Uma pausa do outro lado. "Sra. Burris, tem certeza? Na semana passada, você parecia... hesitante." A advogada, Dra. Thorne, soava surpresa. E um pouco cética.
"Tenho certeza absoluta", afirmei. Cada palavra um golpe de martelo contra os fragmentos remanescentes da minha antiga vida. "Não há mais volta. A situação... escalou." Minha voz estava plana. Sem emoção.
"Muito bem. Vamos preparar a papelada. Com que base você está procedendo?" ela perguntou. Seu tom agora nítido e profissional.
"Adultério, abuso emocional, manipulação financeira e fraude de identidade", listei calmamente. As palavras pareciam uma língua estrangeira na minha boca. No entanto, eram a minha verdade.
Outra pausa. Mais longa desta vez. "Fraude de identidade, Sra. Burris? Essa é uma alegação significativa."
"É", concordei. "E tenho motivos para acreditar que Cadu Sampaio renunciou à sua cidadania americana. Preciso que você verifique isso. E inicie uma auditoria financeira completa. De todos os seus bens. E os de Kennedy Patel."
"Renunciou à cidadania?" Dra. Thorne repetiu. Uma nova nota de urgência em sua voz. "Isso complica as coisas significativamente. Especialmente com a divisão de bens."
"Não me importo com os bens", eu disse. "Não quero nada dele. Apenas meu nome de volta. E justiça pelo que ele fez." A mentira sobre não me importar com os bens era pequena. Necessária. Meu foco real estava em outro lugar.
"Entendido", ela respondeu. "Começaremos imediatamente. E o contrato internacional que você mencionou? Aquele com a filial europeia da Corporação Olsen?"
"Está confirmado", eu disse. "Estarei saindo do país até o final da semana. Preciso que os papéis do divórcio sejam protocolados antes de eu ir. E preciso que todo esse processo seja o mais silencioso possível por enquanto. Sem vazamentos para a imprensa."
"Uma tarefa difícil, dado o perfil público do Sr. Sampaio", Dra. Thorne ponderou. "Mas faremos o nosso melhor. Enviarei os documentos iniciais em breve. Algo mais?"
"Sim", eu disse. Minha voz baixando. "Também preciso que você investigue o passado de Kennedy Patel. Suas supostas conexões familiares. Tudo."
"Considere feito, Sra. Burris. Entraremos em contato." A voz da Dra. Thorne desapareceu. A chamada terminou.
Olhei para o telefone. Minha nova casa, aquela que Cadu havia meticulosamente curado para Kennedy, parecia um museu. Cheio de objetos requintados e sem alma. Cada peça uma lembrança dela. Uma escultura elegante e minimalista estava onde a cadeira de balanço antiga da minha avó costumava ficar. A arte vibrante e eclética que eu amava foi substituída por gravuras austeras e monocromáticas. Elas ecoavam o vazio no meu peito.
Uma notificação soou no meu laptop. Um e-mail. Era da Corporação Olsen. Uma carta de confirmação para meu novo cargo. Tradutora arquitetônica, divisão europeia. Minha rota de fuga estava solidificada.
Comecei a fazer as malas. Não apenas roupas. Mas cada pequeno item que era inegavelmente meu. A cópia gasta do meu livro favorito de história da arquitetura. Uma pequena foto emoldurada de Joana e eu rindo em uma praia. O pequeno pássaro de cerâmica que comprei na nossa lua de mel, antes que as mentiras se tornassem tão densas.
Meu casamento com Cadu não era uma parceria. Era uma gaiola dourada. Uma armadilha lindamente construída. Ele me lisonjeou. Me cortejou. Me fez acreditar que eu era o centro do seu mundo. Tudo enquanto me usava como um escudo. Como um degrau.
Minha aliança de casamento, um diamante do tamanho da minha unha, parecia pesada no meu dedo. Um símbolo de um amor que nunca foi real. Eu a tirei. Deixou uma marca pálida na minha pele. Desenrolei a pequena bolsa de veludo que guardava na minha caixa de joias. Dentro havia um delicado medalhão de prata. Da minha avó. Era a única joia que realmente me pertencia. Uma conexão tangível com minha própria linhagem. Coloquei o medalhão. O metal frio contra minha pele parecia uma promessa. Uma promessa da minha própria verdade.
Eu deixaria a aliança. Uma declaração final e silenciosa de divórcio de suas mentiras.
Um zumbido suave vindo do andar de baixo. Cadu estava em casa. E Kennedy. O som familiar de suas risadas subiu. Eu congelei. Minha mão pairando sobre uma caixa meio embalada. Fui até o topo da escada. Espiando pelo corrimão.
Cadu estava na cozinha recém-reformada. Ele segurava Kennedy perto. Sua mão acariciando o cabelo dela. A cabeça dela repousava em seu peito. Ela estava usando meu roupão de seda. O azul claro que eu usei esta manhã. O que ele me comprou no Dia dos Namorados do ano passado.
"Minha pequena arquiteta", ele murmurou. Sua voz suave. O mesmo apelido que ele costumava usar para mim. O mesmo tom de reverência. Ele afastou uma mecha de cabelo do rosto dela. Seus olhos, geralmente guardados, estavam suaves, adoradores.
Minha visão embaçou. Uma onda sufocante de ciúme e dor me invadiu. Lembrei-me de estar naquela mesma cozinha. Meses atrás. Cadu estava fazendo o café da manhã. Seus braços me envolvendo por trás. Minha cabeça aninhada em seu ombro. Falamos sobre reformas. Sobre construir uma vida.
Ele me prometeu a eternidade. "Aubrey, você é a única mulher para mim", ele sussurrou no meu cabelo. "Meu futuro. Meu tudo." As palavras, antes um conforto, agora ecoavam como uma zombaria cruel.
Lembrei-me dos primeiros dias do nosso relacionamento. Cadu, o CEO de tecnologia ambicioso. Sempre um pouco rude. Um homem que se fez sozinho, de origens humildes. Ele parecia tão vulnerável sob sua ambição. Tão necessitado da minha força tranquila. Da minha compreensão. Ele havia falado de um coração partido no passado. Uma mulher que o deixou quebrado. Eu acreditei que o estava curando. Tornando-o inteiro. Preenchendo o vazio.
Agora eu sabia. O vazio sempre foi dela. Da Kennedy.
Lembrei-me de quando conheci Kennedy anos atrás. A bolsa de estudos internacional. Meu projeto, um parque urbano sustentável e imponente. Semanas de noites sem dormir. Paixão derramada nas plantas. Então a apresentação da Kennedy. O projeto dela. Idêntico. Meu mundo implodiu. Eu a vi então como uma rival astuta. Uma ladra. Mas eu não tinha visto verdadeiramente a profundidade de sua malícia. Ou a profundidade da cumplicidade do Cadu.
Cadu, então recém-saído da faculdade, subindo na carreira. Ele apareceu. "Não deixe ela ganhar, Aubrey", ele disse. "Lute pelo que é seu." Ele me consolou. Prometeu me ajudar a expô-la. Mas ele nunca o fez. Ele apenas... me pediu em casamento. E eu, de coração partido e vulnerável, aceitei. Acreditando que seu amor era meu consolo. Minha redenção.
Kennedy sempre esteve lá. Uma sombra. Um sussurro. Às vezes um insulto direto. Como a vez em que ela questionou publicamente minha "integridade arquitetônica" em uma gala da indústria, sabendo muito bem do escândalo de plágio. Ou quando ela "acidentalmente" derramou vinho tinto no meu vestido branco em um evento de caridade. Cadu sempre minimizava. "Ela só está com ciúmes, querida. Você é muito mais talentosa."
Ele sempre a colocou em primeiro lugar. Sempre. Mesmo quando descobri que meu projeto original da bolsa de estudos havia de alguma forma "desaparecido" dos arquivos da competição, apagando permanentemente a prova do roubo da Kennedy. Cadu apenas deu de ombros. "Algumas coisas estão além do nosso controle, Aubrey. Deixe para lá."
Suas palavras agora pareciam golpes. "É uma pena que você perdeu aquela bolsa, Aubrey", ele disse uma vez, com um brilho estranho nos olhos. "Você poderia ter sido muito mais." Ele me minou sutilmente. Sempre.
Ele nunca me amou. Ele nunca sequer me viu. Eu era apenas um tapa-buraco. Um escudo conveniente.
"Querida, você está aí parada", a voz da Kennedy, enjoativamente doce, perfurou meus pensamentos. "Você está se sentindo mal?" Ela estava ao lado do Cadu, sua mão repousando delicadamente em seu braço. Um olhar de triunfo malicioso em seus olhos. Não era mais sutil.
Cadu se virou. Seus olhos, frios e distantes agora, encontraram os meus. "Aubrey. O que você está fazendo aqui embaixo?" Seu tom era afiado. Acusatório.
Antes que eu pudesse responder, meu celular vibrou na minha mão. De novo. E de novo. Uma sucessão rápida de notificações. Meu coração disparou. O pavor familiar retornou.
Olhei para a tela. Meus olhos se arregalaram de horror. Era a Joana. Seu rosto, manchado de lágrimas e distorcido, me encarava de uma imagem borrada. Uma enxurrada de comentários odiosos rolava abaixo dela. E então, um link. Para um site. Cheio das fotos mais íntimas da Joana. Da época da faculdade. Expostas. Para o mundo inteiro ver.
Cadu tinha feito isso.