- Quer esperar mais um pouco? - A professora arriscou, sentando-se ao lado dele.
Ele assentiu em silêncio.
Apolo apareceu na porta poucos minutos depois. Parou ao lado do batente, as mãos cruzadas sobre a bengala. Observou a cena com a habitual sobriedade.
- Professora Léa - proferiu, chamando-a à parte.
Ela se levantou imediatamente, caminhando até ele. O salto baixo de seus sapatos mal fazia som sobre o tapete. Parou próxima demais. O perfume dela era cítrico, discreto, porém insinuante.
- Ele ainda está muito abalado - comentou com um tom brando. - E me perdoe se me excedo, monsieur Apolo, mas... por que esse apego tão intenso de Ícaro pela babá? Ele parece buscar nela algo que... - Fez uma pausa, ponderando as palavras.
Apolo manteve o semblante inelegível. Um leve levantar de sobrancelha foi sua única resposta no início. Em seguida, respirou fundo e meneou a cabeça com vagar.
- As crianças se apegam a quem cuida delas. - respondeu com frieza. - Perséfone cuida dele desde que nasceu.
- Ela o acolhe como se fosse a mãe do seu filho - corrigiu Léa, com gentileza. - E o senhor parece permitir. O que é curioso... vindo do senhor.
O canto da boca dele se ergueu e o olhar endureceu, como aço em brasa.
- O seu horário terminou, professora. - afirmou, com voz grave e definitiva.
- Mas eu nem consegui dar a aula...
- Volte amanhã, no mesmo horário, madame Roux.
Girou e então, mancou com a bengala servindo de guia para sua fuga voluntária da conversa. O peso do corpo recaía na perna boa, e a outra seguia rígida, quase inútil.
Léa o observou se afastar com os olhos semicerrados. Havia algo nele que a instigava profundamente - a rigidez, a dor mal disfarçada, o comando inabalável. Um homem moldado por feridas profundas.
Quando ele sumiu no corredor, ela permaneceu por mais alguns segundos à porta. E então, esboçou um sorriso que não parecia alegre, tampouco afável.
Voltou-se para o menino, que ainda a olhava com olhos tristes.
- Você está liberado, Ícaro. - Anunciou com doçura forçada. - Amanhã, vou contar história sobre dragões... - a professora tentou atrair a atenção do garotinho.
Ele assentiu, calado, com o queixo apoiado nas mãos.
- Vamos! - Perséfone falou, estendendo a mão para o filho.
Ícaro saiu dali em silêncio. Quando chegaram à porta, Perséfone sentiu um toque no ombro direito.
- Amanhã, a sua presença não será permitida durante a aula.
Indignada, Perséfone quis argumentar, mas as câmeras de vigilância sempre estavam focadas nela e qualquer deslize seria o suficiente para Apolo usar contra ela.
- Vamos, mamãe! - De longe, Ícaro chamou.
Com as sobrancelhas elevadas, Léa abandonou aquela postura altiva. Mal podia acreditar no que ouviu.
Sem mais delongas, Perséfone saiu dali com as mãos fechadas ao lado do corpo. Suprimiu a raiva e acompanhou os passos saltitantes do filho.
❛ ━━━━・❪ ❁ ❫ ・━━━❜
A xícara de chá repousava sobre a mesa da varanda, esquecida. O vapor já havia cessado. O líquido da infusão de folhas estava totalmente frio.
Perséfone permanecia sentada diante do jardim, as mãos entrelaçadas no colo, os olhos fixos em algum ponto distante entre os lilases e os ciprestes. O vestido claro colava-se às coxas por conta do calor abafado da manhã. O vento não vinha. E, mesmo que viesse, nada aliviaria a tristeza de continuar dentro daquela casa onde era odiada.
As frases de Apolo ainda repicavam em sua mente como marteladas: "Você é apenas uma funcionária."
Levantou-se devagar. Os pés descalços tocaram o chão de pedra fria com delicadeza. Caminhou até a grade de ferro forjado, apoiando as mãos na estrutura antiga, rústica, robusta. O jardim se espalhava à sua frente, vivo e colorido. Mas, para ela, nada florescia. Aquele lugar era uma prisão com perfume francês.
Perséfone foi levada para lá por obrigação. Uma cláusula judicial disfarçada de favor. Apolo exigiu a guarda total. A única concessão feita a ela foi um emprego: ser a babá do próprio filho e dormir na ala dos empregados.
Ela engoliu em seco, o rosto contorcendo-se por um instante. A lágrima caiu por seu rosto, deslizando para o queixo até que sentiu o gosto salgado da dor que transbordava por seus olhos.
A dor no peito não vinha do desprezo de Apolo, mas do olhar confuso de Ícaro quando todos diziam que sua mãe era a sua babá.
Perséfone apoiou a testa na grade, curvando os ombros. O ferro estava quente sob a pele, mas ela não se afastou. Precisava daquele incômodo real, físico, algo que fosse mais fácil de suportar do que o que doía por dentro.
Dentro da casa, o tropel de passos unido ao som da bengala entrou em seus ouvidos. Ela não olhou. Já sabia quem era.
Apolo parou. A respiração dele era estável, mas havia um leve ronco de esforço quando o ar passava pelas narinas. A bengala tocou o chão duas vezes. Depois, houve um breve segundo de silêncio.
- Está no seu horário de folga? - Ele interpelou num tom rude.
Perséfone não se virou.
- Sim, senhor.
Apolo caminhou alguns passos adiante, ficando ao lado dela, encarando o mesmo jardim. O sol batia de lado no rosto dele, ressaltando as olheiras fundas, as marcas que o acidente deixava não apenas no corpo, mas na alma.
- O que disse para a professora do Ícaro? - Ele a interrogou.
Perséfone o olhou de relance. A sombra da barba crescia no maxilar. Os olhos dele permaneciam fixos no horizonte.