Deslizei pela porta, enterrando o rosto nos joelhos, soluçando até minha garganta ficar em carne viva e meu corpo doer.
Caio nunca veio ao meu quarto naquela noite. Nem uma batida, nem uma mensagem, nem um pedido de desculpas sussurrado através da porta. Nada. Uma risada amarga escapou dos meus lábios. Claro que não. Ele estava me punindo. Punindo-me por ousar desafiá-lo, por testemunhar sua infidelidade, por não entrar no jogo da farsa patética de Daniela. Era sempre assim. Eu deveria ser grata por sua atenção, pelas migalhas de afeto que ele jogava no meu caminho.
Olhei ao redor do quarto, o mesmo quarto que habitei por anos. Era tecnicamente "meu" quarto, mas sempre pareceu provisório, uma cela de luxo. O quarto de Caio, do outro lado do corredor, era proibido, um espaço sagrado onde raramente me permitiam entrar. Era uma manifestação física de todo o nosso relacionamento: ele, murado e intocável; eu, sempre disponível, mas nunca verdadeiramente convidada a entrar. Sua frieza, sua indiferença, sempre foram meu fardo para carregar. Qualquer sinal de desagrado dele e eu ficava instantaneamente no limite, pisando em ovos.
Mas agora? Agora, parecia... certo. A ausência dele, o gelo dele, era exatamente o que eu precisava. Eu não o queria ali. Não queria suas desculpas falsas ou suas promessas vazias. Eu tinha acabado.
Na manhã seguinte, o cheiro de café recém-passado e bacon fritando flutuava da cozinha. Caio já estava na mesa do café da manhã, impecavelmente vestido, como se nada tivesse acontecido. Ele olhou para cima quando entrei, uma carranca fraca, quase imperceptível, em sua testa perfeita. Seus olhos cintilaram sobre meu rosto cansado, meus olhos inchados.
- Camila - disse ele, a voz suave, uniforme. - Venha, sente-se. A cozinheira preparou seu favorito, ovos mexidos com cebolinha. - Ele gesticulou para a cadeira vazia ao lado dele, um convite sutil.
Era a jogada habitual dele. Depois de cada discussão, cada pequena transgressão da minha parte - ou o que ele percebia como tal - ele oferecia reconciliação através do conforto, da rotina. Um vestido de grife novo, uma viagem de fim de semana que ele mandava Daniela planejar, ou simplesmente meu café da manhã favorito. E por oito anos, eu caí nessa, todas as vezes. Eu ia para a mesa, aceitava a oferta de paz e enterrava minha mágoa um pouco mais fundo.
Não desta vez.
Passei pela cadeira ao lado dele, pela mão estendida que pairava sobre o açucareiro, e puxei uma cadeira diretamente oposta a ele. As pernas de madeira arranharam alto contra o chão polido, o som perturbando a quietude da manhã.
- Vou me servir sozinha, obrigada - disse, minha voz plana, vazia de emoção. Olhei para os funcionários da casa, que geralmente eram invisíveis, pairando na periferia. - Maria, poderia me trazer torradas simples e café preto, por favor?
O maxilar de Caio endureceu.
- Camila, que comportamento infantil é esse? Não seja ridícula. - A voz dele era baixa, de aviso. - Daniela é essencial para minhas operações. Você precisa entender isso. E você certamente deve a ela um pedido de desculpas pelo seu surto de ontem.
Minha respiração falhou. As palavras me atingiram como uma nova onda de humilhação. Infantil. Ridícula. Pedir desculpas a ela. Minha mente correu de volta no tempo, para o começo, para os dias em que ele me cortejou com tanta intensidade. Ele era um empreendedor brilhante e carismático, e eu, uma recém-graduada em marketing de olhos brilhantes ainda encontrando meu caminho, fiquei totalmente cativada. Ele tinha sido tão atencioso, tão encantador, prometendo um futuro com o qual eu só podia sonhar. Ele me disse que eu era diferente, especial, não como as outras mulheres que se aglomeravam em torno de sua riqueza.
Lembrei-me dos primeiros dias, quando ele me ligava tarde da noite, apenas para ouvir minha voz, antes que sua agenda se tornasse "exigente" demais. Os presentes atenciosos que ele mesmo escolhia, antes de Daniela assumir. O jeito que os olhos dele costumavam enrugar nos cantos quando eu o fazia rir, antes de se tornarem frios, avaliadores. Eu o amava, verdadeiramente. Meu coração se derramou neste homem, acreditando em seu potencial, sua visão e em nosso futuro compartilhado.
Mas aquele Caio? Ele era um fantasma, uma memória. Seu "amor" havia se tornado um item de luxo, terceirizado e gerenciado, algo a ser dispensado por meio de terceiros. Tinha murchado, faminto de conexão genuína, deixando para trás apenas a casca de um relacionamento.
- Sabe de uma coisa, Caio? - finalmente disse, minha voz tremendo levemente, mas firme. - Talvez você devesse se casar com a Daniela. Ela parece entender suas "operações" perfeitamente.
A carranca dele se aprofundou, os olhos se estreitando.
- Camila, não seja absurda. - Ele se levantou, a cadeira arrastando para trás com um ruído agudo. - Não tenho tempo para esse drama. Você está sendo irracional.
Antes que eu pudesse retrucar, antes que eu pudesse finalmente proferir as palavras que vinham se acumulando dentro de mim por meses, as palavras que destruiriam a fachada de nossa vida juntos, as portas do elevador se abriram. Daniela surgiu, nítida e eficiente, carregando um tablet.
- Sr. Ferraz, sua teleconferência das 8h com o escritório de Tóquio está prestes a começar - anunciou ela, a voz perfeitamente modulada, ignorando minha presença inteiramente. - E sua reunião das 9h com a equipe de Nova York requer sua revisão imediata destes documentos.
Caio apenas assentiu, o olhar endurecendo enquanto cintilava de Daniela para mim. Ele pegou sua pasta, o rosto uma máscara de profissionalismo frio.
- Discutiremos isso mais tarde, Camila. Quando você tiver se acalmado. - Ele se virou, seguindo Daniela para fora da sala, seus passos longos rápidos e decididos.
As portas do elevador se fecharam, selando-me no apartamento silencioso, o cheiro persistente de sua colônia cara um lembrete cruel de sua presença, sua ausência. Meu peito parecia apertado, sufocado. As palavras que eu ansiava falar, a verdade que eu precisava liberar, estavam presas na minha garganta, sufocadas por sua indiferença, pela onipresente interferência dela. A raiva, o luto, a humilhação, tudo girava junto, um coquetel tóxico que me deixava sentindo total e profundamente sozinha.