*Na verdade, você pode dizer ao Sr. Ferraz que o "Protocolo de Relacionamento" está oficialmente encerrado. Com efeito imediato. E para constar, você pode lidar com todos os assuntos pessoais dele a partir de agora. Permanentemente.*
Adicionei, com uma satisfação amarga: *Considere isso meu aviso oficial de término do nosso relacionamento. Conforme o protocolo, espero uma confirmação documentada. Você entende de procedimentos, não entende, Daniela?*
Apertei enviar. Meu dedo permaneceu na tela, uma satisfação viciosa se misturando com a dor familiar no meu peito. A dor ainda estava lá, um nó denso de humilhação e luto, mas agora era mais nítida, orlada com uma raiva desesperada e crescente. Senti um calor ardente na bochecha quando uma única lágrima escapou, traçando um caminho através da sujeira e do sal no meu rosto.
Um carro preto, elegante e silencioso, encostou no meio-fio. Minha carona. João tinha arranjado, como tinha arranjado todo o resto. Foi quase um alívio entrar, ser protegida dos olhares curiosos, dos olhares simpáticos que pareciam farpas. Eu odiava essa sensação de impotência, esse desamparo sufocante. Era uma sensação que jurei nunca mais sentir.
Os dias seguintes passaram como um borrão. Fui ao pequeno apartamento de Lucas, aquele que ele manteve mesmo viajando, e empacotei seus poucos pertences. Cada item, uma corda de escalada gasta, um guia de viagem com orelhas, uma fotografia desbotada, era uma ferida fresca. Cuidadosamente os coloquei em caixas, enviando-os de volta para nossa pequena cidade natal, para a casa silenciosa onde nossos pais nos criaram. Parecia que eu estava fechando uma porta, selando uma parte de mim mesma, tijolo por tijolo doloroso.
Finalmente, só restava um lugar para ir. A cobertura. A cobertura de Caio. Nossa cobertura, eu costumava pensar. O lugar onde passei oito anos, um fantasma em sua mansão opulenta.
Respirei fundo, o cheiro familiar de couro caro e limpeza asséptica me atingindo assim que saí do elevador privativo. O silêncio era ensurdecedor, o vasto espaço parecendo mais frio e estéril do que nunca. Meu coração martelava contra as costelas, uma batida nervosa. Eu só queria pegar minhas coisas e ir embora. Permanentemente.
Ao empurrar a porta do quarto, congelei. Caio estava lá. Ele estava parado perto da janela do chão ao teto, uma silhueta contra as luzes da cidade, de costas para mim. Ele tinha acabado de sair do banho, o cabelo escuro ainda úmido, grudado na nuca. O roupão caro que usava pendia frouxamente, sugerindo o físico poderoso por baixo. Um choque do familiar, um membro fantasma de afeto, disparou através de mim. Minha mão instintivamente se estendeu.
Antes que eu pudesse completar o gesto, uma voz suave e feminina ronronou do banheiro, me assustando.
- Caio, querido, você poderia me passar meu robe de seda? Não consigo encontrá-lo.
Meu sangue gelou. A voz era inconfundível. Daniela.
Então, ela surgiu. Daniela Fontes, no meu robe de seda vermelho, aquele que Caio tinha comprado para mim no Natal passado. Seus olhos encontraram os meus através do quarto cavernoso, um brilho predatório em suas profundezas. Seus lábios, geralmente tão puritanos, estavam inchados, um leve hematoma florescendo logo acima da clavícula. Um chupão. Uma marca vermelha, fresca e irritada. Meu robe de seda vermelho, meu chupão.
Um som engasgado escapou da minha garganta. A raiva, afiada e quente, que estava fervendo sob a superfície, explodiu. Eu queria gritar, arrancar a seda do corpo dela, atacar Caio por essa traição final. Mas apenas fiquei lá, paralisada, o ar denso com acusações não ditas.
- Ah, Camila - consegui dizer, minha voz pingando gelo. - Sinto muito. Interrompi alguma coisa? Erro meu.
Observei-a, seus olhos arregalados, a postura rígida, um lampejo de algo triunfante em sua expressão. O robe de seda agarrava-se às suas curvas, uma zombaria cruel.
Virei-me para sair, precisando escapar da cena sufocante, para respirar. Mas a voz de Caio, afiada e carregada de raiva, me parou.
- Camila! Onde você pensa que vai? - Ele girou, o rosto uma máscara de aborrecimento. - Não seja dramática. Não é o que você está pensando.
Minha mente girou. Não é o que eu penso? O irmão morto, o empréstimo negado, o protocolo gélido, e agora a assistente dele, no meu maldito roupão, com um chupão fresco que só poderia ter vindo dele. Quanto mais eu poderia suportar? Um roteiro familiar se desenrolou na minha cabeça: as desculpas cuidadosamente construídas, a sutil transferência de culpa, as promessas de mudança que nunca se materializavam.
Mas então, meus olhos pousaram no chupão novamente, gritante contra a pele pálida de Daniela, e a fúria surgiu, eclipsando toda a dor.
- Não é o que eu penso? - zombei, uma risada sombria e sem humor borbulhando. - Ah, acho que sei exatamente o que penso, Caio. E não é um mal-entendido. É uma traição. - Meu olhar cintilou para o pescoço de Daniela. - A menos, é claro, que Daniela tenha sido atacada por um mosquito especialmente amoroso.
O rosto de Caio escureceu, um rubor subindo pelo pescoço. Daniela, sentindo o desconforto dele, de repente desmoronou no chão, a voz um sussurro teatral.
- Ah, Sr. Ferraz, sinto muito... Camila, por favor, não fique brava. Foi... um acidente. Um momento de fraqueza. - Ela olhou para mim com olhos arregalados e marejados, uma imagem de remorso frágil.
Eu apenas a encarei, meu sangue fervendo. A inocência fingida, a vulnerabilidade calculada. Ela era uma mestre manipuladora.
- Camila, peça desculpas a Daniela - ordenou Caio, a voz fria, final. - Ela passou por muita coisa hoje. Ela é inestimável para mim, e você está passando dos limites.
Minha respiração falhou. Inestimável. Passando dos limites. As palavras me atingiram como um tapa físico, queimando minhas orelhas. Depois de oito anos, eu estava "passando dos limites". E Daniela, a mulher que sistematicamente destruiu meu relacionamento com ele, que acabara de ser pega no meu roupão, com o chupão dele, era "inestimável". Era demais. O ar parecia denso, me sufocando. Meu coração martelava, um pássaro frenético preso em uma gaiola. Meus pulmões ardiam, desesperados por ar. Pedir desculpas? Para ela? Que piada.
- Pedir desculpas? - finalmente consegui dizer, minha voz um sussurro perigoso. - Acho que não. - As palavras eram como um escudo, protegendo o último fragmento da minha dignidade.