Noventa e Nove Cartas, Mil Mentiras
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Capítulo 4

Ponto de Vista de Aubrey Burris:

"A família Olsen procura por sua herdeira perdida há décadas", a voz da Dra. Thorne ecoou da tela rachada do celular. "Eles a chamam de... Aubrey Olsen."

O nome me atingiu como um raio. Aubrey Olsen. Meu nome. Não apenas meu primeiro nome. Mas o sobrenome da família poderosa e reclusa com quem eu só sonhava em trabalhar. Meu estômago se revirou. Parecia que eu tinha acabado de levar um soco.

Cadu ficou paralisado. Seu rosto pálido. Kennedy gritou. Um som agudo e em pânico que perfurou o silêncio atordoado da cozinha. Ela se lançou para o celular. "Não! Isso é mentira! É meu!"

Ela agarrou o celular. Seus dedos se fecharam. Eu o puxei de volta. Seu aperto era surpreendentemente forte. Forte demais. O celular, já rachado, escorregou dos meus dedos novamente. Desta vez, atingiu o azulejo duro. Estilhaços de vidro explodiram. A tela ficou escura. Morta.

O quarto girou. O ar parecia denso. Sufocante. Meu corpo começou a tremer incontrolavelmente. Meus joelhos cederam. Caí no chão frio. A realidade fria e dura das palavras da Dra. Thorne desabou sobre mim. Não apenas um projeto roubado. Não apenas um casamento falso. Mas toda a minha identidade. Meu direito de nascença. Roubado.

Ele se casou comigo. Não para me impedir de expor a Kennedy. Mas para conseguir uma amostra de DNA. Meu DNA. Para ajudá-la a reivindicar minha herança. Minha linhagem. Ele me fez de boba. Um peão em seu jogo distorcido de ambição e obsessão. Cada palavra terna. Cada sonho compartilhado. Cada momento do nosso suposto amor. Era tudo uma mentira cuidadosamente construída. Um meio para um fim.

A humilhação era insuportável. Pulsava em cada terminação nervosa. Uma dor crua e ardente. Senti-me esvaziada. Uma marionete com suas cordas cortadas. Meu propósito. Minha existência. Tudo ligado a um homem que me via como nada mais que uma ferramenta.

Lembrei-me do toque gentil de sua mão na minha bochecha. "Minha Aubrey inteligente", ele disse, seus olhos cheios do que eu pensei ser adoração. "Tão perspicaz. Tão talentosa." Ele estava me preparando. Elogiando as mesmas qualidades que pretendia explorar.

As lágrimas vieram então. Quentes e ardentes. Mas não eram por ele. Não eram pelo casamento desfeito. Eram pela mulher inocente e ingênua que eu tinha sido. A mulher que acreditou no amor. Na verdade. Nele. Aquela mulher estava morta. Enterrada sob camadas de engano e traição.

Senti-me entorpecida. Nada mais importava. Minha esperança. Meus sonhos. Meu futuro. Tudo parecia poeira.

Mais tarde naquela noite, depois que o choque se transformou em uma dor surda, me peguei navegando nas redes sociais. Uma curiosidade mórbida. Ou talvez uma necessidade desesperada de mais dor.

Cadu havia postado uma foto. Uma Kennedy sorridente. Seu braço entrelaçado no dele. Um enorme anel de diamante brilhava em seu dedo. Meu anel. O que ele me deu. "Celebrando nossos novos começos", dizia a legenda. "Tão orgulhoso da minha brilhante noiva, Kennedy Patel, o futuro da Corporação Olsen. Em breve, Kennedy Sampaio-Olsen."

Sampaio-Olsen. Ele já estava planejando. Meu nome. Minha linhagem. Anexado ao dela. Publicamente. Minha visão embaçou novamente. Meu estômago se revirou. A ironia era um gosto amargo na minha boca. Ele estava ostentando sua traição. Seu roubo. Para o mundo ver.

Fechei os olhos. Uma risada fria e dura escapou dos meus lábios. Esta era uma execução pública. Um espetáculo cuidadosamente orquestrado da minha queda. E eu era a estrela.

Um barulho repentino vindo do andar de baixo. A porta da frente. Escancarada. Meus olhos se abriram. A adrenalina percorreu meu corpo. Cadu. Ele estava de volta. E parecia furioso.

"Aubrey!" Sua voz, crua de raiva, berrou da sala de estar. "Onde você está?!"

Levantei-me de um salto. Cada instinto gritava para eu correr. Mas para onde? Eu estava presa. Na minha própria casa. Meu suposto santuário.

Ele invadiu o quarto. Seus olhos, geralmente de um azul calmo, agora eram poças escuras e tempestuosas de fúria. Ele me viu. De pé, perto da janela. Meu celular quebrado ainda na minha mão.

"Você ligou para sua advogada? Você tentou nos expor?" Sua voz era baixa, tremendo de violência contida. Ele caminhou em minha direção. Cada passo pesado. Ameaçador.

"Você já expôs tudo, Cadu", eu disse. Minha voz plana. Sem vida. "Com suas mentiras. Seu outro casamento. Seu... esquema."

Ele me alcançou. Sua mão disparou. Agarrando meu pulso. Com força. Tão forte que doeu. "Não se atreva a falar assim comigo!" ele sibilou. Seu rosto a centímetros do meu. Seu hálito, cheirando a uísque, quente contra minha bochecha.

"Me solta, Cadu!" eu gritei. Lutei contra seu aperto. A lembrança do meu braço machucado da manhã passou pela minha mente.

Ele não soltou. Ele apertou mais. Sua outra mão segurando meu queixo. Forçando minha cabeça para cima. Seus olhos perfuraram os meus. Não era mais o homem com quem me casei. Este era um estranho. Um predador.

"Você acha que pode simplesmente ir embora? Você acha que pode me expor? Arruinar tudo que construí com a Kennedy?" Ele rosnou. Seu aperto implacável. "Você me pertence, Aubrey. Sempre pertenceu."

Minha mente recuou. Pertencer a ele? Eu não era uma posse. Eu não era uma coisa. Mas sua força era esmagadora. Minhas lutas eram fúteis. Meu corpo parecia fraco. Quebrado.

Ele me arrastou para fora do quarto. Desceu as escadas. Meus pés mal tocando o chão. Meu coração batia contra minhas costelas. Uma batida frenética de terror.

"Para onde estamos indo?" ofeguei. Minha voz tensa.

Ele não respondeu. Ele apenas me puxou. Seu aperto como faixas de ferro em meus pulsos. Parei de lutar. Meu corpo ficou mole. Deixei que ele me arrastasse. Meus olhos desfocados. Minha mente se retirando para um lugar seguro e entorpecido.

Ele abriu a porta do passageiro de seu elegante carro preto. Me empurrou para dentro. Os assentos de couro pareciam frios contra minha pele. Ele me afivelou. Então amarrou minhas mãos com um lenço de seda. Um dos meus. Meu próprio lenço. A ironia era um sussurro cruel em minha mente.

Ele entrou no banco do motorista. Ligou o motor. O zumbido poderoso vibrou pelo carro. Ele olhou para mim. Seus olhos ainda ardendo de raiva.

"Por que você está me olhando assim, Aubrey?" ele rosnou. "Você parece que me odeia."

Meu olhar permaneceu vazio. Fixo na estrada à frente. Eu não lhe daria a satisfação. Eu não lhe daria um centímetro.

"Você não vai nem dizer nada?" ele pressionou. Sua voz carregada de frustração. "Você geralmente é tão rápida com suas palavras. Suas respostas inteligentes."

Meu monólogo interno era uma torrente de desprezo. *Você quer palavras, Cadu? Que tal 'traição', 'engano', 'fraude', 'monstro'?* Mas mantive meus lábios selados. Meu rosto impassível.

Ele suspirou. Um som longo e exasperado. "Tudo bem. Fique assim." Ele dirigiu em silêncio por um tempo. As luzes da cidade passavam borradas. Minha mente estava em turbilhão. O que ele estava fazendo? Para onde estava me levando?

O carro parou em frente a um prédio familiar, mas estranhamente alterado. Uma clínica de luxo. Uma fachada discreta e anônima. Meu sangue gelou. O tipo de lugar para... procedimentos. Para coisas que precisavam ser mantidas em segredo.

Ele se virou para mim. Seu rosto suavizou. Uma doçura sacarina que me deu arrepios. "Aubrey, meu amor", ele murmurou. Sua mão se estendendo. Para acariciar meu cabelo. Eu me afastei. "Não tenha medo. Isso é para o seu próprio bem. Para o nosso bem. Nós só precisamos... esclarecer algumas coisas."

Ele saiu do carro. Abriu minha porta. Desamarrou minhas mãos. Mas seu aperto ainda estava firme no meu braço. Ele me levou para dentro. O cheiro estéril de antisséptico encheu minhas narinas. Meu coração martelava contra minhas costelas. Um pássaro frenético preso em uma gaiola.

Uma médica, uma mulher de rosto severo em um jaleco branco, cumprimentou Cadu com um aceno de cabeça. "Sr. Sampaio. Ela está pronta."

"Ótimo", disse Cadu. Sua voz calma. Calma demais. "Aubrey, esta é a Dra. Elena. Ela vai nos ajudar. Apenas um pequeno... procedimento. Para garantir que o tratamento da Kennedy seja bem-sucedido."

Minha mente disparou. O tratamento da Kennedy? Que tratamento? Um pensamento aterrorizante surgiu. Ele estava... ele estava tentando me incapacitar? Me tornar complacente?

"Não", sussurrei. Minha voz tremendo. Tentei me afastar. "Cadu, o que você está fazendo? Me solta!"

Seu aperto se intensificou. Seus olhos, geralmente tão calculistas, agora continham um brilho estranho e desesperado. "Aubrey, não dificulte as coisas. Tem que ser assim. Pela Kennedy. Pelo nosso futuro."

"Seu futuro? Com o nome da minha família? Minha herança?" Minha voz se elevou. Um apelo desesperado.

Seu maxilar se contraiu. "Você não entende, Aubrey? A Kennedy é frágil. Ela precisa disso. Ela precisa de nós." Seu olhar era intenso. Fanático. "Ela perdeu tanto por minha causa. É assim que eu conserto. É assim que eu a torno inteira novamente."

Ele me empurrou gentilmente em direção à médica. Em direção a uma mesa de aço inoxidável. Meu corpo parecia pesado. Minha resolução, antes tão feroz, estava desmoronando sob o peso de sua obsessão.

Lembrei-me de suas palavras das cartas de amor. *Você é a arquitetura da minha alma, Kennedy.* Ele não estava apenas construindo uma vida para ela; ele estava demolindo a minha para fazer isso.

Minha mente, antes tão afiada, parecia embotada. As imagens passavam rapidamente. O dia do nosso casamento. O sorriso dele. Meus votos. Tudo mentira. A mulher que eu era o amava. Desesperadamente. Cegamente. Aquela mulher se foi agora. Substituída por uma casca oca. Um recipiente de dor.

O que mais ele poderia tirar? O que mais ele poderia fazer? Fechei os olhos. Preparando-me para o próximo golpe. A próxima humilhação. O próximo apagamento.

Eu sabia, com uma certeza arrepiante, que este era apenas o começo de seu jogo cruel.

            
            

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