Heitor entrou na sala, sua sombra se estendendo à sua frente como uma confissão de culpa. Seus olhos, na luz fraca, encontraram os meus. Por um longo momento, nenhum de nós falou. O ar estava denso, sufocante, com o peso não dito de sua traição. A tela da televisão atrás de mim piscou, mostrando-o em alta definição, uma marionete frenética e desesperada em um palco público.
Ele viu. Seu olhar caiu para a tela, seus ombros cederam. Ele caminhou lentamente, mecanicamente, em direção ao controle remoto, sua mão tremendo enquanto pressionava o botão de desligar. A tela ficou preta, mergulhando a sala em um silêncio mais profundo, mas a imagem permaneceu gravada em minha mente.
Então, ele fez. O gesto familiar e teatral. Ele caiu de joelhos, bem ali no nosso caro tapete persa, a cabeça baixa. Uma figura patética e desesperada. Eu o observei, meu coração um espaço oco no peito. Não houve uma onda de raiva, nenhuma nova onda de dor. Apenas um divertimento cansado, quase desapegado. Quantas vezes eu tinha visto essa cena? Quantas vezes eu tinha caído nela?
"Audra", sua voz estava rouca, carregada de um remorso performático que não me comovia mais. "Audra, eu sinto muito. Foi... foi um erro. Um erro terrível." Ele olhou para cima, seus olhos suplicantes, cheios de lágrimas não derramadas. "Não vai acontecer de novo. Eu juro. Foi a última vez. Eu só... eu não podia deixar. Ela estava sendo forçada, Audra. Forçada a um casamento. Pelas dívidas médicas da família dela. Eu só tive pena."
Ele tropeçou nas palavras, um roteiro ensaiado. "Eu não a via há meses, eu prometo. Não desde... depois da última vez. Mas então recebi a mensagem, ela estava desesperada, encurralada. Eu só... eu tinha que ajudar. Foi pura pena, Audra, nada mais." Ele estendeu a mão para mim, a palma para cima, como se oferecesse seu coração em uma bandeja.
Pena. A palavra arranhou minha alma, uma lâmina cega e enferrujada. Quantas vezes essa palavra foi seu escudo, sua desculpa, sua arma contra mim? Eu conhecia sua pena. Ah, eu a conhecia intimamente.
Minha voz, quando veio, era monótona, desprovida de emoção. "Sua pena, Heitor, sempre teve um preço alto. Minha sanidade. Minha dignidade. Minha esperança. Nosso futuro." Observei seus olhos piscarem, uma sombra de desconforto cruzando seu rosto. Ele odiava quando eu estava calma. Minha raiva ele podia combater, minhas lágrimas ele podia acalmar. Meu desapego frio, ele não conseguia tocar.
"Sua pena financiou a educação artística dela, não foi? Quando ela 'não podia pagar'. Sua pena comprou aquele estúdio chique na Vila Madalena, um lugar que ela alegava ser essencial para sua alma de 'artista incompreendida'. Sua pena te levou a agredir um homem três anos atrás, transformando você em um espetáculo público e eu em motivo de piada." Eu listei os pontos nos meus dedos, cada palavra uma martelada lenta e deliberada. "Sua pena me causou um aborto espontâneo, Heitor. Três anos atrás. Você se lembra dessa? Ou foi apenas um dano colateral em sua grande demonstração de compaixão?"
Seu rosto se desfez, as lágrimas finalmente rolando. "Audra, não. Você sabe que não foi minha intenção. Eu te amo. Sempre amei. Kiera... ela era apenas uma responsabilidade. Um fardo que eu sentia que tinha que carregar."
"Um fardo?" Eu zombei, um som sem humor. "Você parece gostar de carregar esse fardo em particular, Heitor. Na verdade, você se joga nele com uma paixão que raramente mostra por qualquer outra coisa. Pelo nosso relacionamento. Pelo nosso futuro." Meu olhar era firme, inabalável. "Sua pena, Heitor, é generosa demais. Transborda para todos, menos para a mulher que você diz amar."
Ele se encolheu, seus ombros se curvando ainda mais. Ele estendeu a mão, tentando pegar a minha, para me puxar para seu abraço. "Audra, por favor. Não diga isso. Deixe-me te abraçar. Deixe-me consertar isso."
Puxei minha mão para trás, um movimento rápido e decisivo. O contato era repugnante. "Não me toque."
Ele congelou, a mão suspensa no ar. Seus olhos, vermelhos e em pânico, procuraram os meus. "Você... você está realmente desistindo, Audra? Depois de tudo? Depois de todos esses anos?" Ele baixou a cabeça, sua voz um sussurro quebrado. "Por favor, Audra. Por favor, não faça isso." Ele afundou de volta nos joelhos, uma visão verdadeiramente patética.
Olhei para ele, meu coração teimosamente silencioso. "Quem começou a desistir há muito tempo, Heitor, não tem o direito de pedir lealdade agora. Você perdeu esse direito há muito tempo. Não finja o contrário."