Poucos minutos depois a campainha tocou: era Deanna. Assim que a viu cruzar a porta, soube que tudo aquilo seria mais difícil do que havia imaginado. Ela entrou com um enorme sorriso e em poucos segundos encheu o lugar com sua energia, como se irradiasse uma espécie de luz quente. Usava o cabelo solto, a farta cabeleira cor de caramelo caía sobre os ombros.
A primeira reação de Daniel foi se levantar imediatamente, como se empurrado por uma força invisível. Ao vê-lo, Deanna não hesitou em se aproximar e ficar diante do homem alto de cabelos pretos.
-Muito prazer, sou a Deanna. Você é o Daniel? -E estendeu a mão, sorrindo novamente.
-Muito prazer, Deanna. Sou Daniel, o irmão do Harry, é um prazer. -Apertou-lhe a mão e sentiu aquela mesma energia quente.
Laura entrou com algumas bebidas e lanches, e as duas mulheres se cumprimentaram. O ambiente parecia um pouco desconfortável, mas Harry, com sua habitual tagarelice, começou a preparar o terreno para aliviar a tensão. Aquela reunião precisava ser um sucesso se quisessem que o plano funcionasse. E foi, só que não da forma como tinham pensado.
-Então você estuda com o Harry e a Laura -arriscou Daniel.
-Sim, nos conhecemos na Universidade.
-E o que você estuda?
-Canto lírico.
-Mmmm... -respondeu Daniel com um tom de... desaprovação?
Harry já tinha avisado, tinha avisado.
-Mmmm, o quê?
-Nada.
-Você deve ter algo a dizer além de "mmm".
-Nada... Respeito muito os artistas.
-Talvez devêssemos comer agora -disse Laura, tentando mudar de assunto.
Era preciso conter Daniel antes que ele mostrasse seu temperamento especial, sabiam que Deanna também não ficaria calada. O melhor era ganhar tempo e adiar o choque iminente.
O jantar seguiu em uma conversa agradável, parecia que Daniel e Deanna tinham encontrado um ponto de equilíbrio. Até que surgiu o "tema".
-Precisamos fazer isso o mais rápido possível. Não sabem como estamos agradecidos por aceitarem nos ajudar -disse Harry.
-É verdade, obrigada do fundo do meu coração -acrescentou Laura.
-Vou arcar com as despesas da Universidade pelo ano em que estivermos casados, em compensação por você ter que interromper sua carreira -disparou Daniel, sem rodeios.
-Como assim interromper minha carreira? Eu não vou interromper minha carreira.
-Definitivamente terá que fazê-lo. Não posso estar casado com uma universitária. Não pegaria bem.
-Não quero o seu dinheiro.
-Não se trata disso. Você está prestes a fazer um sacrifício e precisa ser compensada.
-Que bom saber que vai ser um "sacrifício".
Harry e Laura se entreolharam, a linha delicada havia se rompido.
-Tenho três filhos, você sabe disso, certo?
-Claro que sei.
-Ótimo, porque precisamos estabelecer regras sobre como você vai interagir com eles.
Deanna olhou para Harry, que respondeu com um ar de resignação. Por dentro, ele só torcia para que a amiga aguentasse o resto da noite e não desistisse. Daniel parecia estar negociando um contrato de negócios, não um casamento.
-Outra coisa que você deve respeitar é que em casa temos regras de convivência que funcionam muito bem e não podemos... mudá-las.
-Você mora onde? Em uma base militar?
-Espero que não tenha dificuldade em se adaptar, apesar do seu evidente desinteresse por tudo o que digo.
-Não é desinteresse, mas dificilmente vou conseguir me adaptar a alguma coisa com essa atitude "militarizada".
-Militarizada? É só um pouco de disciplina... E você não pode continuar se vestindo desse jeito. -E apontou para os joelhos à mostra.
-Ah! Então é um convento, não uma base militar.
-Gente, por favor... -interveio Harry.
Mas dali em diante tudo desandou. As condições que Daniel tentava impor recebiam sempre uma resposta contrária de Deanna. Ele não estava sendo nada cortês; era estranho, costumava ser educado mesmo quando estava contrariado.
-São aspectos mínimos que preciso que você cumpra se quisermos que essa fachada não levante suspeitas. Você não é exatamente o tipo de mulher com quem eu sairia.
-Bem, obrigada? Entendo o que você diz, mas não a forma como fala, como se estivesse tentando fechar um contrato.
-Isso eu vou tratar com meu advogado amanhã, o contrato pré-nupcial. Vai ser um casamento falso, mas legítimo, e precisamos resolver isso também.
-Então deixa eu ver se entendi: tenho que seguir regras e largar a Universidade. Imagino que deva ter um manual sobre como devo lidar com seus filhos e ainda tenho que mudar meu jeito de me vestir. Quanto ao contrato pré-nupcial, entendo perfeitamente.
-Ótimo, fico feliz que tenhamos chegado a um acordo.
-Acordo? Isso é só o que você quer, mas eu também tenho minhas condições.
-Quais seriam?
-Já que não poderei continuar na Universidade, vou reservar um dia da semana, a meu critério, para ter aulas particulares de canto.
-Tudo bem, eu cubro esse gasto.
-Não preciso disso, eu trabalho.
-Do qual vai ter que abrir mão, então eu cubro o gasto.
Deanna estava prestes a explodir, só se continha porque Laura a olhava com olhos grandes e cheios de preocupação. Parecia implorar por paciência. Deanna respirou fundo.
-Muito bem... já que você é um caixa eletrônico com pernas, também quero um quarto na sua casa só para mim, que funcione como uma sala de música.
-Posso providenciar... é só isso?
-Por enquanto, acho que sim.
Ficaram em silêncio, sem se olhar. Harry e Laura estavam prendendo a respiração sem perceber enquanto assistiam à discussão.
-Amanhã vou falar com nossos pais para marcarmos uma reunião de família e poder apresentá-la. Confio que a Laura poderá ajudá-la a se adequar à situação -falava dela como se não estivesse no mesmo cômodo.
-Certo -disse Harry, lançando um olhar furtivo a Deanna, como se pedisse desculpas. Já a ouvia reclamando sem parar, mentalmente, das atitudes de Daniel.
Aquele homem era incrível: não mostrava o menor cuidado ao se expressar. Tratava todos como se fossem seus empregados e tivessem que seguir suas ordens.
-Vou embora então -disse Deanna, não aguentava mais.
-Deixa que eu chamo um táxi para você -disse Harry.
-Nada disso, eu a levo até em casa.
-Não acho que seja uma boa ideia, Daniel.
-Por que não? Em algumas semanas ela vai ser minha esposa, é o mais normal do mundo, Laura... Vamos.
Simplesmente se levantou e ficou de pé junto à porta, esperando-a. Ela se resignou, se despediu dos amigos e saiu. Não trocaram uma única palavra durante todo o trajeto, até chegarem ao prédio dela.
-Aqui você mora?
-Sim... Bom, obrigada por me trazer. Boa noite. -E foi só isso, saiu do carro e entrou no prédio.
Daniel ficou mais alguns minutos a observá-la, depois ficou pensando. Se não conseguisse moldá-la um pouco aos seus padrões, ninguém acreditaria naquela história. Era uma mulher combativa, que não ficava calada; tinha aquele cabelo caramelo todo cacheado, olhos grandes e expressivos, o sorriso acolhedor... Em que ele estava pensando?