- Você quer se sentar? - pergunta ela, gesticulando com a caneta que não produz tinta. Em vez disso, escreve em um tablet que envia diretamente para seu computador para arquivar para uma data posterior. Tão sofisticado...
Por que as pessoas sentem a necessidade de falar com um psiquiatra eu nunca vou entender. Mas isso não serve ao meu propósito. Que mal pode fazer?
- Eu gosto da sua roupa, - eu minto, e eu acho que ela sabe disso. Seus olhos se estreitam, me medindo de cima abaixo.
- A sua também é muito bonita. - seu sorriso genuíno enruga as linhas ao redor dos olhos, mostrando a sua idade.
Bonita.
A palavra na boca de outra pessoa é apenas uma palavra.
Respire.
Minhas mãos pousam na frente do meu vestido e eu quase sinto em usá-lo, mas não completamente.
Bonequinha linda.
Meus dedos deslizam ao longo do vidro frio do aquário de peixe no meio da sala. É claro que foi colocado lá para trazer um impacto, mas tudo o que me diz sobre essa mulher é que ela é sozinha, como eu. Só que eu não preciso me cercar de animais de estimação que vão morrer e ser substituídos para saber isso.
Aqui neste mundo grande e mau, eu estou sozinha.
Ela me permite vaguear no seu espaço e não insiste para eu me sentar ou falar, então eu tomo meu tempo e, eventualmente, me sento na cadeira.
- Como você está? - ela pergunta.
Que coisa simples, ainda que seja uma pergunta. Como estou?
Eu estou assustada. Estou com fome. Estou perdida.
- Eu estou sentindo falta de um pedaço de mim, - eu respondo a verdade antes de mudar o meu olhar para avaliar sua resposta.
Ela estava esperando tal honestidade? Será que ela vê através do meu vestido e meu cabelo, a boneca quebrada que está embaixo?
- Me conte sobre isso. O que está faltando? - ela roda a caneta sobre o tablet, mas não consigo ver o que ela está escrevendo. Seu nariz franze ligeiramente e isso me faz pensar que ela percebe mais do que eu acho.
Ela não mantém os olhos baixos e de alguma forma consegue manter contato visual comigo o tempo todo, apesar de sua tomada de nota subtil.
- Quando eu era uma menina, - eu digo, distraída, os olhos indo para o aquário de peixes, onde um peixe azul persegue um amarelo, - minha irmã era fascinada pelo meu cabelo. Ela costumava trançar ambos os lados e eu costumava deixar. Isso ajudava a evitar que os nós se formassem. - eu sorrio com carinho, relembrando.
- Me conte mais sobre a sua irmã, vocês eram próximas? - o interesse da mulher é despertado e ela se inclina ligeiramente para frente, como se ela não quisesse perder um único detalhe.
A imagem dela pisca na minha mente e eu a mantenho lá, aterrorizada que um dia a memória do seu rosto vá desaparecer e fugir para sempre. Tão perfeita. Cabelo escuro. Olhos castanhos brilhantes. Bonita.
Bonequinha linda.
- Mais próximas do que qualquer coisa, - eu sussurro. Meus braços serpenteiam em torno do meu estômago. - Você tem um pouco de água?
Ela aponta para um jarro de água transparente que parece ter um pepino cortado flutuando. - Fique à vontade.
Eu derramo a água e uma fatia estatela no copo, fazendo com que alguns pingos saltem para fora, molhando a mesa.
- Desculpe, - murmuro, tentando limpar com a minha mão. Eu não sei me comportar em um apartamento estúpido que tem peixes como um recurso de água potável.
- Está tudo bem, deixe ai. - inclinando-se para frente, ela dá um tapinha na minha mão e eu tremo, voltando no meu lugar. Seus olhos se arregalam e ela levanta a mão em sinal de rendição. - Eu sinto muito, você não gosta de ser tocada?
Eu gosto de ser tocada... apenas não por estranhos.