- Você deveria voltar para casa para uma refeição caseira. Seu pai gostaria de te ver. - o sorriso que ela oferece enruga seus olhos.
Pegando a caneca de café e deixando o calor mergulhar em minhas mãos através do copo, eu inalo o vapor que ondula na borda da caneca. - Eu irei em breve. Eu prometo. As coisas estão realmente muito complicadas no trabalho.
Ela mexe com uma colher ao redor de seu copo distraidamente. - Você trabalhou tão duro para ser detetive e, então eles te atiram direto no fundo do poço e não te deixam nem mesmo tomar um fôlego.
É estranho que ela ainda queira falar sobre isso. Ela sabe o quanto eu queria este trabalho e quão duro eu trabalhei para conseguilo. Eu perdi quatro anos de ensino por estar longe do mundo. Eu tive que fazer aulas à noite, curso de verão, e estudava duas vezes mais que todos os outros. - Eu gosto de trabalhar, - eu digo a ela, minha voz aumentando. - Se eu não me mantiver ocupada, eu volto para lá em minha mente e...
Seu rosto empalidece, tal como acontece cada vez que eu menciono o que aconteceu. Foi há anos, mas isso ainda está comigo, como um fantasma me assombrando. Mamãe e papai não gostam de falar sobre isso. Eles tentaram continuar de onde paramos quando eu era uma menina de quatorze anos de idade, ingênua e crédula. Essa menina morreu naquela cela na primeira vez que Benny pôs as mãos sobre ela.
O perfume floral me invade quando uma mulher se aproxima com uma criança. Ela está usando muito perfume e sua sombra azul combina com a bolsa azul brilhante que ela está carregando. Um item cai no chão, rolando para o meu pé. Eu me inclino, chegando para ele e paro. É uma boneca. Apenas uma boneca simples, mas que faz com que todos os pelos de meu corpo se arrepiem e minha mente gire descontroladamente.
É um sinal?
Ele está de volta?
Ele pediu para que ela a deixasse cair?
Ele está aqui, me olhando?
Eu pego a boneca do chão e chamo a mulher: - Com licença. - eu levanto e caminho para frente da lanchonete. - Você deixou cair isso.
Os olhos da mulher se arregalam e sua boca se abre. - Oh meu Deus, obrigada. Ela não dorme sem ela. - ela suspira, pegando a boneca e enfiando mais fundo em sua bolsa neste momento. Eu aceno meus dedos para baixo, para a menina, cujos olhos azuis estão fixos em mim. Ela se encolhe na coxa de sua mãe e sorri para mim.
- Jade, - minha mãe chama quando eu ainda estou de pé com minhas mãos enfiadas no bolso de trás da minha calça jeans, olhando da porta para a mulher e a criança que saíram a uns bons vinte segundos atrás.
Eu odeio perder tempo, perder muito tempo pensando e lembrando. É raro para mim, na verdade, ter um dia de folga, mas eu prometi à mamãe que eu a encontraria para um café e compras. Eu não quero fazer compras. O trabalho é onde eu devo estar, à espera de uma chamada para me ajudar a pegar Benny. Ele está adormecido por tanto tempo, mas eu sei no fundo da minha alma que ele irá ressurgir. Cada caso que assumo ser Benny; cada vitória é um dedo do meio para Benny.
Eu consegui fugir.
Eu consegui fugir e eu vou te pegar, seu bastardo.
- Então, que loja primeiro?
- Eu realmente sinto uma dor de cabeça chegando, - eu digo com um gemido, esperando que ela não possa ver através das minhas mentiras. - Você se importa se nós reagendarmos? - eu esfrego minha testa com as pontas dos dois dedos. Ela está acostumada às minhas saídas até agora e como uma boa mãe, ela me deixa ir.
- Está tudo bem, querida, - ela diz quando linhas de preocupação aparecem em sua testa. - Vá para casa e descanse um pouco.
- Eu vou, - eu digo, embora nenhuma de nós acredite na mentira.
* * *
Em vez de ir para casa, eu me encontro de volta na papelada na delegacia. Meu celular avisa que tenho uma mensagem de texto.
Detetive Idiota: $100 que você está trabalhando...
Meu parceiro gosta de me insultar nos fins de semana quando eu devia estar em casa, mas ao invés disso, trabalho em casos antigos e passo por uma papelada velha para ter certeza de que nada foi perdido na primeira vez. Ele é um idiota. Digito de volta com um sorriso se formando em meus lábios.
Eu: Eu poderia estar precisando de uma nova bolsa.
Eu estou largando o meu telefone de volta na mesa quando ele se acende novamente.
Detetive Idiota: HA! Você carrega dinheiro no sutiã. Eu nunca vi você com uma bolsa.
Idiota.
Eu: É por isso que eu preciso de uma.
Ding.
Detetive Idiota: Eu vou recolher o meu dinheiro na segunda de manhã, Phillips.
Duplo pé no saco.
- Phillips, - Chefe Stanton late, me assustando. Puxando meu telefone e colocando-o na minha mesa, eu lhe dou atenção. Está tarde; eu não tinha percebido o quão tarde era até eu olhar para cima do computador. Está escuro lá fora e meu estômago resmunga.
- Chefe, - eu aceno.
Ele para na minha mesa e se inclina. - Hoje não é seu dia de folga?
Suas sobrancelhas grossas e brancas se juntam e ele cruza os braços sobre o peito, enfatizando a barriga de cerveja que ele cultiva.
- Eu só queria fazer alguns ajustes em uns relatórios, - eu minto. Sempre minto.
Ele já sabe quanto tempo eu passo aqui, então ele deve estar aborrecido se ele está de pé aqui quebrando minhas bolas inexistentes.
- Aqui, - diz ele, cavando em sua calça e tirando uma nota de vinte. Ele para um par de segundos antes de me oferecer. - Eu posso ouvir a sua fome daqui. Vá pegar para nós alguns sanduíches de Benny.
Benny.
Baque.
- O quê? - eu suspiro, um tremor choca meu corpo.
- Jenny's Subs, do outro lado da rua, - ele resmunga e depois franze a testa. - Por que você está tão pálida? Ela passou na última inspeção sanitária. Foi apenas boatos sobre o rato. - ele balança a cabeça e acena a mão para me dispensar.
É Jenny, não Benny. Porra. Eu odeio como ele ainda me afeta.
- Na verdade, Chefe, um homicídio acabou de chegar. Eu poderia precisar dela, se isso estiver bem pra você, - Detetive Marcus diz, passando por minha mesa.
Se aproximando, Stanton pega de volta a nota de vinte e acena com a cabeça, gesticulando para eu ir com Marcus.
Encantador. Folgado.
* * *
- Por que você precisa de mim? - pergunto quando nós paramos em um bloco residencial. Nenhum dos detetives do departamento gosta tanto assim de mim, então ele me pedir para vir é incomum, para dizer o mínimo.
- Você vai ver, - ele sorri.
Minhas sobrancelhas se levantam e eu mordo o interior da minha bochecha, quando eu o sigo atrás do zumbido de outros moradores do edifício.
- Nós avisamos à vocês, policiais, que ele a mataria no final e vocês não ouviram, porra, - uma mulher grita, agitando as mãos em volta da cabeça como se estivesse espantando uma vespa.
Apontando para a porta aberta atrás dela, Marcus late, - Entre.
Ela bufa para ele e permanece parada onde pode ver o que estamos fazendo.
Policiais uniformizados estão na entrada da cena do crime.
- Faça essas pessoas entrarem em suas casas e diga a elas que estarei por perto para tomar declarações no devido tempo, - digo ao policial que parece querer vomitar sobre seus sapatos pretos brilhantes. Novato.
Entrando, há ruído e movimento à minha esquerda, onde uma cozinha está situada.
Dois caras de uniformes estão sentados com um homem forte em algemas. Ele está sem camisa e com respingos de sangue por todo o peito e rosto, exigindo ser solto e gritando que foi um acidente. Seus olhos se chocam com os meus e eu imagino vapor saindo de suas narinas quando ele respira pesado e profundo. Nele, eu vejo a mesma escuridão que Benny sempre teve em seus olhos, sem remorso, sem empatia.
Meus pés me levam para a sala de estar, onde uma mulher nua está de costas. Eu roço sobre sua carne exposta, registrando tudo que se destaca. Contusões nos pulsos de cor azul. Ela foi amarrada recentemente. Novos e antigos hematomas no interior de suas coxas. Sinais de sexo violento ou estupro. Hematomas em torno da garganta mostram sinais de estrangulamento. Coloração sugere que foi antes da morte e é mais do que provável que seja a causa da morte. Há uma lesão na cabeça de um objeto contundente, supostamente da lareira, mas o respingo sobre o suspeito na outra sala, o sangue e a falta de inflamação me diz que isso foi causado depois da morte.
Rolando minha cabeça nos meus ombros, eu puxo um par de luvas de látex do bolso do casaco e as encaixo no lugar antes de fazer o caminho de volta através do pequeno apartamento para a cozinha. O suspeito olha pra mim e levanta a cabeça.
- Foi um acidente. Ela caiu, - ele rosna.
- E as contusões? - eu questiono, lançando os olhos sobre ele para estudar a agitação em seu peito.
- Gostamos de foder, - ele diz com um encolher de ombros. - Áspero. Ela adora. Eu aposto que você também. - ele lambe os lábios e suspira para mim antes de enrugar o nariz. - A menos que você seja sapatão.
Porque eu sou uma detetive e não ando por aí no universo feminino? Isso é novo. Idiota.
- O que você usou? - eu pergunto, e seus olhos disparam em mim. - Para esmagar a cabeça. - eu esclareço.
- Ela caiu sobre a lareira, - ele late com um tom defensivo.
Um riso amargo me escapa quando eu movo meu dedo no ar para o sangue no peito dele e no rosto.
- Eu a segurei depois, - ele tenta.
- Você é um idiota.
Seu corpo fica tenso ao meu insulto.
- Você é o tipo que espanca uma mulher, estupra. Um pedaço de merda que estrangulou a namorada até a morte e, depois entrou em pânico. Você esperava que seu cérebro do tamanho de amendoim pudesse bolar um plano, então encontrou algo que pudesse usar para bater na cabeça dela e depois a deixou à beira da lareira.
Eu cutuco seu peito e ele rosna.
- A autópsia irá mostrar a causa da morte, idiota. Mas, enquanto isso, me deixe te ensinar uma coisa. O sangue não coagula após a morte, ele pulveriza de forma diferente, e sem o corpo para bombear o sangue nas veias, ele fica lá dentro, em vez de bombear para fora. - eu chego na parte de trás da sua cabeça e uso todo o meu peso para bater a sua cabeça na mesa, saboreando o estalo quando seu nariz se quebra.
- Filha da puta, eu vou te matar! - ele grita quando o sangue jorra de seu nariz.
- Você tropeçou, e você vai sangrar mais do que ela. - eu sorrio, e me viro para Marcus.
- Ela me atacou. Ela me atacou, - ele grita.
- Você tropeçou, - ambos os caras de uniformes dizem em uníssono.
- Haverá um objeto escondido em algum lugar que ele usou após a morte, - eu aviso. - Talvez um ornamento pesado ou o fundo de um troféu. O estrangulamento causou a morte dela. Eu vou pegar carona para casa.
* * *
Marcus sabia que eu ia ser dura com o suspeito, é por isso que ele queria que eu fosse. Ele sabe que eu odeio violência contra as mulheres mais do que qualquer outra coisa, mas eu não sou o seu entretenimento. Eu posso ter feito o trabalho por ele; eu não ia ficar para a limpeza.
Subindo na cama, eu afago meu namorado, Bo.
Bo Adams, o rapaz literalmente da casa ao lado. Quando eu fui resgatada e, finalmente, encontrei os meus pais, foi Bo que veio em meu auxílio emocional. Meus pais não sabiam nada sobre como lidar com a minha raiva. Fiquei furiosa que eu não conseguia encontrá-la. Furiosa comigo mesma. Furiosa com a polícia. Furiosa com os meus pais.
Foi Bo que me mostrou como canalizar essa agressividade.
Ele me levou para a minha primeira aula de autodefesa apenas três meses depois que eu voltei para casa. Minha cabeça ainda estava fodida e eu estava fraca, mas, eventualmente, eu me tornei obcecada. Não só eu aprendi a me defender, mas aprendi como me livrar de alguém que poderia me atacar e depois fiz outras aulas como kickboxing.
Ele me ensinou a atirar. Primeiro apenas em latas de refrigerante na parte de trás da casa, na mesa antiga de seu pai, mas, em seguida, ele me ensinou a caçar e a cada morte era Benny nos meus olhos. Cada aperto do gatilho, a resistência, e então a recompensa era gratificante. Cada vez eu fantasiava sobre isso penetrando na sua pele, sangue, ossos.
Bo me ajudou a canalizar essa agressividade, o ódio, e o que começou como uma amizade entre ele e eu, evoluiu para algo mais. Uma vez que me mudei para a cidade, Bo me seguiu, conseguindo uma vaga aqui na universidade local, e nós temos vivido juntos desde então. Ele odeia quando eu trabalho até tarde e nos fins de semana, porque este é o tempo que podemos ficar juntos e isso nem sequer é intencional para ele.
Eu sou uma namorada terrível, mas ele simplesmente não pode ver isso.
Rolando sobre minhas costas, eu olho para o teto e rezo para conseguir dormir, assim como todas as noites, para Benny fodido me deixar em paz.
Claro, minhas orações não são ouvidas.
Ele está comigo no momento que fecho meus olhos.