração, que estava entorpecido por tanto tempo, sentiu um golpe final e esmagador. Ele se estilhaçou em um milhão de pequenos pedaços.
Não havia mais nada. Sem amor, sem esperança, sem fantasia.
Apenas um vazio frio.
Peguei o cheque. Olhei-o nos olhos.
"Obrigada, senhor", eu disse, minha voz clara e firme. "Eu completarei a missão. Perfeitamente."
Ele assentiu, satisfeito. Ele tinha sua ferramenta, pronta e disposta.
Ele e Isabela saíram, suas risadas ecoando pelo corredor.
Fiquei sozinha no meu quarto, o traje de corrida em uma mão, o cheque na outra.
A corrida era amanhã.
Seria meu serviço final.
Depois disso, minha dívida estaria paga integralmente.