Senti um arrepio gelado percorrer meu corpo, mais frio que qualquer medo.
Me adora.
A palavra era uma piada. Uma piada cruel e amarga.
Pensei em todas as vezes que engoli minha dor, todos os anos que suportei a loucura de Aline, tudo por ele. Tudo pelo nosso casamento.
Não mais.
A raiva que esteve adormecida por tanto tempo finalmente explodiu.
Olhei para o médico, minha voz clara e firme apesar da dor.
"Eu quero denunciar um crime. Eu fui empurrada."
Peguei meu celular na mesa de cabeceira. "Vou chamar a polícia."
A porta se abriu e Heitor entrou correndo, seu rosto pálido de pânico.
"Rory, o que você está fazendo?", ele exigiu, vendo o celular na minha mão. Ele se aproximou e o arrancou de mim.
"Aline não quis te empurrar! Foi um acidente! Ela escorregou!", ele suplicou, sua voz desesperada. "Não faça isso, Rory. Não preste queixa."
Meu coração parecia estar sendo espremido em um torno.
"Um acidente?", repeti, minha voz tremendo de fúria. "Heitor, ela tentou me matar."
Eu o encarei, meus olhos ardendo. "Existem câmeras de segurança na casa. Elas vão mostrar tudo."
"Você não se importa se eu vivo ou morro?"
"Claro que me importo!", ele insistiu, seu aperto no meu celular se intensificando. "Mas a Aline... você conhece a condição dela. Uma investigação policial seria demais para ela. Poderia levá-la ao limite."
Ele olhou para mim, seus olhos implorando pela compreensão que eu não tinha mais para dar. "A vida dela já está arruinada por nossa causa, Rory. Não podemos destruir o que resta dela."
Mordi o lábio com tanta força que senti o gosto de sangue.
"A vida dela está arruinada?", perguntei, minha voz perigosamente baixa. "E o acidente, Heitor? Você já se perguntou por que ela estava te ligando tão freneticamente no dia do nosso casamento? Ela não estava em perigo. Ela estava tentando arruinar nosso casamento."
"O que eu fiz de errado?", minha voz falhou, os anos de dor reprimida finalmente jorrando. "Eu te amei. Esse foi meu único crime. Se você estava tão consumido pela culpa, por que se casou comigo? Por que me arrastou para este pesadelo?"
Eu estava gritando agora, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "Você sempre tem uma desculpa para ela! Sempre! Eu preciso estar morta para você finalmente me ver?"
As palavras rasgaram minha garganta, cruas e sangrentas.
Heitor apenas ficou ali, atordoado. Ele nunca me vira assim. A Aurora calma e complacente se fora.
Seu rosto se contraiu. Ele parecia perdido. "Rory..."
Ele me alcançou, sua expressão suavizando com uma dor que espelhava a minha. "Me desculpe. Eu sinto muito, muito mesmo."
Ele me puxou para um abraço, seus braços envolvendo meu corpo trêmulo. "Eu te amo", ele sussurrou em meu cabelo. "Eu só amo você."
Por um momento, eu quase acreditei nele. Quase me deixei afundar no conforto familiar de seu abraço.
Mas era tarde demais.
Eu me afastei, meu olhar firme e frio. "Se você me ama, deixe-me obter justiça."
"Tudo que eu quero é que ela pague pelo que fez."
Ele me encarou, sua mandíbula tensa. Ele parecia estar lutando consigo mesmo. Ele olhou para meu pulso enfaixado, para as lágrimas em meu rosto, para a dor crua em meus olhos.
Finalmente, com um suspiro profundo e trêmulo, ele me devolveu meu celular.
Ele havia feito sua escolha.
Ou assim eu pensei.
Os dias passaram. A polícia veio. Eu dei meu depoimento. Eles prometeram investigar minuciosamente.
Uma semana depois, eu estava pronta para receber alta. A polícia ligou.
"Sra. Bastos", disse o oficial, sua voz profissional, mas apologética. "Concluímos nossa investigação. Com base nas evidências e no histórico documentado de doença mental grave da Sra. Wolf, determinamos que não podemos apresentar queixa."
"As evidências são insuficientes para provar a intenção", ele explicou.
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. "Mas as imagens da câmera de segurança! Mostram ela me empurrando!"
Houve uma pausa do outro lado da linha. "Sinto muito, Sra. Bastos. O sistema de segurança da sua residência teve um defeito. As imagens daquele dia foram apagadas."
Meu sangue gelou.
Desliguei o telefone, minha mente girando. Eu sabia. Eu sabia quem estava por trás disso.
Saí do hospital e fui direto para casa. Eu tinha que ver por mim mesma. Eu tinha que ter certeza.
Ao me aproximar da porta da frente, ouvi vozes de dentro. A voz de Aline, brilhante e alegre.
"Ah, Heitor, obrigada! Obrigada por se livrar daquele vídeo horrível! E por conseguir aquele novo atestado médico dizendo que eu estava tendo um surto psicótico. Você até usou seus contatos para parar a polícia! Eu sabia que você ainda me amava!"
O mundo girou em seu eixo.
Ele não me escolheu. Ele a escolheu. Ele mentiu na minha cara, me abraçou enquanto eu chorava, e depois agiu pelas minhas costas para proteger a mulher que tentou me assassinar.
A traição foi tão absoluta, tão completa, que pareceu um golpe físico.