Nos braços de Zane, a menina dormia. Ela era pequena demais, leve demais, frágil demais para a escuridão que a cercava. Ele sentia o calor irregular do seu corpo, uma brasa fraca em meio ao frio da noite. A cabeça dela repousava contra seu peito, os fios de cabelo emaranhados roçando sua pele.
Zane sentiu a raiva queimar no fundo do seu peito. Não era uma raiva explosiva, mas um calor persistente e subterrâneo que ameaçava consumir tudo. Raiva pelo que havia acontecido, pela injustiça de uma criança ser tirada de sua infância, de ser forçada a enfrentar a crueldade do mundo antes mesmo de conhecer a bondade.
Mas, misturada à raiva, havia uma determinação silenciosa, uma promessa que ele sentia germinar em sua alma, como uma semente em solo árido. Ele não permitiria que ela fosse transformada em troféu.
O cheiro dela era uma sinfonia estranha. A doçura de mel e a leveza de lavanda, um perfume infantil e inocente que contrastava violentamente com a mancha de ferro seco de sangue. Era a fragrância de algo puro manchado pela violência. Um cheiro que se gravou em sua memória, como uma tatuagem na alma.
Ao lado dele, Carson caminhava em silêncio. O Beta era sempre sólido, mas naquele dia seu peso era quase físico, cada pensamento dele lançado contra o peito de Zane como pedras de gelo. Seu cheiro carregava ferro, madeira e gelo, mas também uma preocupação que Zane podia sentir mesmo sem palavras.
Atrás deles, a comitiva avançava em um silêncio carregado, uma procissão quase ritualística. Os guerreiros, que testemunharam a metamorfose do lobo branco, moviam-se com uma reverência que beirava o temor, seus passos medidos e seus olhares fixos, mas discretos. Eles não carregavam apenas uma criança; transportavam um presságio palpável, um oráculo envolto em fragilidade. Zane sentia, mais do que ouvia, a expectativa opressiva que permeava o ar. Ele já conhecia a cantiga ancestral que ecoava nas mentes deles, a verdade inescapável que aterrorizava e fascinava:
O lobo branco. O presente da Deusa. A peça rara que poderia moldar - ou quebrar - o destino da Silver Claw.
- Alfa... - Carson começou, a voz hesitante, como se cada palavra tivesse que atravessar um muro de gelo.
Zane ergueu os olhos e o interrompeu:
- Não.
Carson engoliu, o ar pesado entre eles.
- Mas...
- Eu disse não. - A voz de Zane cortou a noite, firme como aço.
- Ela é apenas uma criança. Não vou permitir que seja transformada em troféu da matilha. Nem de ninguém.
O silêncio que se seguiu não era aceitação; era um momento de contenção, de palavras afiadas engolidas e guardadas para outro dia.
Quando as muralhas da matilha surgiram à frente, os guardas se entreolharam, o respeito evidente em cada gesto contido. Nenhum ousou fazer perguntas, mas os olhares seguiram Zane até a casa da matilha. Curiosidade, expectativa... e algo mais sombrio que ele preferia ignorar.
Sem hesitar, Zane seguiu direto para a ala médica, carregando a menina como se ela fosse a joia mais preciosa do mundo. Myra, a curandeira, apareceu, os olhos arregalados ao ver a cena.
- Alfa, o que...?
- Nada de perguntas. - A voz de Zane não admitia réplica. - Apenas cuide dela.
Myra assentiu, rápida, preparando uma cama limpa, lençóis brancos e água morna. Mas Zane não a entregou de imediato. Cuidou de cada detalhe: deitou a menina, ajeitou os lençóis, garantiu que sua cabeça repousasse suave no travesseiro.
O rosto dela estava marcado pela poeira e pelo sangue seco, mas dormia com a pureza de qualquer criança. Pele oliva, lábios carnudos entreabertos, cílios longos pousados sobre o rosto delicado - um anjo coberto de cicatrizes antes mesmo de começar a viver.
Zane se sentou ao lado da cama. O peso da responsabilidade o esmagava e, ao mesmo tempo, despertava algo que não conseguia nomear. Talvez fosse o olhar violeta que ainda ardia em sua memória, ou destino, como diriam os anciões. Ou apenas humanidade - aquela parte dele que, apesar do título de Alfa, ainda era só um rapaz tentando não falhar.
Zander, seu lobo, ressoou em sua mente, sua voz grave e penetrante:
- Ela é importante, Zane. Mais do que podemos imaginar.
Zane fechou os olhos, exausto. A promessa formou-se silenciosa, sólida, inquebrável:
- Não importa. Eu não vou permitir que a tratem como moeda de poder.
A noite avançou, silenciosa e densa, e enquanto a menina respirava suavemente, protegida de tudo, Zane soube que, ali, sob a lua distante, nascia uma promessa capaz de mudar para sempre o destino da Silver Claw.