Lorenzo não disse nada por um longo tempo. Os dedos dele seguravam o volante com firmeza, como se cada movimento fosse calculado. Mas Helena sabia: por trás daquele controle, havia raiva.
- A carta... - ela começou, a voz hesitante. - Era algo grave?
Ele desviou o olhar rapidamente para ela, e voltou para a estrada.
- Era um lembrete - respondeu, seco. - De que, nesse mundo, ninguém está seguro por muito tempo.
Helena se calou. Mas o que ele não disse pesou mais do que qualquer resposta.
Quando o carro finalmente parou, estavam diante de um prédio antigo, de fachada de mármore e portões de ferro retorcido. Dois homens armados abriram passagem assim que reconheceram Lorenzo.
Helena desceu do carro com cuidado, sentindo o chão frio sob os pés.
- Onde estamos? - perguntou.
- Num dos meus escritórios - respondeu ele, sem olhar para trás. - Hoje você vai entender o que significa poder.
O interior do prédio era silencioso, mas cada detalhe denunciava riqueza e autoridade: quadros de artistas renomados, mármore polido, o aroma leve de café recém-passado misturado ao de couro e tabaco.
Lorenzo atravessou o saguão até uma porta de vidro reforçado. Do outro lado, homens em trajes formais discutiam em voz baixa. Quando o viram entrar, o silêncio foi imediato.
- Senhor Vitale - um deles disse, levantando-se rapidamente. - Tivemos um problema com a remessa do porto.
Helena ficou parada próxima à porta, incerta se deveria entrar. Lorenzo, porém, fez um gesto breve com a mão.
- Fique - disse ele, sem olhá-la. - Vai aprender a diferença entre curiosidade e perigo.
Os homens começaram a explicar a situação: um carregamento interceptado, um traidor dentro da própria equipe, alguém vendendo informações para uma organização rival.
O nome do traidor ecoou pela sala - e o rosto de Lorenzo escureceu.
- Enrico - repetiu, quase num sussurro. - Eu o criei. E agora ele morde a mão que o alimentou.
Helena observava em silêncio, o coração acelerado. Havia algo assustador naquela calma que precedia o caos.
Lorenzo levantou-se lentamente.
- Tragam Enrico até mim - ordenou. - Hoje.
O modo como os outros homens se apressaram para cumprir o pedido deixou claro que desobedecê-lo não era uma opção.
Quando a sala esvaziou, ele ficou em silêncio por um momento, olhando para o chão, antes de se virar para Helena.
- Agora entende? - perguntou, a voz rouca. - É por isso que não posso me dar o luxo de confiar em ninguém.
- E por que eu? - Helena perguntou, sentindo o peso das próprias palavras. - Por que me colocar aqui, no meio disso tudo?
Ele se aproximou devagar, os olhos sombrios.
- Porque, de alguma forma que eu não entendo, você me acalma. - Sua voz perdeu a dureza por um instante. - E isso é perigoso pra mim... mas ainda mais pra você.
Helena sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
- Então me manda embora, Lorenzo. Antes que seja tarde.
Ele balançou a cabeça, quase com tristeza.
- Tarde já é, bambina.
O silêncio pairou entre eles, denso. Helena o observou de perto - o homem que todos temiam, o chefe de um império sombrio - e, pela primeira vez, percebeu algo humano por trás da frieza. Um cansaço antigo, uma culpa que ele jamais admitiria.
De repente, o som de passos apressados ecoou pelo corredor. Um dos seguranças entrou, ofegante.
- Senhor, localizamos o carro de Enrico. Ele não está sozinho.
Lorenzo trocou um olhar rápido com Helena, e por um instante ela viu o que nunca tinha visto antes: preocupação genuína.
- Mantenham o perímetro - ordenou ele. - Ninguém atira até eu chegar.
- Lorenzo, não vá - Helena pediu, instintivamente.
Ele parou diante dela, a poucos centímetros. O cheiro dele - um misto de couro e perfume amadeirado - a envolveu.
- Você vai ficar aqui, com Marco. - Ele apontou para o segurança à porta. - Se algo acontecer comigo, ele vai tirá-la daqui.
- Eu não quero ficar aqui - ela respondeu, a voz trêmula. - Não quero te ver se machucar.
Lorenzo segurou o rosto dela por um breve instante, o toque surpreendentemente suave para um homem tão duro.
- Eu não posso prometer nada, Helena. Mas quero que saiba... - Ele hesitou, os olhos fixos nos dela. - Você já é parte do que tento proteger.
Antes que ela pudesse responder, ele se afastou e desapareceu pelo corredor, deixando para trás o som pesado das portas se fechando.
Helena ficou parada, o coração batendo descompassado.
Lá fora, o mundo dele estava prestes a desmoronar.
E, no fundo, ela sabia - se Lorenzo caísse, parte dela cairia junto.