Lembrei-me de inúmeras viagens de carro com Breno, muito antes disso. Sua mão sempre estaria na minha coxa, seu polegar acariciando suavemente. Conversávamos por horas sobre nossos sonhos, sobre nosso futuro, sobre a pequena galeria de arte que abriríamos juntos. Ele me dizia o quanto amava minha arte, o quanto acreditava em mim. Suas palavras foram uma tábua de salvação, uma promessa. Agora, seu cinto de segurança era a única barreira entre nós, mas parecia um oceano.
A mudança foi gradual, quase imperceptível no início. Uma frieza sutil em seu tom, um olhar apressado para o celular, um ar preocupado. Eu podia identificar o momento exato de sua aceleração: o dia em que Frida Magalhães entrou em cena novamente, exigindo sua "retribuição de gentileza". Naquele dia, a luz em seus olhos para mim havia diminuído, substituída por um lampejo de obrigação e uma necessidade quase desesperada de agradá-la, de apaziguar seu pai.
Lembrei-me do terror frio de acordar sozinha após minha cirurgia, meu corpo atormentado pela dor, minhas ligações para ele sem resposta. Ou as horas horríveis do sequestro, sangrando e aterrorizada, gritando seu nome, apenas para saber que ele estava com Frida, cuidando dela durante um pequeno abalo emocional. Todas as vezes, ele esteve ausente. Todas as vezes, ele a escolheu.
Ele voltava para mim depois, às vezes com flores, às vezes com desculpas vazias. Ele trazia bugigangas de eventos luxuosos com Frida, um lenço de seda, uma sobremesa chique, como se esses pequenos gestos pudessem preencher o vazio crescente. Eu o questionei, suavemente no início, depois com um desespero crescente. "Breno, por que você passa tanto tempo com ela? Nós vamos nos casar." Ele sempre tinha a mesma resposta, um refrão ensaiado: "É pela minha família, Adelle. É por nós. É só por noventa e nove dias. Uma retribuição de gentileza." A frase era um punhal, torcendo mais fundo a cada repetição.
De repente, seu celular vibrou. Um toque brilhante e alegre que eu não reconheci. Ele olhou para a tela, um sorriso suave se espalhando por seu rosto. "Frida?" ele disse, sua voz instantaneamente quente, terna. "Tudo bem, anjo? Estou a caminho."
Meu estômago revirou. O carro, que estava indo em direção ao meu antigo apartamento, de repente desviou. Ele fez uma curva fechada, indo em uma direção completamente diferente. O sorriso nunca deixou seu rosto enquanto ele murmurava no telefone: "Quase lá, querida." Ele parecia genuinamente feliz.
O silêncio voltou, mais pesado desta vez, carregado com seu flagrante desrespeito por mim. Ele estava alheio à minha dor, perdido em seu próprio mundinho com Frida. Meu coração era uma pedra no meu peito.
O carro parou suavemente em frente a um complexo amplo e opulento, portões de ferro forjado brilhando sob o sol da tarde. Reconheci-o instantaneamente: a propriedade da família Magalhães. Um farol de riqueza e poder, um mundo ao qual eu nunca poderia realmente pertencer.
E lá estava ela, de pé no gramado bem cuidado, vestida com um vestido de seda esvoaçante, seu cabelo perfeitamente penteado. Frida. Seus olhos, brilhantes e expectantes, pousaram em Breno.
Uma dor aguda e lancinante atravessou meu peito, uma manifestação física da traição. Parecia que minha própria alma estava sendo rasgada em duas.
Breno se virou para mim, seu rosto desprovido de calor. "Saia, Adelle." Sua voz era plana, um comando, não um pedido.
Eu não me mexi. Minhas mãos estavam tão cerradas que minhas unhas cravavam em minhas palmas. Ele suspirou, um som impaciente, e se esticou sobre mim. Sua mão apertou meu braço, puxando. "Eu disse, saia." Ele me puxou, com força, e minha cabeça bateu na moldura da porta enquanto eu tropeçava para fora, na calçada. Eu ofeguei, a dor aguda eclipsando momentaneamente a agonia emocional.
Ele nem olhou para trás. Ele já estava fora do carro, correndo para o lado do passageiro, abrindo a porta para Frida. Ela praticamente derreteu em seu abraço, seus murmúrios suaves de queixa morrendo em seus braços. Ele a acomodou cuidadosamente no assento que eu acabara de ocupar, murmurando palavras de consolo. Ele afivelou o cinto dela.
Era quase cômico em sua cruel repetição. Ele sempre me puxava para fora, rude e desdenhoso, e então, cuidadosa e ternamente, a colocava no meu lugar. Lembrei-me dos primeiros dias, quando ele abria a porta do passageiro para mim, um gesto cavalheiresco que eu adorava. Ele dizia: "Este é o seu assento, Adelle. Sempre." A ironia era um gosto amargo na minha boca.
Eu ri então, um som seco e sem humor. Meu assento. Sempre. Que piada.
O carro partiu em alta velocidade, me deixando sozinha na calçada, a propriedade dos Magalhães se erguendo atrás de mim, um símbolo da minha total insignificância. Eles estavam indo para um leilão de caridade, percebi, outro de seus eventos exclusivos da elite. Eu era apenas um desvio inconveniente.
Breno apareceu ao meu lado uma hora depois, me puxando para o luxuoso salão de leilões, o ar espesso com o cheiro de dinheiro e perfume caro. "Adelle," ele sussurrou, sua voz baixa, como se tentasse acalmar uma criança. "Escolha o que quiser. Qualquer coisa. É seu." Ele apertou minha mão, uma tentativa superficial de afeto.
Lembrei-me de uma época em que ele me surpreendia com uma tela que eu admirava, ou um novo conjunto de tintas. Seus presentes então eram atenciosos, nascidos de um afeto verdadeiro. Agora, era apenas um gesto vazio, uma promessa oca.
Nesse momento, ouvi uma conversa sussurrada entre duas mulheres em vestidos brilhantes. "Você ouviu? Breno Salles gastou uma fortuna na semana passada naquele broche antigo para Frida. E na semana anterior, foi aquela escultura rara." Meu sangue gelou. Ele comprava presentes caros para ela regularmente. Não apenas para esta "retribuição de gentileza". Isso era diferente. Isso era mais.
Senti uma profunda sensação de total tolice me invadir. Eu tinha sido tão ingênua, tão cega.
A voz do leiloeiro ecoou, anunciando os lances. Meus olhos varreram o palco, pousando em um pequeno pingente brilhante, insignificante em meio às grandes obras de arte. "Aquele," eu disse, apontando vagamente.
Breno levantou sua raquete instantaneamente. "Cinquenta mil!" O leiloeiro mal fez uma pausa. "Vendido para o Sr. Salles!"
Ele o pegou, um sorriso triunfante no rosto. "Aqui, meu amor. Para você." Ele o ofereceu a mim.
Mas antes que eu pudesse sequer tocar, Frida, que apareceu do nada, seus olhos arregalados e inocentes, estendeu a mão e roçou nele. "Oh, Breno, é requintado! É para mim?"
O sorriso de Breno não vacilou. Ele se virou para ela, o pingente agora esquecido em minha direção. "Claro, meu anjo. O que você desejar." Ele o entregou a ela, seus dedos demorando nos dela. "Adelle, eu te compro outra coisa, algo ainda melhor, eu prometo."
Frida sorriu, seus olhos brilhando. Ela se inclinou, pressionando um beijo suave em sua bochecha. "Obrigada, querido. Você é o melhor."
Meu coração não apenas doeu; parecia que estava sendo rasgado em pedaços, dilacerado por mil lâminas invisíveis. Era uma dor tão profunda, tão absoluta, que fez minhas feridas anteriores parecerem arranhões distantes.
"Adelle? Você vai escolher outra coisa?" Breno perguntou, sua voz tingida de impaciência. Ele nem percebeu minha agonia.
Eu tentei de novo. E de novo. Cada vez, Frida expressava admiração, e cada vez, Breno concedia meu item escolhido a ela, prometendo-me algo "melhor" mais tarde. O ciclo era doentio.
"Sinceramente, quem é essa mulher?" ouvi um sussurro de uma mesa próxima. "Ela parece uma mendiga que Breno pegou na rua. Tão deslocada ao lado da adorável Frida Magalhães." As palavras, destinadas a me insultar, foram como um banho de água fria, solidificando minha determinação. A disparidade de classe, a expectativa social, a pura crueldade de tudo aquilo era avassaladora. Minhas unhas cravaram em minhas palmas, deixando marcas em forma de crescente.
Finalmente, balancei a cabeça. "Não," eu disse, minha voz mal um sussurro. "Eu não quero nada."
O rosto de Breno se nublou de irritação. "Adelle, não seja infantil. Estou tentando ser generoso. Não estrague isso." Sua voz era baixa, mas com uma ameaça familiar. "Eu sacrifiquei tanto por você, Adelle. A reputação da minha família, meu tempo. Você não vê o que estou fazendo?"
Minha cabeça se ergueu bruscamente. Sacrifício? Ele estava falando de sacrifício? Depois do que ele me fez passar? Depois do que ele permitiu que acontecesse com minha mãe? A pura audácia de suas palavras me tirou o fôlego. Era além de cruel; era um insulto à minha própria existência.
"Eu não aguento mais isso, Breno," eu disse, minha voz se elevando, tremendo um pouco. Minha visão turvou, mas desta vez, não eram lágrimas de tristeza. Era raiva. "Eu cansei. Acabou para nós. Estou indo embora." Eu queria dizer isso. Agora, estava dito.