Perséfone ergueu os olhos devagar. Não havia recriminação na fala da mulher, mas o tom implícito era nítido. Engoliu em seco, forçando um sorriso que não alcançou os olhos.
- Ícaro não quis terminar o café. Mas está pronto. - Acariciou os cabelos do filho, depois se levantou com cuidado, guiando-o pela mão.
A governanta inclinou levemente a cabeça, em uma despedida seca. Virou-se e desapareceu no corredor. Perséfone suspirou antes de abaixar-se, ficando na altura do pequeno.
- Vamos ver a professora Léa? - sugeriu, tentando animá-lo com um sorriso cálido.
Segurando a mão pequena, conduziu Ícaro até a sala de estudos ampla, com janelas abertas. Sobre a grande mesa de carvalho repousavam livros infantis, lápis de cor e um globo antigo girando lentamente com a brisa.
Ícaro fitou a professora com olhos aflitos e então balançou a cabeça negativamente. Ainda segurava firme no pulso da mãe.
- Quero ir para a escola. - A voz embargada da criança mal disfarçava o choro iminente.
O garotinho correu na direção contrária, mas ficou sem saída quando dois seguranças surgiram no final do corredor.
Ao chegar perto, Perséfone se abaixou, abraçando-o com força. Sabia que o filho sentia falta da rotina, dos coleguinhas, dos sorrisos que não precisavam ser contidos naquela casa. Mas não tinha escolha. Não mais.
- Hoje a aula será aqui, querido.
Mas Ícaro já estava aos prantos. As mãos pequenas agarraram o pescoço dela com força enquanto a boca se escancarava em um choro alto e inconformado. A cada soluço, o corpo estremecia.
No escritório, Apolo tocava o queixo com os dedos longos, mas os olhos dele estavam fixos na tela do laptop. A câmera do corredor transmitia em tempo real. Ele observava o filho agarrado à mãe, chorando.
Apolo fechou o notebook com firmeza. O estalo da tampa ecoou pela madeira da mesa. Inspirou fundo e tocou a mandíbula que pulsava sob a barba rala.
Apoiado na bengala, empurrou a cadeira para trás com o peso do corpo. O rangido das rodinhas riscou o piso e foi abafado pelo som da ponta da bengala batendo contra o mármore.
Levantou-se com esforço, ajeitando o peso do corpo na perna boa. A outra mal sustentava o equilíbrio. Mancando, atravessou o escritório. Os olhos escuros faiscavam sob as sobrancelhas cerradas.
Desceu o corredor lentamente. Cada toque da bengala no chão era um aviso. A cada passo, o som aumentava com aquele ritmo marcado, desequilibrado e impaciente.
Perséfone ouviu antes de vê-lo. Ela se levantou depressa, o menino ainda estava agarrado ao seu quadril. O pequeno soluçava contra o tecido do vestido. As mãos trêmulas de Perséfone acariciavam os cabelos dele, em vão.
Os olhos de Apolo varreram a cena diante dele com frieza. Não disse nada de imediato. Ele avaliou a criança. Depois, Perséfone.
- O que está acontecendo aqui? - indagou, com a voz modulada por um autocontrole treinado.
Endireitou a postura, apoiando o punho sobre a bengala de madeira escura. Os dedos apertavam o cabo entalhado com força.
Perséfone respirou fundo, tentando manter a compostura.
- Ícaro queria ir à escola hoje.
Apolo desviou os olhos para o filho, que ainda chorava, mas agora de forma mais contida. Os soluços vinham espaçados, o rosto enterrado na lateral da mãe. Ele não se aproximou.
- Ícaro, vá para a sala. - As palavras do pai irritado não eram uma sugestão, e sim uma ordem.
Apolo endireitou os ombros. A dor na perna o fez contrair as narinas, mas não cedeu. A posição de autoridade era mais importante que o incômodo constante.
Perséfone vacilou. Os olhos buscaram os do ex que continuava parado à sua frente, e por um instante, quase rompeu o silêncio, mas mordeu o lábio inferior e se calou. Era inútil discutir com o homem que sempre ameaçava afastá-la do filho.
- Ele só está confuso. Foi tudo muito repentino.
- Confuso? - repetiu, com ironia. - Ícaro não está doente e nem mesmo com febre. - Vociferou com veemência. - E você não está aqui para justificar os caprichos dele.
Perséfone levantou, segurou a mão pequena de Ícaro e recuou um passo, instintivamente. O menino se agarrou à mãe com mais força.
Apolo inclinou-se levemente, com os olhos escuros fixos no filho.
- Ícaro - chamou, o tom mais brando, mas ainda duro. - Olhe para mim.
O menino ergueu o rosto molhado, os olhos marejados, o nariz escorrendo.
- Hoje você vai estudar aqui. A professora Léa já está esperando. Agora, vá para a sala.
O garoto hesitou, a boca se contorcendo num choro contido. Mas, devagar, acompanhou a mãe que caminhou com passos inseguros até o outro cômodo. Perséfone parou ao ver o menino atravessando a porta. Ícaro se virou, ainda tinha esperança de que alguém o tirasse daquela solidão, mas ninguém o fez.
Apolo ficou em silêncio, observando-o desaparecer. Só então voltou-se novamente para Perséfone.
- Não admito esse tipo de espetáculo nesta casa. - disparou com frieza.
Perséfone engoliu em seco. A raiva latejava em seus pulsos, mas ela manteve a postura. O olhar, porém, traía sua revolta.
- Crianças choram. - Ela disparou num sussurro.
Apolo mancou com dificuldade, parando a poucos centímetros dela. O cheiro dele - amadeirado, intenso - invadiu o espaço entre os dois. Seus olhos a examinaram como se fosse um erro em sua organização meticulosa.
- Não se esqueça de que você é apenas uma funcionária nesta casa. - Articulou como se fosse uma sentença.
Ao surgir na porta, Léa observou o homem com os ombros largos, que vestia terno escuro e tinha uma presença que preenchia os espaços com sua postura intimidadora, quase opressora.
- Excusez-moi, monsieur Apolo. - A professora pediu em francês. - A babá do Ícaro pode ficar aqui durante a aula se o senhor permitir.
Espremendo os olhos, ele continuou estudando Perséfone. Logo, desviou o rosto para Léa e, a contragosto, Apolo concordou com um leve movimento de cabeça.
Após dar a permissão, ele se virou com o mesmo movimento de sempre. A bengala tocou o chão, preenchendo novamente o corredor.
Perséfone ficou parada, com o corpo inteiro trêmulo. A sua pele queimava e os seus olhos ardiam com as lágrimas. Quando o ex sumiu de seu campo de visão, ela entrou na sala e caminhou até a mesa onde o filho soluçava enquanto se sentava na cadeira.
Conforme tentava acalmar o filho com afagos em seus cabelos e beijos no topo da cabeça, Perséfone dava olhares furtivos para os locais onde tinham câmeras naquela sala de aula improvisada.
- Pode fazer ele parar de chorar, s'il te plaît! - Ao sentar na cadeira, Léa pediu como se fosse superior a Perséfone. - Começarei a aula em dez minutos.