Minha Certidão de Casamento: A Queda Pública Dele
img img Minha Certidão de Casamento: A Queda Pública Dele img Capítulo 3
3
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
Capítulo 11 img
Capítulo 12 img
Capítulo 13 img
Capítulo 14 img
Capítulo 15 img
Capítulo 16 img
Capítulo 17 img
img
  /  1
img

Capítulo 3

Ponto de Vista: Gabriela

O vento cortante açoitava ao meu redor, gelando minha pele até os ossos. Meus dentes batiam, um ritmo implacável contra a sinfonia caótica de São Paulo. Descalça, apenas de camisola, eu era um fantasma na metrópole vibrante e implacável, minha fuga desesperada da cobertura de Caio gravando-se na minha memória a cada passo agonizante. O casaco de grife que ele jogara aos meus pés, as joias que descartei, jaziam esquecidos, assim como qualquer último fragmento de esperança pelo nosso amor distorcido.

Tropecei por vitrines iluminadas e bares movimentados, mas o calor e as risadas lá dentro pareciam pertencer a outra dimensão. Minha respiração formava nuvens diante de mim, frágeis e fugazes, assim como tudo o que eu acreditara sobre minha vida com Caio. Vi-o no espelho retrovisor de um táxi que passava, o braço em volta de Celina Menezes, os rostos iluminados pelo flash dos paparazzi. Eles riam, os dedos entrelaçados um contraste gritante com minha forma trêmula e solitária. A visão foi uma nova facada no meu coração que ainda sangrava. Eu era invisível para ele, já apagada.

Eventualmente, a adrenalina que alimentara minha fuga começou a diminuir, substituída por uma exaustão avassaladora. Minhas pernas cederam e desabei em um banco frio e implacável em uma praça mal iluminada. A garoa fina, típica da cidade, encharcava minha camisola fina. Encolhi-me em posição fetal, tremendo incontrolavelmente, lágrimas se misturando à chuva no meu rosto. Eu não tinha nada. Sem casa, sem dinheiro, apenas os restos esfarrapados de um coração partido.

Minha mão instintivamente foi ao pescoço, onde o medalhão costumava estar. Aquele que ele me dera, aquele que arremessei nele na minha fúria. Tinha sumido. Tudo tinha sumido. Meu passado, meu presente, meu futuro. Parecia que eu estava despindo não apenas roupas, mas uma identidade inteira, deixando-a nas ruas frias e implacáveis de uma cidade que um dia me prometera tudo.

Meus olhos caíram sobre um diário de couro gasto enfiado no fundo da minha bolsa. Fora um presente do meu amigo de infância, Cristiano Rocha, anos atrás, quando ainda estávamos no orfanato. Ele me dissera para escrever meus sonhos, para nunca esquecê-los. Agora, parecia um lembrete zombeteiro de uma garota que ousou sonhar. Arranquei uma página, destampei uma caneta e escrevi meticulosamente as últimas palavras de Caio para mim: "Tudo o que você tem, as roupas no seu corpo, o teto sobre sua cabeça, é tudo por minha causa. Minha caridade." Então tracei uma linha sobre o nome dele e através de toda a página, um corte simbólico de laços. A página não era suficiente. Eu não podia simplesmente apagá-lo. Eu precisava queimar tudo.

Um brilho fraco chamou minha atenção. Minha última nota de vinte reais, escondida em um bolso secreto. Era tudo o que me restava. Com um suspiro pesado, forcei-me a levantar, meus músculos gritando em protesto. Uma pequena lanchonete chamou minha atenção, seu letreiro neon piscando como um farol na noite fria. Calor. Comida. Eu precisava sobreviver.

Pedi a sopa mais barata, saboreando cada colherada do caldo quente. Era um conforto escasso, mas era algo. Terminei, sentindo uma pequena centelha de calor retornar ao meu núcleo. Lá fora, a cidade rugia, indiferente à minha situação. Senti uma profunda sensação de isolamento, mas também um lampejo nascente de determinação. Eu não deixaria que ele me quebrasse. Não completamente.

Quando voltei para o frio, o vento parecia morder ainda mais forte. Abracei-me, tentando conservar o pouco calor corporal que tinha. O pensamento de encontrar abrigo, qualquer abrigo, tornou-se primordial. Vaguei sem rumo pelo que pareceram horas, minha mente uma lousa em branco de desespero, até avistar uma padaria 24 horas, suas luzes um brilho acolhedor.

Entrei sorrateiramente, tentando ser o mais discreta possível, e encontrei uma mesa no canto dos fundos. O calor era uma bênção, um alívio temporário do frio corrosivo. Pedi um café barato, segurando-o com as mãos trêmulas, esperando que a cafeína me mantivesse acordada e alerta. Eu não podia arriscar adormecer em público, não assim.

Os dias se fundiram uns nos outros. Sobrevivi com salgados velhos de uma lixeira atrás de uma padaria, a bondade de um vendedor ambulante que me deu um cachorro-quente de graça, e a realidade brutal de noites sem dormir em bancos de praça, coberta por jornais descartados. A vergonha era uma companheira constante, um manto pesado sobre meus ombros.

Caio não estava em lugar nenhum. Sem ligações, sem mensagens, sem equipes de busca frenéticas. Era como se eu tivesse desaparecido, e ele não tivesse notado, ou não se importasse. Enquanto isso, os tabloides estavam em chamas com fotos de Caio e Celina, suas demonstrações públicas de afeto tornando-se mais extravagantes a cada dia que passava. Um evento de tapete vermelho, um baile beneficente, um jantar romântico a dois. Eles estavam em toda parte, seus rostos sorridentes uma zombaria cruel da minha dor oculta.

Vi uma foto deles em um baile de caridade, Celina em um vestido cintilante, a mão possessivamente entrelaçada com a de Caio. Os olhos dele, antes cheios de uma ternura secreta por mim, agora irradiavam um charme polido dirigido apenas a ela. Era como se nossos cinco anos, nossos votos secretos, nossos sonhos compartilhados, tivessem sido meticulosamente apagados de sua memória. Ele seguiu em frente, perfeitamente, publicamente, deixando-me apodrecer nas sombras que ele criara.

A realização me atingiu com a força de um golpe físico. Ele não tinha apenas me esquecido; ele tinha me apagado ativamente. Ele não se importava mais com a minha existência, meu sofrimento. Eu era uma baixa em seu jogo, uma estatística em sua escalada ao poder. A dormência que eu sentia começou a rachar, substituída por uma raiva fria e lancinante.

Então, uma manchete gritou para mim de uma banca de jornal: "ANÚNCIO DE NOIVADO DO HERDEIRO BITTENCOURT IMINENTE!" Meu sangue gelou. Iminente. Isso não era mais uma "fachada". Isso era real. Ele ia se casar com ela. Ele ia torná-la a Sra. Bittencourt, enquanto eu, sua esposa secreta, não passava de um fantasma.

Outro artigo, uma coluna de fofocas, chamou minha atenção. "A Stalker dos Bittencourt: Onde Ela Está Agora?" Era acompanhado por uma foto granulada e pouco lisonjeira minha da noite da minha prisão. A seção de comentários, que eu tolamente percorri, era um esgoto de ódio. "Já vai tarde." "Ela teve o que merecia." "Provavelmente chorando em alguma sarjeta." "Bem feito por tentar dar o golpe no bilionário."

Meus dedos tremiam enquanto eu lia as palavras venenosas. O público, alimentado pela equipe de relações públicas de Caio e pela participação voluntária de Celina, realmente acreditava que eu era uma stalker delirante e oportunista. Minha identidade, minha dignidade, tinham sido sistematicamente arrancadas, deixando-me exposta e vulnerável. A humilhação era insuportável, um fogo ardente no meu estômago.

Fechei os olhos, lágrimas finalmente caindo livremente, quentes contra minhas bochechas frias. Acreditei nas mentiras dele por tanto tempo. Sacrifiquei tudo por um amor que não passava de uma gaiola, meticulosamente trabalhada pelo homem que dizia me proteger. Mas eu não seria mais uma vítima. Eu não me afogaria nesse desespero. Eu lutaria. Eu recuperaria meu nome, minha história, minha vida.

Tirei a nota de vinte reais amassada do bolso. Era uma quantia irrisória, mas era minha. Eu a usaria como ponto de partida. Encontraria uma maneira de provar minha existência, de provar meu casamento com Caio Bittencourt. Eu era a esposa dele, e garantiria que o mundo soubesse disso. Ele poderia ter me jogado fora, mas eu não ficaria descartada. Eu renasceria das cinzas de sua traição.

Meu telefone, um aparelho descartável barato que comprei com o pouco dinheiro que tinha, vibrou inesperadamente. Uma mensagem de um número desconhecido. Meu coração saltou, depois afundou. Não podia ser Caio. Não agora. Não depois de tudo isso. Abri, minha mão tremendo.

Era uma foto. Uma foto minha, tremendo e desgrenhada no banco da praça, tirada dias atrás. Abaixo dela, uma única palavra: "Gabi?" E então, momentos depois, outra mensagem: "Você está bem? Estive procurando por você."

Minha respiração falhou. O número. Era familiar, mas novo. Eu conhecia aquela voz, aquela preocupação. Era Cristiano. Cristiano Rocha. Meu amigo de infância. O doce de pessoa, o protetor que eu não via há anos. Ele era o único que realmente me via, que realmente se importava. Uma centelha de calor, hesitante, mas real, acendeu no meu coração congelado. Talvez, apenas talvez, eu não estivesse inteiramente sozinha.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022