O caminho de pedras até a entrada parecia interminável. Cada passo ecoava sob meus pés, e eu sentia o peso da ansiedade apertar meu peito. Ezra sempre teve gosto por tudo que impunha respeito, mas aquilo... aquilo era algo além.
Era uma prisão de luxo.
Respirei fundo antes olhar para a porta. O silêncio duradouro ecoou na imensidão da casa, e, por um instante, me perguntei se alguém realmente morava ali ou se apenas habitava um cenário de poder e aparência.
A porta se abriu com lentidão, revelando um mordomo de expressão neutra. - Boa tarde, senhora Muller. Seja bem vinda a sua nova casa, a criadagem da casa a espera ansiosamente. - Fui conduzida por um hall silencioso e impecável. O chão de mármore refletia as luzes amareladas dos lustres, uma fila de funcionários estava ali, pessoas de olhares baixos, prontos para servir, nomes foram ditos, quando sequer ouvi. - Prosseguiremos com as apresentações em outro momento, noto que a senhora esta um pouco cansada? - Uma mulher que já havia sido apresentada falou, eu assenti cabisbaixa.
E todos simplesmente sairam apressados correndo, como se fugissem de mim, ela me guiou pelo espaço, as paredes exibiam retratos de pessoas sérias, rostos de outra era. Não havia risos ali. Nem memórias boas. Apenas uma presença constante rígida, pesada.
Cada passo parecia um erro, mas eu estava ali por um motivo: Isabela.
Minha filha.
Minha pequena.
A criança que Ezra minha irmã agora mantinha sob sua "proteção", como ela dizia. Mas para mim, era outra palavra, posse.
Meu celular vibrou no bolso.
O nome de Ezra apareceu na tela, e pelo toque a mulher se afastou rapidamente, fiquei sozinha ali naquele lugar desconhecido.
Atendi com um aperto na garganta. - Já chegou? Como é a casa? - Ela perguntou animada, como se eu tivesse em festa.
- Ezra... precisamos conversar. - Do outro lado, apenas o silêncio por alguns segundos. Eu podia ouvir o crepitar de uma lareira, e, por ironia, a sala em que eu estava parecia congelada.
- Eva - respondeu ela, finalmente. A voz era calma, doce até demais. - Você sabe que as coisas não são simples.
- Estou implorando. - Senti a voz falhar. - Libere Isabela. Fátima pode cuidar dela. Eu faço o que quiser, mas não a mantenha aí. Ela é só uma criança, Ezra.
Houve uma pausa, tudo que eu mais temia, era a minha filha perto delas.
Eu quase podia sentir o sorriso controlado da minha irmã.
- As decisões já foram tomadas - disse, fria. - Isso não é apenas sobre você ou eu. É sobre estabilidade. Sobre segurança, Eva.
"Segurança."
Palavra bonita para esconder crueldade.
- Você está usando minha filha - murmurei, o coração acelerado. - Ela não é parte desse jogo, Ezra.
Ela suspirou, impaciente.
- Eva, você sempre vê emoção onde deveria haver razão.
- Ela é inocente, não pode esta...- Eu disse suplicante, mas ela desligou.
Fiquei parada ali, o celular ainda quente na mão, tentando conter as lágrimas. A casa parecia me observar em cada passo, cada móvel, cada sombra. Tudo me lembrava de como Ezra havia me enfiado neste mundo frio e sem alma.
Os empregados passavam por mim sem sequer levantar o olhar. Moviam-se em silêncio, quase como espectros. A mansão Dasílis era perfeita demais para ser humana.
E, de repente, tudo fez sentido.
Ezra havia se casado com Mason Dasílis, o homem mais poderoso e mais temido de Carleon, por poder.
O objetivo dela nunca foi amor. E agora tudo parecia mais algo estratégico. Como se ela tivesse vendido a alma para comprar poder.
Mas quem arcaria com esta venda, seria eu, o meu corpo.
Continuei andando pelos corredores até me ver acompanhada novamente, a governanta me acompanhava a cada sala que atravessava, o ar parecia mais denso. O luxo era opressor. Nada ali lembrava um lar, parecendo mais um castelo assombrando, em que todos me observava.
Passei por retratos antigos e uma moldura recente me chamou minha atenção, o quadro estava vazio, mas muitos outros vinha ao lado dele.
Rostos infantis foram pintados a cada tela, ali de terno e gravata, denunciando como se fossem futuros grandes homens, parei diante a uma obra, imaginando que fosse ele, o olhar azul dele, mesmo sorrindo, denunciava poder, dominio.
Certamente... era puro controle.
Um arrepio subiu pela minha espinha.
Eu sabia quem Mason Dasílis era.
Um homem assustador, com uma cicatriz na face, certamente, impiedoso, o homem que nunca perdia, o que comprava e vendia pessoas como quem move peças num tabuleiro.
E agora, minha irmã fazia parte do império dele.
E, de alguma forma, minha filha também.
A noite caiu.
O quarto em que me colocaram era luxuoso, mas frio. Lençóis caros de cetim preto, cortinas pesadas, uma lareira apagada. Nenhum som.
Sentei-me na cama e disquei para Fátima.
Ela atendeu no segundo toque.
- Eva, é você?
- Sim. Como está Isabela? - minha voz saiu trêmula.
- Ela está bem. Assustada no começo, mas agora está mais calma. Está comigo o tempo todo.
Suspirei, aliviada.
- Graças a Deus...
Mas o tom de Fátima mudou.
- Eva, tem algo estranho. Ezra anda muito agitada. Recebe ligações e não atende. Está nervosa, tensa. Como se estivesse perdendo o controle.
Perdendo o controle? Aquela frase ficou ecoando em mim.
- Isso tem a ver com esse homem? Ela fala algo sobre ele? - perguntei em voz baixa. - Você consegue ouvir algo entre eles ?
Fátima hesitou.
- Não sei, mas... parece que sim. Ela fala pouco, mas o medo está nos olhos dela.
Medo.
Era o que eu também sentia ali, naquela casa que parecia respirar perigo.
- Fique com Isabela - pedi, quase sussurrando. - Não a deixe sozinha. E me avise se escutar algo.
- Eu prometo. Mas, Eva... cuidado com essa casa. - A ligação caiu.
O silêncio voltou, cortante.
Apenas o som distante do vento contra as janelas.
Alguém bateu à porta.
Meu corpo inteiro se enrijeceu.
- Entre - consegui dizer, a voz mais fraca do que eu queria.
A governanta, uma mulher de fios dourados, presos atrás da nuca, na roupa escura surgiu na porta - Genevive.
- Senhora Muller, o jantar será servido. Deseja fazer sua refeição aqui ou no salão principal?
Engoli em seco, Muller, havia tanto tempo que eu não me sentia uma, desde que partir, desde que meu pai disse que não sou mais sua filha, ele me deserdou, e só sobrou o sobrenome da minha mãe, o apoio da minha avó.
- Aqui, por favor.
Ele assentiu e se retirou.
Mas, antes de fechar a porta, vi algo nos olhos dela, a hesitação.
Como se quisesse me avisar de algo, e só por pensar, me trouxe um calafrio a minha espinha.
E então a porta se fechou, deixando-me sozinha outra vez.
A mansão Dasílis era linda, mas cada parede parecia esconder segredos.
E eu podia sentir, no fundo da alma, que o verdadeiro perigo ainda não havia mostrado o rosto.
O rosto de Mason Dasílis, o corpo dele no meu, a bile subiu a garganta, o amargo alcançou as minhas pupilas.
O que eu faria?