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Lisbeth precisava de ar. O peito pesava tanto, que chegava a doer. Ela levantou da cama, ainda vestida com sua camisola de seda. Ela passou uma perna pela grande cama de dossel adornado e correu nas pontas dos pés para não fazer muito barulho. Se seus irmãos descobrissem, certamente seria amarrada ao pé da cama de um deles, para que se certiticassem que não iria fugir de novo.
Mas não estava fugindo, certo?
Queria apenas um pouco de ar fresco.
Ela abriu a porta e cuidou para que não rugisse, fazendo uma careta um tanto indelicada para uma donzela. Ela saiu do quarto, comemorando com passos apressados na direção do corredor.
Mais um pouco.
Só mais um pouco...
Ela viu um vulto passar aos pés da escada. Praguejou internamente, pedindo a Deus que não houvesse ninguém ali, mas havia, devia saber. Ela desceu a escada mesmo assim, segurando o ponto entre o meio da saia da camisola delicada. Lisbeth então apressou-se novamente, e não se preocupou se fazia ou não barulho. Ela conseguiu chegar na sala de visitas, atravessou a escadaria e, para a sua surpresa, ouviu cochichos. Eram as criadas.
Maldita sejam.
Seu corpo congelou de imediato.
Então Prudence entrou na sala, segurando uma vela.
- Milady... - ela parecia chocada ao ver Lisbeth. A moça abriu um sorrisinho amarelo e disse:
- Preciso de um pouco de ar fresco. - Explicou-se.
Ela podia ver as engrenagens na mente de Prudence. Lisbeth talvez tenha pensado em sair correndo na direção do hall de entrada, mas simplesmente não conseguia. Prudence assentiu.
- Faz bem. Está muito quente, de fato.
Salva por Prudence.
Ela sabia que não devia confiar tanto numa criada - ainda mais depois do que aconteceu -, mas acontece que Prudence era a sua verdadeira confidente. Lisbeth não tinha muitos amigos por toda a Kent; as moças de sua idade eram confinadas em suas propriedades luxuosíssimas e seria falta de decoro visitá-las sem uma devida apresentação. A verdade é que ficou longe por muito tempo.
Lisbeth respirou fundo e se colocou novamente nas pontas dos pés. Não se importava se suas meias ficariam pretas de sujeira. Apenas queria um pouco de paz.
Ela alcançou o hall de entrada e saiu, correndo livremente pelos degraus da entrada da suntuosa mansão. Ela se esgueirou, virando à esquina e correu sem prestar atenção. O luar iluminara boa parte do trajeto, mesmo assim sua visão não era confortável. A escuridão da noite cobrira-a com seu manto escuro e denso. De repente, sentiu o pé bater em algo.
O pé machucado.
Não sabia ao certo, mas caíra como um saco de batatas. E, antes que pudesse atingir o chão, alguém a segurou. O doce aroma do campo invadiu seus pulmões. A figura segurava um lampião, a luz errática enfatizava o abdômen por trás da camisa aberta de linho.
- Lisbeth?! - Ela conhecia aquela voz. Definitivamente conhecia aquela maldita voz. E quando olhou para cima pode matar a dúvida que fez um arrepio gélido correr o corpo. - É você?
Nicholas.
Ela o encarou como se fosse um fantasma. Um fantasma lindo e cheiroso. Muito cheiroso.
Ele lhe deu a mão e ela sentiu só então uma fisgada no pé. Isso a fez soltar um som do fundo da garganta. Ela sentou-se, a perna parecia rígida. Nicholas ainda a olhava, surpreso, mas não tão mais surpreso que a própria Lisbeth.
- Você precisa cuidar disso. - Ele disse. Os fios castanhos de Nicholas roçaram a testa. - Vamos, antes que comece a chover. - Ele disse. Ela assentiu, pegou a mão dele e tentou se erguer, mas não conseguiu. A chuva não esperou que conseguisse. Nicholas a pegou no colo, sem breve aviso. - Será melhor assim, desse jeito não precisará forçar o pé. - Ela apoiou uma mão no peito dele, tão liso... tão másculo e forte. Outro arrepio correu sua espinha, mas dessa vez era o vento sereno que lhe soprava.
Nicholas a segurava firmemente, e Lisbeth não precisava olhá-lo daquela forma, mas parecia um encanto. Seus olhos escuros eram perfeitamente brilhantes e ela não cansava de olhar para o lindo rosto esculpido. Ele a levou até os estábulos. Lisbeth não sabia que ainda estava trabalhando ali; não depois do que aconteceu. Há uma semana, quando chegou, não pôde sair, pois James a repreendera. Os únicos passeios eram vigiados por uma dama de companhia ou por um dos irmãos. Pelo visto, Nicholas também não fazia ideia de que ela havia retornado.
Entraram nos estábulos e ele a pousou numa cama improvisada de feno e lençóis quentes. A chuva não a molhara muito, mesmo assim, a camisola grudara à pele, de modo que parecesse despida. Nicholas a olhava intensamente, e Lisbeth se sentia como se nenhum minuto tivesse passado entre os dois. O peito acelerado, a respiração ofegante. Um desejo incontrolável.
- Não sabia que ainda trabalhava para... - ele pegou seu pé com muita delicadeza, mas o modo como fizera fez Lisbeth corar. Ele sorriu de canto. Havia sangue e um machucado em torno do pé delicado. Ele esticou o braço e rasgou a manga, de modo que Lisbeth pudesse ver os músculos do braço se contraírem. Nicholas se afastou e regou o pedaço de tecido numa tigela de barro cheia de água. Quando voltou, limpou o pé de Lisbeth. - Obrigada.
Os olhos azulados de Nicholas procuraram os de Lisbeth.
- Em troca de moradia e um pouco de comida - Nicholas disse, amarrando o pé de Lisbeth, de modo que o ferimento fosse coberto. - Aceitei trabalhar a mando de seu irmão. - Lisbeth notou que o peito subia e descia. Será que Nicholas percebia o quão nervosa estava? - Não precisa ter receio. Não faria nada com a srta. - É claro que sim, Lisbeth concordou. Isso fez Nicholas sorrir ainda mais largo. - Mas creio que não por muito tempo. - Lisbeth praticamente arregalou os olhos. - Não irei ficar aqui por muito tempo. Perdoe-me. Não quis assustá-la.
Lisbeth recuou.
- Dói em algum lugar? - Perguntou ele. Lisbeth fez que não e quando abriu a boca, não teve certeza de que deveria perguntar o que passou à sua mente.
- O senhor não deveria estar com sua esposa? - Nicholas a fitou, como se não entendesse, mas depois levantou as sobrancelhas e fez que não. - O senhor não tem esposa?
- Nunca tive. - Ele levantou os olhos e Lisbeth certificou-se de que a camisola pudesse parecer mais adequada, o que parecia impossível, de qualquer forma. - Por que a senhorita pensou isso?
Lisbeth procurou alguma coisa que parecesse com mentira em seu rosto, mas conseguiu encontrar apenas sinceridade, e um belo par de olhos azuis.
- Pensei que o senhor estivesse cortejando uma moça quando... - ela percebeu que ele estava perto demais, por isso, encolheu-se em seu lugar. - bem, antes de eu partir.
- Seu irmão disse que seria o necessário para que a senhorita pudesse viver em paz. Acreditei que fosse, de fato. E funcionou, mesmo que uma parte do meu ser tenha se arrependido amargamente. - Lisbeth o encarou com um sentimento cortante, um misto de saudade e desprezo. - Foi uma armação. Eu não queria que boatos como aqueles estragassem sem devido futuro, Milady. - Ele percebeu o que disse e corrigiu-se prontamente: - Senhorita. Quis dizer senhorita.
O coração de Lisbeth afogarasse num mar profundo e terrivelmente terno. Ela queria se afogar nele, porque suas águas eram deliciosas, e a sensação - ah, a sensação - era conflitante e pouco conveniente para uma dama.
- Eu nunca quis deixá-la - contou ele. - Eu a amava, Lisbeth. - Sem se dar conta, suas mãos roçavam as pernas de Lisbeth, que fora possuída por uma onda inebriante de calor. - Tão perdidamente quanto se deve ser. Mas...
Ela engoliu em seco.
- Foi um erro ter vindo - ela disse. Nicholas balançou a cabeça. - Eu... - ela tentou levantar, mas Nicholas sentou na beirada da cama, ao lado de Lisbeth e pegou sua cintura. - Por favor, solte-me. - Pediu ela. Nicholas assentiu e a largou, mas antes que pudesse sair de cima dela, um grito fez Lisbeth girar rápido demais na direção da porta dos estábulos:
- Elizabeth! - James estava diante dos dois, atônito. - O que está acontecendo? Você e esse... - ele andou, adentrando o recinto malcheiroso e escuro. Lisbeth viu a expressão raivosa soprada pela luz do lampião que carregava. - Ele tocou em você? Ele a forçou a fazer algo que não queria?
Nicholas levantou.
Lisbeth tentou fazer o mesmo, mas gemeu de dor por conta do pé. James deve ter entendido errado, porque xingou Nicholas e acertou-lhe um soco. O homem caiu num monte de feno.
- Vou matá-lo. - James rosnou. Ele correu para perto de Lisbeth, caída no chão.
- Pare! - Berrou ela. - Ele tentou me ajudar. - James pegou seu braço, a puxando com tanta força, que Lisbeth pensou ter deslocado-o. - Não o machuque. - A voz uma súplica.
- Devia ter pensado antes de ter se entregado como uma rameira. - Ele a jogou no chão. Lisbeth caiu no lado de fora dos estábulos e sentiu uma lágrima roçar a pele. Ela franziu a testa e observou James pegar Nicholas pelo braço, dar-lhe um soco e se colocar sobre ele, de modo que disparasse uma rajada de murros. - Seu filho da puta!
- Pare! - Berrou ela novamente.
E quando finalmente James o fez, ela viu o sangue lavando sua mão. Nicholas estava deitado sobre o feno, ensanguentado. Ele clamava pelo nome de Lisbeth, num sussuro tortuoso.
James cuspiu em Nicholas, levantou e pegou Lisbeth no colo.
- Isso não vai ficar desse jeito - ele avisou. - Sua vadiazinha. - Havia nojo na voz dele, mas o ódio que queimava o peito de Lisbeth era ardente. - Amanhã mesmo tratarei de fazer lorde Bennington cortejá-la. A menos que queira virar uma prostituta, você me obedecerá. - Disse ele entredentes.
Ela fungou o nariz e deixou as lágrimas deslizarem pelo rosto.
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