Subiu o elevador com um peso estranho no peito. Entrou no apartamento silencioso, largou a bolsa, tirou os sapatos, respirou o entardecer que passava pelas cortinas. O silêncio quase a acolheu. Quase. A campainha quebrou a paz em duas. Uma, duas vezes.
Camille hesitou. Não esperava ninguém. E, ainda assim, algo dentro dela já sabia.
Ela abriu a porta.
- Oi, Cam.
A voz veio acompanhada de um sorriso ensaiado demais para ser sincero.
Lucas Miller.
O homem que ela amou. O mesmo que a destruiu sem remorso. Eles trabalhavam juntos havia mais de 6 anos. Ele, médico e ela enfermeira da Morgan & Miller Health Center, sócios desde que o projeto cresceu. Uma parceria profissional que funcionava melhor do que o relacionamento pessoal que um dia tiveram. Mas havia dias, como aquele, em que a simples presença dele parecia demais.
Ela pensou em barrar a entrada. Por um segundo, quase conseguiu. Mas o corpo agiu antes da razão como tantas vezes antes e recuou meio passo.
- Lucas... você não costuma aparecer sem avisar.
Ele ergueu a garrafa de vinho e a sacola, como se aquilo justificasse tudo.
- Pensei que a gente podia jantar juntos.
Camille cruzou os braços.
- Foi um dia cheio.
- Como todos.. Ele completou, tentando suavizar o clima.
Ela não respondeu. O peso da presença dele parecia ocupar o ar inteiro.
Quando Lucas colocou o jantar na bancada, Camille respirou fundo para não perder a paciência.
- Um jantar seria ótimo. Só não sei se precisava ser aqui.
O sorriso dele hesitou. Quase rachou.
- Eu só queria ver você.
- A gente se vê todos os dias, Lucas. O expediente inteiro.
Ele estudou o rosto dela, procurando algo, tentando invadir um espaço que não lhe pertencia mais.
- Você tá diferente.
- Cansada.
- Não. Eu conheço seu cansaço. Isso... é outra coisa.
Camille se afastou até a janela.
- Não começa.
- Não tô começando nada. Só queria entender.
- Não tem nada pra entender.
Ele deu um sorriso curto, incrédulo.
- Tem, sim. Você não tá bem.
- Eu tô bem, ela corrigiu, firme. Só quero silêncio hoje.
- Silêncio... ou distância?
Ela não respondeu. Não precisava.
Lucas mexeu na garrafa, evitando olhar diretamente para o que tinha causado.
- Eu sei que você ainda guarda mágoa. E eu sei que errei. Mas achei que... depois de tudo... a gente tinha reconstruído alguma coisa.
- Reconstruído? Ela deu uma risada amarga. Lucas, o que aconteceu não desaparece. O tempo não apaga. Ele só cobre de poeira.
O silêncio caiu pesado entre eles.
Ele se aproximou um passo.
- Eu quero você inteira de novo.
O peito dela apertou, não de emoção, mas de cansaço.
- Destruíram essa parte de mim... disse baixo.
Lucas engoliu seco, sem saber o que fazer com aquela verdade.
- Eu ainda acho que ela pode voltar.
- Lucas, a gente trabalha bem juntos. Isso já é mais do que eu imaginava que conseguiríamos depois de tudo. Não força o que não existe mais. Agora só quero tomar um banho e dormir.
Ele pareceu querer dizer algo, mas desistiu. Foi até a porta.
- Um dia você ainda vai deixar alguém te amar de novo.
E saiu.
Camille fechou a porta devagar. A quietude voltou, mas não trouxe paz. Porque, no fundo, outra lembrança latejava, o olhar de Adam, tão firme, tão contido, tão diferente de tudo que Lucas era. Ela se deixou cair no sofá e fechou os olhos, exausta. Mas o problema era este: o corpo dela não queria descanso. Queria lembrança. E a lembrança dele era devastadora.
Porque quando a imagem de Adam surgia, vinha inteira: o terno moldando os ombros largos, as mãos firmes, o perfume discreto, a voz grave que percorria a espinha dela como um toque. E o corpo dela reagia antes mesmo que ela percebesse: o estômago apertou, a pele esquentou, um calor lento, profundo, perigoso, começou a se espalhar.
Sete anos... Sete malditos anos... e bastou um olhar dele para o desejo que ela achava enterrado voltar com a força de um soco. Ela odiava isso. Odiava o jeito como o corpo dela ainda reconhecia o dele. Odiava lembrar do que sentia quando ele a tocava. Odiava imaginar, mesmo sem querer, como seria sentir aquele homem agora, mais forte, mais maduro, mais... proibido.
Camille respirou fundo, tentando retomar o controle. Mas não adiantava. O passado estava vivo. E o desejo também.
Era impressionante e revoltante como o corpo dela reagia sem pedir permissão. Como se tivesse acordado algo que ela passou anos enterrando. Algo que não deveria mais existir.
Ela levou a mão ao peito, tentando acalmar o coração acelerado, mas a verdade era simples demais para negar: havia sentimentos que o tempo não apagava... só adormecia. E, às vezes, tudo o que precisavam era de um único olhar para despertar outra vez. E foi nesse pensamento que a comparação, inevitável e amarga, surgiu sozinha:
Lucas nunca provocou aquilo nela. Nunca. Com ele havia rotina, convivência, amizade. Com ele havia história, mas não havia profundidade.
Mas Adam... Adam era outra coisa. Outra intensidade. Outra presença. O tipo de homem que não precisava tocar para incendiar, bastava existir por perto.
E isso era cruel. Cruel porque ela não queria sentir, mas sentia mesmo assim. Cruel porque o corpo dela lembrava. Lembrava dele.