Tentou mexer o braço e sentiu um puxão. Um tubo transparente estava preso na sua pele, e por dentro dele corria uma água que entrava em seu corpo. Doía. Doía como se milhares de formiguinhas estivessem mordendo a pele dela por dentro.
- Ai... - gemeu baixinho, apertando os lábios.
A cabeça latejava. Tentava se lembrar do que tinha acontecido, mas tudo vinha em pedaços: a estrada escura, o carro sacudindo, o grito da mamãe, os homens grandes com cheiro ruim. Depois, escuridão.
- Mamãe...? - chamou, com a voz fraca, quase sumindo.
Ninguém respondeu. O coraçãozinho dela apertou tanto que parecia que ia estourar.
A porta se abriu com um rangido suave.
Lyra arregalou os olhos. Um homem entrou. Mas não era qualquer homem: ele era tão alto que parecia tocar o teto. O cabelo preto brilhava como a noite sem estrelas, e os olhos eram azuis, iguais a pedacinhos de céu limpo depois da tempestade.
Ele sorriu. Não um sorriso assustador, era quente. Quente como quando mamãe assava bolo de morango e deixava esfriar na janela.
E o cheiro dele! Não era de remédio ou fumaça, mas de canela. Canela com mel. O cheiro mais seguro do mundo.
O homem se aproximou devagar, sem pressa, como se tivesse medo de que ela fugisse. Sua voz saiu calma, profunda, como a canção que a mamãe costumava cantar antes de dormir:
- Olá, pequena. Você se lembra de mim?
"Esse é Zane, Lyra." A voz de Lynn ecoou suave dentro dela. "Ele é bom. Vai nos proteger."
Lyra respirou fundo. - Você... é Zane? - perguntou desconfiada.
Ele assentiu, os olhos azuis fixos nela, pacientes.
- E você? Qual é o seu nome?
Lyra engoliu em seco, tentando parecer corajosa. - Eu sou Lyra.
- É um nome bonito - disse ele, e parecia acreditar de verdade.
O coração dela bateu mais rápido. Mas então lembrou da mamãe. A garganta apertou.
- Minha mamãe... -
O sorriso de Zane desapareceu. O olhar dele ficou triste, pesado como nuvem cinzenta prestes a chover. Ele puxou uma cadeira e se sentou bem perto, inclinado para que seus olhos ficassem na altura dos dela. A voz saiu baixinha, como se as palavras fossem delicadas demais para o ar suportar:
- Sua mãe... infelizmente se foi, pequena.
Os olhos de Lyra se encheram de lágrimas na mesma hora. O coraçãozinho dela parecia quebrar em mil pedacinhos de vidro.
- Então... então ela virou uma estrelinha? Como a Lynn disse? - perguntou, soluçando.
Zane respirou fundo e assentiu.
- Sim, pequena. Ela virou uma estrela. Lá no céu, brilhando forte só por você.
As lágrimas desceram de vez, escorrendo pelo rosto infantil. A mamãe agora era uma estrelinha. Não ia mais cantar. Não ia mais cheirar a morangos. Não ia mais abraçar.
O soluço sacudiu o corpinho frágil, e Lyra mal percebeu quando braços fortes e quentes a envolveram. O cheiro de canela ficou mais forte, como um cobertor invisível.
Era Zane. Ele a abraçava. E, naquele instante, Lyra sentiu algo estranho: protegida.
Não era igual ao abraço da mamãe - aquele era único, doce como bolo recém-saído do forno. Mas o abraço de Zane... fazia com que ela sentisse que o mundo não podia machucá-la ali dentro. Era como se ele fosse uma casa.
Lyra apenas chorou mais forte, enterrando o rosto no peito largo dele.
- Lynn me disse... - balbuciou entre soluços.
Zane franziu o cenho. - Quem é Lynn, pequena? - perguntou, passando a mão devagar pelos cabelos dela.
Lyra se afastou só um pouquinho, os olhos vermelhos de tanto chorar. Mordeu o lábio. Lynn havia dito para nunca contar a ninguém sobre ela. E agora tinha falado sem querer.
Mas a voz de Lynn veio de novo, doce, serena:
"Ele é confiável."
Lyra respirou fundo e, com o dedinho, apontou para a própria cabeça.
- Ela vive aqui.
Zane sorriu de canto, como se tivesse entendido algo importante.
- Ah... você quer dizer o seu lobo? O nome dela é Lynn?
Lyra balançou a cabeça.
- Lynn não é um lobo. Ela é só... uma voz que mora aqui dentro.
Ele não a contradisse. Apenas sorriu de novo e a abraçou, como se dissesse que tudo estava bem.
Nos braços dele, Lyra chorou até o sono pesado vir buscar seu corpo cansado. Dormiu ali, sentindo-se segura pela primeira vez desde que a mamãe se tornara uma estrelinha.
Quando acordou, já era de manhã. O quarto estava silencioso demais. O canto do passarinho de ferro ainda soava, mas Zane não estava mais lá.
O medo veio como uma onda. O coração acelerou.
- Zane? - gritou, a voz falhando. - Zane!
A sensação ruim voltou. O mesmo peso que tinha sentido quando os homens apareceram.
"Lyra, calma." disse Lynn dentro dela. "Ele vai voltar."
- Não! Ele foi embora! Igual a mamãe! - gritou, já chorando.
O corpo dela começou a doer, um calor estranho subindo pelos ossos. Ela só queria Zane. Ele era seu amigo. Seu único amigo agora.
A porta se abriu, e uma mulher entrou, falando algo que Lyra não escutou. A dor crescia, a cabeça latejava, a visão escurecia.
E então, como um sopro de vento que afasta nuvens de tempestade, a voz que ela queria ouvir ecoou:
- O que foi, pequena? Estou aqui. Está tudo bem.
Era Zane. Ele entrou apressado, os olhos cheios de preocupação. Lyra se jogou da cama direto para o colo dele.
- Alfa, acho que você tem uma fã - disse a mulher, rindo baixinho.
Zane a olhou sério. - Saia. - E ela saiu sem protestar.
Ele acariciou os cabelos dela, paciente.
- Quer me contar o que aconteceu?
Lyra fungou. - Eu fiquei com medo de você me abandonar igual a mamãe...
Zane suspirou, abraçando-a mais forte. - Oh, pequena... eu não vou te abandonar.
Lyra ergueu o dedinho mindinho, as lágrimas ainda escorrendo. - Jura juradinho?
Ele riu baixinho. - Juro juradinho.
Ela sorriu entre soluços, e algo dentro dela acreditou de verdade.
Mas Zane ficou sério de novo.
- Pequena, sei que não é uma boa hora... mas precisamos conversar, ok?
Ela assentiu. - Ok.
- Você se lembra do que aconteceu? Do acidente?
Lyra pensou, mas só lembrava de dormir e acordar depois.
- Não. Eu estava dormindo.
- E você tem alguma família além da sua mãe?
Ela balançou a cabeça. - Vovô e vovó já viraram estrelinha também.
- E seu pai?
- Mamãe nunca me falou dele, não importava o quanto eu perguntasse. Eu nunca conheci ele.
Zane apertou os lábios. - Você se lembra do nome completo da sua mãe?
- Melissa Miller - respondeu baixinho.
Antes que pudessem continuar, uma batida forte ecoou na porta.
- Entre, Carson - disse Zane.
Um homem enorme entrou, tão grande quanto Zane. Os olhos eram verdes, como folhas novas.
- Alfa, precisamos de você para resolver um assunto - disse Carson.
Zane suspirou. - Ok, me dê um minuto.
- Você vai embora? - perguntou Lyra em um tom choroso.
- Por pouco tempo, pequena, mas vou pedir para alguém especial ficar com você, ok?
- Okay... - disse Lyra, insegura.
- Carson, peça a Mary para vir até aqui - disse Zane.
- Claro, Alfa. - Carson saiu, deixando Lyra sozinha com ele.
Zane se inclinou, encurtando a distância até que seus olhos encontrassem os dela.
- Eu volto logo, prometo. Enquanto isso, Mary vai cuidar de você.
Lyra assentiu devagar, mesmo sem querer.
Algum tempo depois, a porta se abriu de novo. Uma mulher de cabelos ruivos entrou, com um sorriso tão radiante que parecia o sol entrando pela janela.
- Oi, Lyra! Eu sou Mary. Trouxe biscoitos e um filme pra gente assistir.
Lyra olhou para Zane, desconfiada.
- Está tudo bem, pequena. Você está segura com ela - afirmou Zane, firme.
Lyra respirou fundo e assentiu, agarrando o lençol.
E, pela primeira vez, percebeu que talvez pudesse confiar em mais alguém além de Zane.