A visão do meu medalhão, preso na mão enluvada do Delegado Mendes, foi um soco no estômago de Atlas. Sua respiração falhou, um som estrangulado escapando de sua garganta. Seus joelhos cederam e ele se apoiou pesadamente em uma coluna próxima, o rosto uma máscara de horror absoluto.
- Não - sussurrou ele, a palavra quase inaudível. - Isso não é... isso não é dela. Não pode ser. - Ele balançou a cabeça, tentando freneticamente negar o inegável.
Mas a realidade fria e dura já estava se instalando, lascando sua indiferença cuidadosamente construída. Ele tropeçou, meio correndo, meio rastejando, para fora do saguão opulento e para o ar gélido da montanha. O estacionamento dos manobristas estava isolado com fita policial amarela, luzes azuis e vermelhas piscando lançando um brilho estranho na geada fresca. Uma multidão de curiosos havia se reunido, seus rostos uma mistura de curiosidade mórbida e pena.
No centro de tudo, banhada pela luz artificial dura, estava sua SUV preta. E ao lado dela, uma maca. Atlas congelou, os olhos fixos no lençol branco que cobria uma forma pequena e imóvel. Seu coração martelava contra as costelas, um ritmo frenético e desesperado. Ele não queria olhar. Ele não podia deixar de olhar.
Ele caminhou em direção a ela, cada passo pesado, como se estivesse andando na lama espessa. O ar frio queimava seus pulmões, mas ele não sentia nada além de um pavor arrepiante. Ele parou ao lado da maca, as pernas ameaçando falhar. Ele olhou para o contorno sob o lençol. Tão pequeno. Tão frágil.
- Elisa? - sussurrou ele, a voz falhando. Ele estendeu uma mão trêmula, depois a puxou de volta, como se tivesse medo de tocar. - Não. Não, não pode ser você. Você está apenas... você está se escondendo.
Um soluço rasgou seu peito, feio e cru. Foi o primeiro som honesto que ouvi dele em anos. Ele agarrou a ponta do lençol, os dedos atrapalhados, e o puxou para trás.
Lá estava eu. Meu rosto, pálido e sereno na morte, estava virado ligeiramente para o lado. Meus lábios, azuis de frio, estavam entreabertos, como se em um suspiro final e silencioso. Meus olhos estavam fechados, cílios longos espalhados contra minhas bochechas. Uma mancha escura, gritante contra o tecido branco do meu vestido simples, marcava meu estômago e a parte interna das coxas do meu jeans. Meus dedos ainda estavam curvados, como se agarrassem algo que não estava mais lá. Meu corpo pequeno estava rígido, já congelado no frio implacável.
Atlas engasgou, um som gutural de pura agonia. Ele tropeçou para trás, tropeçando nos próprios pés, caindo pesadamente no asfalto coberto de gelo. Suas mãos voaram para a cabeça, agarrando o cabelo, o corpo sacudido por tremores violentos.
- Elisa! - ele lamentou, a voz ecoando no silêncio repentino do estacionamento. - Oh meu Deus, Elisa!
Por que você está tão triste, Atlas? Minha forma fantasmagórica pairava acima do meu corpo sem vida, uma curiosidade estranha me preenchendo. Você me odiava. Você queria que eu fosse embora. Por que você está chorando? As lágrimas que ele derramava eram incompreensíveis para minha alma inocente e morta.
Nesse momento, Cátia chegou, escoltada por Torres, o rosto pálido com um horror teatral. Ela viu a maca, viu minha forma imóvel e levou a mão à boca, soltando um grito pequeno e aterrorizado.
- Oh, Atlas! - chorou ela, correndo para o lado dele. - É... é realmente ela!
Atlas, ainda de joelhos, instintivamente estendeu a mão, puxando-a para um abraço desesperado. Ele enterrou o rosto no ombro dela, o corpo tremendo violentamente.
- Ela... ela se foi, Cátia. Ela realmente se foi. - Ele engasgou com as palavras, sua dor crua e descontrolada.
Ele a ama, meu espírito pensou, uma pontada cansada e familiar. Mesmo agora. Mesmo quando eu me fui. Ele ainda só quer a Cátia. Era uma verdade que eu conhecia a vida toda, mas vê-la acontecer, mesmo na morte, ainda doía.
Torres e os outros amigos que tinham vindo com eles ficaram parados, os rostos sombrios, os sussurros abafados. Eles olhavam para a cena, chocados com a realidade súbita e brutal da minha morte.
Logo, Atlas, Cátia e o resto do grupo foram levados para a delegacia local para interrogatório. A sala era fria, estéril, longe do calor do chalé de Campos do Jordão.
- Nós apenas dissemos a eles o que combinamos - sussurrou Torres para Atlas, seu advogado já ao seu lado. - Ela era mentalmente instável, propensa a vagar. Ela deve ter saído do carro, depois de alguma forma entrado de volta e esquecido onde estava. Um acidente trágico.
Atlas apenas olhava fixamente, a mente ainda girando com a imagem do meu corpo congelado. Ele assentiu mecanicamente, concordando entorpecido com a história fabricada.
O Delegado Mendes entrou novamente na sala, o rosto grave. Ele colocou uma pasta na mesa.
- Sr. Ferraz, concluímos o exame preliminar do corpo da Sra. Ferraz. - Ele fez uma pausa, o olhar fixo em Atlas. - Parece que a Sra. Ferraz morreu de hemorragia interna, consistente com um aborto espontâneo grave. Ela também apresentava sinais de hipotermia.
Atlas engasgou, os olhos arregalados.
- Aborto? Mas... mas ela não estava grávida. - Ele olhou para Cátia, uma suspeita súbita e fria surgindo em seus olhos.
Cátia estremeceu, os olhos se arregalando de medo.
- Não! Claro que não! O Atlas garantiu que ela tomasse precauções. Ela não poderia estar! - A voz dela era estridente, defensiva demais.
O Delegado Mendes continuou, imperturbável.
- Nossa equipe forense confirma que ela estava grávida de aproximadamente três meses. O aborto parece ter sido induzido quimicamente, causado por medicação abortiva de alta dosagem encontrada em seu sistema.
A mente de Atlas girou. Grávida? Três meses? Ele se lembrou das pílulas. Aquelas que ele a forçou a tomar todas as manhãs. "Isso é anticoncepcional, Elisa", ele tinha dito, a voz plana. "Não se atreva a engravidar. Não quero mais fardos vindos de você." Ele tinha garantido que ela as tomasse, assistiu ela engoli-las com água. Ele tinha sido tão cuidadoso.
Você me fez tomá-las, minha voz fantasma choramingou, uma nova onda de dor, uma dor espiritual, me invadindo. Mas a Cátia... a Cátia disse que eram vitaminas. Ela disse que você me queria forte.
O Delegado Mendes ergueu outro saco plástico, este contendo um pequeno frasco sem rótulo.
- Este frasco foi encontrado no bolso dela. Testes de resíduos confirmam que continha um potente abortivo. Um medicamento controlado. Altamente ilegal de administrar sem supervisão médica.
Atlas olhou para o frasco, depois, lenta e deliberadamente, virou a cabeça para Cátia. Seus olhos, antes vidrados de dor, agora queimavam com uma fúria aterrorizante e gélida.
Cátia engoliu em seco, o rosto empalidecendo ainda mais.
- Atlas, não! Não fui eu! Ela deve ter... ela deve ter conseguido sozinha! Ela estava desesperada para te manter! Ela provavelmente estava tentando me incriminar! - Ela apontou um dedo trêmulo para mim, a eu invisível, jogando acusações no ar vazio. - Ela sempre mentiu! Ela disse ao Atlas que estava dormindo com outros homens! Ela disse que o odiava!
Não! Isso não é verdade! Meu espírito gritou, o som silencioso reverberando apenas na minha própria consciência despedaçada. Eu nunca disse isso! Eu nunca te odiei, Atlas! Eu te amava! Eu só queria que você olhasse para mim! Uma nova memória abriu caminho para a superfície. O homem estranho do porão. As mãos frias dele. Cátia, parada por perto, assistindo, um sorriso triunfante no rosto. Não fui eu quem foi infiel, Atlas, eu queria gritar. Foi você. E ela. E o monstro que ela trouxe para nossa casa.