Eles me soltaram com um aviso e uma multa pesada, minha carteira parecendo impossivelmente leve. A primeira coisa que fiz foi chamar um táxi, dando o endereço da cobertura dos Bittencourt por hábito. Meus membros pareciam pesados, cada movimento um esforço hercúleo. Eu precisava de respostas. Precisava olhar nos olhos dele, ouvi-lo distorcer essa última traição em mais um de seus planos de "proteção" complicados.
A cobertura estava assustadoramente silenciosa quando entrei com minha chave secreta. Aquela que ele me dera anos atrás, um símbolo da nossa vida oculta. Agora, parecia uma relíquia zombeteira. Encontrei Caio em seu escritório, um copo de líquido âmbar na mão, os olhos fixos nas luzes da cidade lá embaixo. Ele não estava fumando, mas o cheiro fraco de seus cigarros caros ainda pairava no ar.
Ele mal se virou quando entrei, o olhar demorando no horizonte por mais um instante antes de finalmente olhar para mim. Sua expressão era cuidadosamente neutra, um distanciamento praticado que enviou uma nova onda de náusea através de mim.
- Gabriela - disse ele, a voz plana, desprovida de surpresa ou preocupação. - Ouvi dizer que você causou uma cena esta noite.
Meu maxilar travou. - Uma cena? Caio, eu fui presa! Sua segurança me espancou! O mundo inteiro acha que sou uma stalker lunática. E você apenas assistiu! - Minha voz falhou, crua com uma mistura de fúria e dor. - Eles chamaram Celina de sua noiva. Que diabos está acontecendo?
Ele suspirou, um som longo e cansado que fez meu sangue ferver. Ele pousou o copo com um clique suave. - São negócios, Gabriela. Você sabe disso. Meu pai está pressionando mais do que nunca pela fusão com os Menezes. Celina desempenha o papel dela. É uma fachada.
- Uma fachada? - zombei, uma risada amarga escapando dos meus lábios. - Uma fachada onde vocês são 'noivos'? Uma fachada onde sou arrastada na frente da imprensa, humilhada, espancada, e você não faz nada? Isso faz parte do 'plano' também?
Ele passou a mão pelo cabelo perfeitamente penteado, sua impaciência evidente. - Você não deveria ter aparecido, Gabriela. Você conhece as regras. Isso me coloca em uma posição difícil. Estou ocupado. Essa aquisição é delicada. Celina é... necessária por enquanto. - Ele falava dela como se fosse uma mercadoria, um requisito infeliz, mas inevitável para seu grande esquema. Mas suas palavras pareciam vazias, como promessas ocas que ele fizera mil vezes antes.
Sua indiferença era um golpe físico. Ele nem estava olhando para o meu braço machucado, as marcas vermelhas fracas na minha bochecha onde o guarda me empurrou. Ele não se importava com a minha dor, apenas com a inconveniência que eu representava.
Meus olhos varreram a sala, pousando em um pequeno e discreto cofre de parede escondido atrás de um quadro. Era uma adição nova. Meu coração martelou contra as costelas. Ele nunca teve um cofre de parede antes. Um pressentimento terrível se abateu sobre mim.
- O que tem aí dentro? - perguntei, minha voz mal acima de um sussurro, apontando um dedo trêmulo para o cofre.
Ele ficou tenso, um lampejo de algo ilegível - aborrecimento? surpresa? - cruzando seu rosto. - Não é da sua conta. São apenas... documentos.
- Documentos? - ecoei, minha voz subindo. - Ou seu futuro com a Celina?
Ele me encarou, os olhos agora frios e duros. - Não seja ridícula, Gabriela. Você está sendo emocional. Vá para a cama.
Mas eu não conseguia. Marchei até o quadro, minhas mãos tremendo enquanto o puxava para o lado. O cofre me encarou de volta, um portal escuro e metálico para uma verdade que eu não tinha certeza se queria enfrentar. - Abra - exigi, minha voz ganhando força. - Abra, Caio.
Ele hesitou, depois, com outro suspiro exasperado, digitou um código. A porta pesada se abriu, revelando uma pilha de papéis organizados. Meu olhar caiu imediatamente sobre um documento legal, seu título em relevo gritando traição: "ACORDO PRÉ-NUPCIAL - CAIO BITTENCOURT & CELINA MENEZES". Minha respiração falhou.
Abaixo dele, outro documento. "FUNDO FIDUCIÁRIO - FUTUROS FILHOS DE CAIO BITTENCOURT & CELINA MENEZES".
A sala girou. O ar saiu dos meus pulmões. Meus joelhos cederam. Isso não era uma fachada. Isso não era uma medida temporária. Isso era uma vida. Uma vida que ele estava construindo com ela. Uma vida sobre a qual ele mentiu para mim por cinco anos. Seu "plano" para tomar o poder não estava apenas demorando demais; era uma cortina de fumaça para ele me substituir, para reescrever nossa história sem mim nela.
Tropecei para trás, agarrando minha cabeça, um soluço cru rasgando minha garganta. - Seu... seu desgraçado - engasguei, as palavras carregadas de uma dor indizível. - Você mentiu para mim. Todo esse tempo. Você nunca ia me escolher.
Ele permaneceu em silêncio, o rosto ainda uma máscara, mas um músculo se contraiu em seu maxilar. Por um breve segundo, pensei ter visto um lampejo de algo, culpa talvez, antes de ser substituído por uma determinação endurecida. - Foi sempre para sua proteção, Gabriela. Você nunca sobreviveria no meu mundo. Meu pai...
- Seu pai? - gritei, o som ecoando no teto alto. - Seu pai não é quem assinou um acordo pré-nupcial com outra mulher! Seu pai não é quem criou um fundo fiduciário para os filhos dela! Você fez isso, Caio! Você!
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, quentes e furiosas. Minhas mãos se fecharam em punhos, unhas cravando nas palmas. A dor era um contraponto surdo à realização aguda e agonizante florescendo no meu peito. Eu tinha sido uma tola. Uma tola ingênua e de coração partido.
- Acabou - sussurrei, as palavras quase inaudíveis, mas firmes. - Cansei. Eu quero o divórcio.
A cabeça dele se ergueu bruscamente, os olhos finalmente mostrando um lampejo de emoção genuína - surpresa, depois um aço frio. - Não seja ridícula, Gabriela - ele zombou, a voz pingando condescendência. - Você está transtornada. Está machucada. Não está pensando direito. Você não quer dizer isso. - Ele caminhou em minha direção, a mão estendida. - Você precisa descansar. Você está péssima.
- Não me toque! - recuei, meu corpo gritando em protesto ao toque dele, ao desprezo dele pela minha dor. - É exatamente isso que eu quero dizer! Eu quero sair. Não posso mais fazer isso. Isso não é proteção, Caio. Isso é tortura. Você está me torturando.
- Eu estou protegendo você! - ele rugiu, a voz finalmente perdendo a calma cultivada. - Você acha que isso é fácil para mim? Meu pai destruiria você se soubesse. Ele eliminaria você. Esta é a única maneira!
- Não - rebati, balançando a cabeça, minhas lágrimas borrando o rosto furioso dele. - Esta é a sua maneira. Sua maneira de me manter em segredo, de me manter conveniente, enquanto constrói seu futuro com outra pessoa! Não sou um brinquedo que você pode guardar quando terminar de brincar. Eu sou sua esposa!
Ele zombou novamente, um som cruel e desdenhoso que drenou os últimos vestígios de esperança do meu coração. - Esposa? Você acha que alguém acreditaria nisso? Olhe para você, Gabriela. Uma órfã. Uma ninguém. Você não tem nada. Tudo o que você tem, as roupas no seu corpo, o teto sobre sua cabeça, é tudo por minha causa. Minha caridade.
As palavras dele, brutais e cortantes, me atravessaram. Minha "caridade". Era isso que eu era para ele. Ao longo dos anos, guardei algumas peças de grife que ele me comprou, lembretes tangíveis de um amor que pensei ser real. Um vestido esmeralda cintilante, um colar de safira, uma pulseira de prata delicada. Estavam no meu closet privado, símbolos de uma vida com a qual sonhei.
Senti uma onda de raiva desafiadora, quente e purificadora, substituindo o desespero esmagador. - Caridade? - repeti, minha voz subindo com um tremor perigoso. - Você acha que eu quero sua caridade? Você acha que eu quero alguma coisa de você?
Virei-me e marchei em direção ao quarto principal, Caio gritando atrás de mim: - Gabriela, pare! Você não está fazendo sentido! - Mas eu não ouvi. Minhas mãos tatearam a porta do closet, minha mente ainda girando com as palavras dele. Minha caridade.
Arranquei o vestido esmeralda que estava usando, agora rasgado e manchado pela luta com a segurança. Ele caiu em um monte no chão, um símbolo cintilante de um sonho quebrado. Arranquei os brincos delicados de safira, o colar combinando, a pulseira de diamantes - tudo o que ele já tinha me dado. Cada peça tilintou no chão de madeira polida, uma sinfonia de ilusões estilhaçadas.
- O que você está fazendo? - Caio exigiu, agora parado na porta, os olhos arregalados com uma mistura de confusão e raiva.
Eu o encarei, vestida apenas com uma camisola de seda, meu corpo tremendo pelo frio que entrava pela janela aberta, mas principalmente por uma fúria que eu não sabia que possuía. Meus olhos, vermelhos e inchados, encontraram os dele. - Estou devolvendo sua caridade, Caio! - gritei, minha voz crua e quebrada. - Não quero nada de você. Nada!
Agarrei o casaco de grife grosso e luxuoso que ele jogara sobre uma cadeira quando chegou do baile, um casaco que custara mais do que eu poderia imaginar. Arranquei-o do cabide, joguei-o aos pés dele, depois arranquei um medalhão de prata delicado do meu pescoço, um medalhão que ele me dera no nosso primeiro aniversário, supostamente contendo nossos votos, embora eu nunca os tivesse visto. Arremessei-o nele também. - Fique com sua caridade! Fique com suas mentiras! Fique com sua noiva! Estou indo embora. E nunca mais vou voltar.
Peguei minha bolsa de couro gasta - a única coisa que era verdadeiramente minha - e corri, descalça e apenas de camisola, para fora da cobertura, passando pelo segurança perplexo e entrando na noite gelada de São Paulo. O frio foi um choque, mordendo minha pele exposta, mas era uma sensação bem-vinda, uma dor física que entorpecia a agonia no meu coração.
Andei, tropecei e corri, sem me importar para onde estava indo, apenas precisando estar o mais longe possível dele, de suas mentiras, de sua caridade. Meus pulmões queimavam, meus pés estavam dormentes, mas senti uma estranha sensação de libertação. O frio era um lembrete de que eu estava viva, e estava finalmente, verdadeiramente, livre. O casaco de grife, as joias, a vida que ele fabricara para mim - tudo se foi. E eu não queria nada mais do que apagá-lo da minha memória.