Meu corpo doía a cada passo, um mapa de todo o mal que eu havia suportado. Minha cabeça latejava da queda, meu braço ainda enfaixado da facada, e meu peito parecia pesado com uma dor que palavras não podiam tocar. Mas sob a dor, uma determinação feroz queimava.
O escritório de admissões do programa de bolsas de Paris foi felizmente eficiente. Preenchi formulários com uma mão que ainda tremia um pouco, meu rosto pálido e abatido. A administradora, uma mulher de rosto gentil que me lembrava vagamente minha mãe, olhou para meu braço enfaixado com preocupação. "Minha querida, você está bem?" ela perguntou, sua voz suave. "Você parece que passou por uma guerra."
Suas palavras eram um contraste gritante com a demissão fria de Breno. Uma memória brilhou de um tempo, anos atrás, quando eu cortei o dedo com papel enquanto estudava. Breno se preocupou comigo por uma hora, tratando a pequena ferida como uma lesão grave, seus olhos arregalados de preocupação. Agora, depois de cirurgias reais, depois de ser esfaqueada, depois da morte da minha mãe, ele não conseguia nem fingir que se importava. O pensamento era uma pílula amarga.
Eu simplesmente balancei a cabeça, evitando seu olhar. "Estou bem. Apenas... uma fase difícil. Só preciso terminar esses papéis." Concentrei-me na tarefa, despejando toda a minha energia fraturada em completar a papelada. Esta era minha fuga.
Ela pareceu hesitante, então perguntou: "E seu noivo? Ele aprova que você saia do país para esta oportunidade?" A pergunta pairou no ar, espessa com suposições não ditas.
Minha mente voltou a inúmeras discussões, sussurradas e tensas, sobre minha carreira. "Paris? Adelle, é tão longe. Estamos construindo uma vida aqui. Minha vida. Nossa vida." Ele não queria que eu fosse, não de verdade. Ele me queria perto, sob seu controle, um belo acessório para seu império. Ele queria que eu fosse sua artista talentosa, mas apenas em seus termos. Ele nunca viu minha arte como meu próprio caminho, apenas como um hobby que ele poderia me permitir.
Consegui um sorriso tenso. "Ele não tem mais voz nisso," eu disse, as palavras parecendo um bálsamo na minha alma ferida.
Assim que terminei de assinar o último documento, meu celular antigo, aquele que eu ainda não havia substituído, vibrou. Uma mensagem de um número desconhecido. Meu estômago se contraiu. Era Frida.
A mensagem continha uma foto. Era Breno, rindo, seu braço possessivamente sobre o ombro de Frida. Eles estavam em algum restaurante exclusivo, seus rostos brilhando com uma intimidade doentia. A legenda abaixo dizia: "Ele é todo meu agora, Adelle. Você não sabia? Você é notícia velha."
Minha respiração ficou presa na garganta. Uma onda de náusea me invadiu, quente e sufocante. Minha mão voou para o meu peito, uma tentativa desesperada de acalmar o pânico crescente. Ela sabia. Ela sabia que eu estava aqui, tentando escapar. Ela estava torcendo a faca, aproveitando cada segundo da minha dor.
Meus olhos arderam, mas me recusei a chorar. Não por eles. Olhei para o carimbo de data/hora na foto. Foi tirada há pouco mais de uma hora, enquanto eu lidava com a bolsa de estudos. Ela havia orquestrado isso, cronometrado perfeitamente para me enviar bem quando eu estava saindo. Sua malícia era uma coisa tangível, um veneno se infiltrando em meu coração já machucado.
Fechei os olhos por um longo momento, forçando-me a respirar. É isso, Adelle. É isso que você está deixando para trás. A raiva, afiada e purificadora, substituiu a dor. Eu sabia o que precisava fazer. Eu sabia o que era realmente importante agora. Meu futuro. Minha paz. E a justiça da minha mãe.
"Tudo está em ordem, Adelle," disse a administradora, me entregando um envelope grosso. "Seu voo está marcado para amanhã de manhã. Nós organizamos tudo."
"Obrigada," eu disse, minha voz mais firme do que eu esperava. Minha determinação havia se cimentado em algo duro e inflexível.
Voltei para a casa vazia, aquela que Breno e eu compartilhamos, aquela que agora parecia um túmulo. O ar ainda carregava o leve cheiro da comida da minha mãe, uma lembrança cruel. Lembrei-me da pequena sala estéril improvisada que ela tinha montado na parte de trás de seu food truck que Frida havia destruído. Uma lembrança constante do acidente. Já havia sido demolida pela equipe de Breno, deixando um espaço aberto e desolado. Meu coração se contraiu.
Encontrei a governanta, Sra. Green, uma mulher gentil que trabalhava para a família de Breno há décadas. "Sra. Green," eu disse, minha voz suave, mas firme. "Preciso ver as imagens de segurança do caminhão da mamãe. Do dia do acidente."
Seus olhos se arregalaram, mas ela assentiu lentamente, seus lábios pressionados em uma linha fina. Ela me levou a um pequeno escritório, a tela piscando para a vida. O tempo derreteu enquanto eu assistia às imagens granuladas. E lá estava. Não apenas o carro de Frida em alta velocidade, não apenas seu celular no ouvido. Mas uma fração de segundo antes do impacto, ela havia desviado ligeiramente, um movimento deliberado, quase imperceptível, como se tentasse atingir o canto do caminhão, não evitá-lo. Seu rosto, capturado pela lente grande angular da câmera, exibia um sorriso fugaz e malicioso. Não foi um acidente. Não inteiramente. Foi intencional.
Minha mão se apertou em volta do meu celular. Meu corpo inteiro tremia com uma fúria fria e justa. Gravei discretamente os clipes relevantes, minha mandíbula tão cerrada que doía. Esta era sua confissão presunçosa, preservada para sempre. Esta era minha prova.
Voltei para o meu quarto, o silêncio sufocante. Meus olhos pousaram no calendário de contagem regressiva, ainda pendurado na parede. Noventa e nove dias. Ele zombava de mim, um monumento a um amor que se tornou um campo de batalha. Estendi a mão para ele, meus dedos roçando o papelão. Com um puxão decisivo, arranquei-o da parede, o som um rasgo agudo no silêncio. Ele caiu no chão, um símbolo quebrado de uma promessa quebrada. Olhei para ele por um momento, então, com um profundo senso de finalidade, chutei-o para a lixeira.
Era hora de fazer as malas.
Puxei minha mala gasta, aquela que usei para a faculdade de artes, e comecei a dobrar roupas, a separar minha vida em 'antes de Breno' e 'depois de Breno'. Estava quase terminando quando a porta se abriu com um estrondo.
"Adelle!" Breno estava lá, seus olhos arregalados. Ele gesticulou para o calendário amassado na lixeira. "O que é isso? Caiu?" Ele se aproximou, pegando-o, sua testa franzida de preocupação, como se um pedaço de papelão fosse o problema mais urgente.
"Não," respondi, minha voz plana, desprovida de emoção. "Eu joguei fora."
Seu olhar se aguçou, passando do calendário para minha mala aberta, depois para as roupas cuidadosamente dobradas dentro. "O que você está fazendo?" ele exigiu, uma nota de pânico crescente em sua voz. "Para onde você vai?"
Fechei a mala com um clique seco. "Estou me mudando, Breno."
Seus olhos brilharam, uma tempestade se formando. "Se mudando? O que é isso, Adelle? Outra de suas cenas dramáticas? Você vai voltar para aquele seu apartamento minúsculo e se fazer de vítima de novo?" Ele se aproximou, sua mão varrendo minha pilha de roupas cuidadosamente dobradas, espalhando-as pelo chão. "Isso é infantil! Você está fazendo birra!"
Observei minhas roupas caírem, minha ordem cuidadosamente construída se dissolvendo em caos, assim como minha vida. Uma pontada de algo, não exatamente tristeza, mas uma dor surda de memória, torceu em meu estômago. Ele nunca entendeu. Ele nunca viu minha dor. Ele só via inconveniência.
"Não estou fazendo birra, Breno," eu disse, minha voz perigosamente calma. "Estou indo embora."
Ele zombou, passando a mão pelo cabelo. "Tudo bem! Você quer dinheiro? É isso? Quanto? Um novo ateliê? Uma exposição em uma galeria? Apenas diga seu preço, Adelle. Não seja ridícula." Ele pegou o celular, pronto para transferir fundos, como se o dinheiro pudesse consertar a ferida aberta em minha alma.
Meu queixo caiu. Era realmente tudo o que ele achava que eu valia? Todos os nossos dez anos, todos os meus sacrifícios, toda a minha dor, reduzidos a uma transação? O absurdo daquilo me fez querer gritar, rir, chorar, tudo ao mesmo tempo.
Ele não esperou por minha resposta. Ele agarrou meu braço, seu aperto machucando. "Vamos. Você está exausta. Você está de luto. Você não está pensando direito. Vamos. Conversaremos sobre isso quando você estiver lúcida." Ele começou a me puxar em direção à porta, sua força avassaladora. Ele não estava pedindo. Ele estava comandando. E naquele momento, eu soube que tinha que escapar dele, não apenas fisicamente, mas inteiramente.