Trinta e Oito Divórcios, Uma Traição
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Capítulo 2

O líquido fervente atinge meu peito e rosto.

A dor é instantânea e cegante. Eu grito, caindo para trás da cadeira. Bato com força no chão, minha cabeça estalando contra a madeira polida.

O mundo gira. Através de uma névoa de dor, vejo Heitor pular, seu rosto uma máscara de horror.

"Aurora!"

Ele começa a vir em minha direção, mas Aline é mais rápida. Ela agarra o braço dele, seu próprio rosto coberto de lágrimas, sua voz um grito histérico.

"Ela mereceu, Heitor! Ela estava zombando de mim! Você não vê? É culpa dela que eu bati o carro! É culpa dela que eu não posso ter filhos! Ela arruinou a minha vida!"

Heitor congela. Ele olha do meu corpo caído no chão para o rosto soluçante de Aline. A velha e familiar batalha se desenrola em seus olhos. Dever versus desejo. Culpa versus amor.

Aline envolve os braços em volta da cintura dele, enterrando o rosto em seu peito. "Me tire daqui, Heitor", ela chora. "Por favor, me leve para casa. Estou com medo."

Ele olha para mim uma última vez. Estou deitada em uma poça de sopa, minha pele gritando, minha visão escurecendo. Eu vejo sua hesitação. Eu vejo a escolha que ele está prestes a fazer.

Ele pega Aline nos braços e a carrega para fora do restaurante. Ele não olha para trás.

A última coisa que sinto antes que a escuridão me tome completamente é o chão frio e duro sob minha bochecha.

Acordo com o cheiro de antisséptico e o bipe de uma máquina.

Um hospital. De novo.

Meu peito e pescoço estão enfaixados. Uma dor surda e latejante irradia da minha pele.

Uma enfermeira de rosto gentil está verificando meu soro.

"Ah, você acordou", ela diz com um sorriso suave. "Você nos deu um belo susto. Você tem algumas queimaduras de segundo grau bem feias, mas vai ficar bem. Você teve sorte."

Eu não me sinto com sorte.

"Seu marido estava tão preocupado", ela continua, afofando meu travesseiro. "Ele ficou aqui a noite toda, andando pelos corredores. Ele acabou de sair para tomar um café. Você tem um bom homem."

A imagem de Heitor carregando Aline para longe pisca em minha mente. Meu coração se aperta, uma dor mais aguda que qualquer queimadura.

Ele me deixou no chão.

"Nós nos divorciamos", eu digo, minha voz um sussurro seco.

A enfermeira parece surpresa, mas antes que ela possa dizer qualquer coisa, a porta do meu quarto se abre.

É Heitor. Ele parece cansado, seu cabelo está uma bagunça e seus olhos estão vermelhos.

"Rory", ele diz, o alívio inundando seu rosto. Ele corre para a minha cabeceira. "Não diga coisas assim. Não estamos divorciados, não de verdade."

Ele tenta pegar minha mão, mas eu a puxo para longe.

"Aline... ela não fez por mal", ele começa, uma desculpa familiar em seus lábios. "Ela só não está bem. Ela se sente tão culpada, chorou a noite toda."

Ele se desculpa. "Eu sinto muito, Rory. Eu sinto muito, muito mesmo."

Eu olho para ele, para este homem que amei por tanto tempo, e não sinto nada além de uma exaustão profunda e esmagadora.

"Ela é mais importante, não é?", eu digo, minha voz plana. "Aquela por quem você me deixou no chão."

"Não é isso-"

"Essa coisa toda", eu interrompo, "esse jogo doentio de divórcio e novo casamento, da minha dor para acalmar a 'ansiedade' dela... Eu cansei, Heitor."

Minha voz é baixa, mas é mais forte do que tem sido em anos.

"Vá ficar com ela. Vá cuidar dela. Ela obviamente precisa mais de você."

Ele parece confuso, como se não conseguisse compreender minhas palavras. "Rory, você ainda está com raiva? Eu sei que errei. Eu sei que deveria ter ficado com você."

Ele agarra minha mão, seu aperto firme. "Ela estava ameaçando se matar, Rory! Estava com uma faca! O que eu deveria fazer?"

Ele parece desesperado, sua voz suplicante. "Isso é só de fachada. Você sabe disso. Você sempre será minha esposa. A única."

Ele se inclina para mais perto, suas palavras um veneno suave. "Apenas espere um pouco mais. O médico dela diz que ela está melhorando. Assim que ela estiver totalmente recuperada, poderemos ter a vida que sempre quisemos. Eu prometo."

"Quanto tempo, Heitor?", eu pergunto, a pergunta pairando no ar estéril entre nós. "Mais cinco anos? Dez? Você vai estar acalmando-a em seu leito de morte enquanto eu espero?"

Ele fica em silêncio.

"A culpa é minha", ele finalmente sussurra, as mesmas palavras que disse mil vezes. "Eu devo a ela."

Eu ouvi essa frase tantas vezes. Costumava me fazer sentir compaixão. Agora só me faz sentir cansada.

Eu fecho meus olhos. Meu peito parece pesado, como se estivesse cheio de cimento molhado.

"Sim", eu sussurro de volta. "Você deve a ela."

Eu respiro, me preparando para dizer as palavras que deveria ter dito anos atrás. As palavras que decidi no carro.

Mas assim que abro a boca, o celular dele toca.

É uma chamada de vídeo. O rosto de Aline, manchado de lágrimas, preenche a tela. Sua voz é estridente e acusadora.

"Heitor Bastos! Você prometeu que voltaria logo! Por que está com ela? Eu te disse para ficar longe dela!"

Ela começa a soluçar. "Eu não estou comendo. Não vou comer nada até você voltar. Se eu morrer de fome, a culpa é sua!"

O rosto de Heitor se fecha em uma máscara familiar de frustração e resignação. Ele esfrega as têmporas.

"Ok, Aline. Acalme-se. Estou indo."

Ele se levanta para sair. Ele se inclina para beijar minha testa, mas eu viro a cabeça.

"Rory, descanse um pouco", ele diz suavemente. "Eu volto mais tarde à noite para ver como você está."

Uma risada amarga escapa dos meus lábios. Mais tarde à noite. Depois que ele colocar Aline na cama e prometer o mundo a ela.

Eu o observo sair apressado pela porta, o celular ainda pressionado contra a orelha, sua voz um murmúrio baixo e calmante destinado a outra mulher.

A porta se fecha, me deixando em silêncio.

Eu viro a cabeça e encaro a porta vazia.

"Eu ia dizer", sussurro para o quarto vazio, "que você deve tudo a ela. Então pode ficar com ela."

"Mas eu não devo porra nenhuma a nenhum de vocês."

"A partir de agora, Heitor Bastos, você e eu acabamos. Para sempre."

            
            

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