Como se não bastasse, Jéssica quebrou a urna da minha mãe na minha frente e deu suas cinzas para um cachorro comer, tudo isso enquanto Caio assistia.
As últimas palavras da minha mãe foram: "Pare de implorar a ele."
Ela me deixou um número de telefone do meu tio distante, um homem poderoso que eu mal conhecia.
Quando liguei para ele, ele enviou um jatinho para me levar para São Paulo.
Agora, estou de volta. Não como a esposa destruída que ele descartou, mas como a nova CEO de sua empresa em colapso, pronta para tirar tudo dele.
Capítulo 1
Perspectiva de Calista
Meu estômago se revirou, um nó frio e familiar se formando enquanto a voz de Caio, carregada de desprezo, atravessava as paredes finas do quarto de hotel.
"Você é simplesmente... insatisfatória, Calista."
Ele nem se deu ao trabalho de amenizar o golpe. Não mais. Apertei o roupão de seda ao meu redor, o tecido fazendo pouco para afastar o frio que se instalara no fundo dos meus ossos.
Do outro lado do quarto, Jéssica deu uma risadinha, um som brilhante e triunfante que me cortou por dentro. Seus dedos finos, adornados com um anel que reconheci como meu - um presente de Caio no nosso primeiro aniversário - traçavam padrões em seu peito. Ele estava sem camisa, casual, completamente à vontade em sua infidelidade.
"Ela sempre foi, não é?" Jéssica ronronou, seus olhos, escuros e brilhantes, encontraram os meus por cima do ombro nu de Caio. Um sorriso perverso brincava em seus lábios, um segredo compartilhado entre eles, uma arma contra mim.
Eu fiquei ali, forçada a assistir. Essa era a ideia distorcida de "educação" de Caio. Ele afirmava que eu precisava aprender a ser mulher, a agradar um homem. Jéssica, mal saída da adolescência, era supostamente minha tutora. Todo fim de semana, por meses, essa tinha sido a minha realidade. No fim de semana do nosso aniversário de casamento, nada menos. Que apropriado.
Jéssica se desenrolou de Caio, caminhando em minha direção com falsa preocupação.
"Você está bem, Calista? Você parece um pouco pálida."
Ela estendeu a mão, seus dedos cravando em meu braço. Uma dor aguda, depois uma sensação de queimação. Suas unhas eram longas, recém-feitas. Eu não vacilei, não lhe dei essa satisfação.
"Aqui." Enfiei a mão no bolso do roupão, tirando uma nota nítida de cem reais. Minha mão tremeu um pouco, mas só eu notaria. "Isso é pelo seu... tempo."
Jéssica arrancou o dinheiro, seus olhos se estreitando.
"Só isso? Pelo meu tempo? Caio me dá um duro danado, sabia?" Sua voz era um choramingo infantil, mas seus olhos continham um brilho predatório. Ela deu um tapa mais forte no meu braço, a dor agora irradiando até meu ombro.
"Jéssica!" A voz de Caio era ríspida, uma falsa repreensão. Ele estava vestindo seu pijama de seda caro, um sorriso presunçoso no rosto. "Seja legal."
Ela saltou de volta para ele, esfregando o pulso com um exagero teatral.
"Ela me beliscou! Ela está com tanto ciúme, Caio."
Ele a envolveu com um braço, beijando sua testa.
"Minha pobre bebê. Eu sei, ela simplesmente não entende nossa conexão especial." Ele olhou para mim então, seu olhar frio, desprovido de qualquer calor que um dia teve. "Viu, Calista? Algumas mulheres sabem como apreciar os esforços de um homem."
Ele tirou um maço grosso de notas da gaveta da mesa de cabeceira, colocando-as na mão de Jéssica.
"Vá em frente, querida. Compre algo bonito para você. Ignore-a."
O sorriso de Jéssica voltou, largo e vitorioso. Ela mandou um beijo para ele, depois lançou um olhar triunfante em minha direção antes de desaparecer no quarto ao lado. A porta se fechou com um clique, deixando Caio e eu em um silêncio denso de acusações não ditas.
"As contas médicas da sua mãe chegaram hoje," eu disse, minha voz plana, sem emoção. Eu me recusei a deixá-lo me ver desmoronar.
Caio suspirou, passando a mão por seu cabelo perfeitamente penteado.
"De novo? Essa mulher é um poço sem fundo. Quanto é desta vez?"
"É o tratamento experimental," expliquei, minha garganta se apertando. "Os médicos dizem que é a melhor chance dela. É muito, Caio. Mais do que esperávamos."
Ele zombou.
"Mais do que você esperava. Eu te disse, se ela não consegue se recuperar, ela não consegue. Por que desperdiçar bom dinheiro?" Ele fez uma pausa, depois acrescentou com um sorriso presunçoso: "Além disso, Jéssica não pede pagamento. Ela está aqui porque quer estar. Ela valoriza minha companhia, ao contrário de algumas pessoas."
Minhas mãos se fecharam ao meu lado. Valoriza sua companhia. As palavras pareceram um golpe físico.
"Eu vou resolver isso," eu disse, minha voz mal um sussurro.
"Bom. E não se esqueça que temos aquele baile de caridade na próxima semana. Tente parecer menos um fantasma, Calista. E talvez," ele se inclinou, sua voz baixando para um sussurro zombeteiro, "eu até te dê uma noite de núpcias de verdade. Sabe, pelos velhos tempos. Depois que Jéssica te ensinar uma coisa ou duas."
Eu apenas assenti, meus olhos fixos em um ponto na parede atrás dele. O dinheiro que ele dera a Jéssica pelo "tempo" dela queimava no meu bolso. Eu o usaria. Mas não para o que ele pensava.
Mais tarde, deitada na cama fria e vazia que um dia compartilhamos, a memória da voz fraca da minha mãe ecoou em meus ouvidos. O quarto do hospital era estéril, branco, cheirando a antisséptico e desespero. Eu tinha ligado para Caio, desesperada, implorando para que ele aprovasse os fundos para o tratamento dela.
"Caio, por favor," eu havia suplicado ao telefone, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "É vida ou morte. Só desta vez."
Tudo o que ouvi em resposta foi um gemido suave, depois a risadinha abafada de Jéssica, seguida pela risada baixa e possessiva de Caio. Ele sabia que eu estava ouvindo. Ele queria que eu ouvisse. Ele desligou sem dizer uma palavra.
Minha mãe, frágil e se apagando, havia entendido. Ela viu o desespero em meus olhos, a forma como meus ombros caíam, a súplica silenciosa que se tornara meu estado padrão.
"Pare de implorar a ele, Calista," ela sussurrou, sua voz rouca, quase inaudível. "Você merece mais do que isso."
Ela recusou mais tratamento naquele dia. Uma semana depois, ela se foi. Suas últimas palavras, gravadas em minha memória, um comando, uma libertação: "Pare de implorar a ele."
Deslizei a mão sob o travesseiro, puxando o pedaço de papel puído que ela havia colocado em minha mão pouco antes de fechar os olhos para sempre. Um nome. Um número. Bernardo Velasquez.
Meu tio distante. O irmão da minha mãe.
Meus dedos, ainda trêmulos, discaram o número. Três toques, depois uma voz grossa e profunda atendeu.
"Velasquez."
"Tio Bernardo," sussurrei, minha voz embargada por lágrimas não derramadas. "É a Calista."
Um instante de silêncio. Então, um rugido de pura, genuína alegria.
"Calista! Minha pequena sabiá! É você mesmo? Oh, minha querida, faz tanto tempo! Onde você esteve? Você está bem?"
Fechei os olhos, uma única lágrima escapando.
"Estou... bem, tio."
"Bem? Você não parece bem, criança," ele disse, sua voz suavizando instantaneamente, a preocupação substituindo a alegria ruidosa. "Me conte tudo. Não, não me conte pelo telefone. Vou mandar um jatinho. Você vem para São Paulo. Imediatamente."
"Eu..." comecei, mas ele me interrompeu.
"Sem discussões. Sua mãe teria querido isso. Minha irmã, ela... ela sempre soube que você estava destinada a mais do que aquele simplório com quem você se casou." Sua voz era baixa, carregada de uma raiva antiga que eu não entendia. "Apenas diga sim, Calista."
"Sim," eu respirei, a palavra uma promessa frágil.
"Bom. Você estará segura aqui. E nós vamos resolver tudo." Sua voz era um bálsamo, um eco distante de uma família que eu mal lembrava.
Desliguei, uma estranha mistura de medo e alívio me invadindo. A decisão estava tomada. Eu estava indo embora. Eu estava farta de implorar.
Uma mão quente de repente se fechou em minha cintura, me puxando para trás contra um peito duro. Caio. Seu cheiro, uma mistura de perfume caro e o perfume barato de outra pessoa, encheu minhas narinas.
"Quem era, querida?" Sua voz era suave, enganosamente gentil, mas o aperto em minha cintura se intensificou, uma ameaça silenciosa.
Eu enrijeci, meu olhar caindo em seu pescoço. Uma leve marca vermelha, um chupão, florescia logo abaixo de sua orelha. A marca de Jéssica. Sempre a marca de Jéssica.
"Apenas uma ligação de trabalho," menti, minha voz plana. "Sobre alguns investimentos antigos."
"Investimentos?" Ele riu, seu hálito quente contra minha orelha. "Você ainda se mete nessa bobagem de finanças? Pensei que você tivesse desistido disso por nós." Sua mão se moveu, traçando a curva do meu quadril. "Sabe, você tem estado quieta ultimamente. Nenhuma lágrima, nenhuma súplica. Você ainda está com raiva de... tudo?"
"Não," respondi, afastando-me sutilmente. "Apenas cansada."
"Cansada?" Ele me girou, seus olhos perfurando os meus. "Ou apenas chata? Eu venho te dizendo, Calista, você se tornou tão previsível. Tão completamente desinteressante na cama. Jéssica, ela tem uma faísca. Um fogo. Você costumava ter isso, uma vez." Ele zombou. "Ou talvez eu apenas imaginei."
Meu estômago se contraiu.
"Eu só não estou me sentindo bem," murmurei, tentando passar por ele. "É aquela época do mês."
Ele me observou, um lampejo de suspeita em seus olhos, mas então ele apenas deu de ombros.
"Tudo bem. Mulheres e seus humores." Ele se virou, indo para o banheiro. "Só não espere que eu fique esperando você superar isso."
Eu o observei ir, as palavras "Pare de implorar a ele" ecoando em meus ouvidos. Eu não estava mais implorando. Eu nem estava com raiva. Apenas... vazia. E determinada. Meu corpo parecia pesado, doendo com uma dor que não tinha nada a ver com menstruação, e tudo a ver com o espaço oco onde meu coração costumava estar. A noite parecia interminável, cada tique-taque do relógio me arrastando para um pesadelo do qual eu não conseguia escapar, ou assim eu pensava. Eu só precisava aguentar um pouco mais.